sábado, 30 de outubro de 2010

Economia global: eis a nova encíclica




"Sem verdade, sem confiança e amor pelo verdadeiro, não há consciência e responsabilidade social, e o agir social cai nas mãos de interesses privados e de lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade, ainda mais em uma sociedade em vias de globalização, em momentos difíceis como os atuais".
A análise é de Gian Guido Vecchi, publicada no jornal Corriere della Sera, 27-06-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A última revisão de Bento XVI já está pronta. A estas horas estão revendo as últimas páginas da "Caritas in veritate", a terceira encíclica do Papa "dedicada ao vasto tema da economia e do trabalho, a uma reflexão nova e aprofundada sobre o sentido da economia e dos seus fins", que trará a data do dia 29 de junho (São Pedro e São Paulo) e será apresentada entre os dias 06 e 07 de julho. O Pontífice consultou uma grande quantidade de especialistas, entre economistas e prelados, mas, com relação à última prova de texto de abril, ele realizou a redação definitiva sozinho, palavra por palavra. No Vaticano, diz-se que ele levou uma cópia consigo até na viagem para a Terra Santa, no mês passado.
A encíclica, adiada para levar em conta a crise e "responder com base nos elementos reais", exige a necessidade de "uma nova e aprofundada reflexão sobre o sentido da economia e dos seus fins, assim como a uma revisão aprofundada e previdente sobre o modelo de desenvolvimento". A globalização não é o mal, mas também não se regula por si mesma: se for governada com "novas regras", pode se tornar uma oportunidade.
E no "novo contexto econômico-comercial e financeiro internacional", que modificou o poder político dos Estados", o texto sugere "uma renovada avaliação do seu papel e do seu poder", convida os sindicatos a "instaurar novas sinergias em nível internacional" para enfrentar "a redução das redes de segurança social" e invoca "a presença de uma verdadeira autoridade política mundial", nos traços da "Pacem in terris" de João XXIII: não um super-Estado, nem simplesmente a ONU, mas um modelo internacional de governo da globalização, uma autoridade "que deverá ser regulada pelo direito, ater-se de modo coerente aos princípios de subsidiariedade e de solidariedade, ser ordenada para a realização do bem comum e comprometer-se com a promoção de um autêntico desenvolvimento humano integral inspirado nos valores da caridade da verdade".
"Caritas in veritate", justamente: "O princípio ao redor do qual a doutrina social da Igreja gira". Bento XVI reconduz tudo aos seus fundamentos teológicos e teoréticos. Desde a primeira frase: "A caridade da verdade, que Jesus Cristo nos mostrou com toda a sua vida terrena e, sobretudo, com a Sua morte e ressurreição, é o principal recurso a serviço do verdadeiro desenvolvimento de todo indivíduo humano e da humanidade inteira"
A crise, observou o Papa, "nasceu de um déficit de ética nas estruturas econômicas". Um sistema infectado pela cobiça. Mas a economia "precisa da ética para o seu correto funcionaento", ou é contra o homem ou o destrói. Aqui surge a necessidade de um código ético comum: fundado na "verdade ao mesmo tempo da fé e da razão", uma verdade que, por isso, é acessível a todos, "a luz por meio da qual a inteligência alcança a verdade natural e sobrenatural da caridade". A busca da "justiça" e do "bem comum" derivam disso.
Bento XVI fala de "responsabilidade social da empresa no sentido amplo, que leve em conta todos os impactos sociais do seu agir". Permanecendo firme no fato de que, em primeiro lugar, está a responsabilidade social: "O desenvolvimento é impossível sem homens retos, sem operadores econômicos e homens políticos que vivam fortemente, nas suas consciências, o apelo ao bem comum".
Tudo é considerado, luta à fome e defesa da vida e atenção ao "estado de saúde ecológica do planeta", cisto que "os deveres que temos com relação ao ambiente se unem aos deveres com relação à pessoa": porque "o primeiro capital a ser protegido e valorizado é o homem na sua integridade".
No início, o Papa se refere à "Populorum progressio", de Paulo VI, que, em 1967, denunciou a desigualdade entre países ricos e pobres, mas a encíclica percebe também faz referência à "Humanae vitae", contra o aborto e a contracepção. Assim, "a abertura à vida está no centro do verdadeiro desenvolvimento", e, "se perdermos a sensibilidade pessoal e social com relação à acolhida de uma nova vida, outras formas de acolhida úteis à vida social também se empobrecem". Enfim, desenvolvimento e crescimento demográfico se correspondem. E uma "abertura moralmente responsável" à vida representa "uma riqueza social e econômica".
Dito isso, "a caridade na verdade pede reformas urgentes para enfrentar com coragem e sem demora os grandes problemas da injustiça no desenvolvimento dos povos". Depois de mais de 40 anos da "Populorum progressio", o desenvolvimento que devia ser "extensível a todos" foi "e continua sendo agravado por distorções e problemas dramáticos". A fome, sobretudo: "Dar de comer aos famintos é um imperativo ético para a Igreja". E "alimentação e acesso à água" são "direitos universais". E os países pobres devem ser defendidos e envolvidos nos processos decisivos.
A crise preocupa, mas "devemos assumir com realismo, confiança e esperança as novas responsabilidades às quais o cenário de um mundo que precisa de uma profunda renovação cultural e da redescoberta dos valores de fundo sobre os quais devemos construir um futuro melhor nos chama".
Oikonomia significa "lei" ou "administração" do oikos, a casa. "O desenvolvimento dos povos depende, sobretudo, do reconhecimento de sermos uma só família"

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