sábado, 30 de outubro de 2010

Ao antecipar nova encíclica, Bento repete discurso sobre 'ditadura do relativismo'





Quando a nova encíclica social de Bento XVI for publicada no começo de julho, ela poderá parecer amplamente bem anticlimática. Alguns trechos já surgiram na imprensa italiana, e neste domingo o pontífice deu um furo jornalístico em si mesmo ao dedicar suas considerações para o encerramento do Ano Paulino ao tema da "Caritas in Veritate" (Caridade na verdade), também o título de sua tão esperada meditação sobre a economia.

A análise é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 29-06-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Com efeito, o que Bento desenhou na noite deste domingo provavelmente remonta à subestrutura teológica e espiritual da encíclica, menos as prescrições econômicas específicas.

O núcleo do que Bento disse durante as vésperas ecumênicas na grande basílica de São Paulo Fora dos Muros é que a construção de um mundo melhor exige a formação de pessoas melhores. A reforma estrutural, por isso, pressupõe uma renovação pessoal, moral e espiritual, incluindo uma vida dedicada à oração e aos sacramentos.

Em uma passagem que evocou a famosa homilia sobre a "ditadura do relativismo" do então cardeal Joseph Ratzinger, há quatro anos, Bento pediu que os cristão sejam "não conformistas", recusando aceitar os valores da modernidade secular. Em particular, Bento XVI rejeitou a versão "faça-você-mesmo" do Magistério católico, insistindo na oposição ao aborto e ao casamento homossexual como parte do que significa ter uma "fé adulta".

Estando a poucos passos do que a tradição cristã considera como o túmulo de São Paulo, o Papa também revelou que os testes com carbono-14 confirmaram que os fragmentos de ossos contidos no sarcófago pertencem a um homem do primeiro ou segundo século – confirmando assim, disse Bento, a "unânime e incontrastável tradição" de que o sarcófago contém "os restos mortais do apóstolo Paulo".

As vésperas desse domingo encerraram o Ano Paulo, iniciado pelo Papa Bento XVI no dia 28 de junho de 2008 para comemorar o aniversário de dois mil anos do nascimento de São Paulo, o "apóstolo dos gentios".

A ideia de que um mundo melhor deve ser construído por pessoas melhores será provavelmente o tema central da "Caritas in Veritate", e o Papa abordou isso em profundidade neste domingo.

"Paulo nos diz: o mundo não pode ser renovado sem homens novos", disse Bento. "Só haverá homens novos se também houver um mundo novo, um mundo renovado e melhor".

Dessa premissa, Bento disse que a renovação espiritual pessoal requer "não conformismo", uma disposição a "não se submeter ao esquema da época atual". Para fazer isso, disse o Papa, requer-se uma nova forma de se pensar diferente dos valores do mundo, moldada pelo encontro com o "homem novo" de Jesus Cristo.

"O pensamento do homem velho, o modo de pensar comum, está geralmente voltado às posses, ao bem-estar, à influência, ao sucesso, à fama e assim por diante", disse Bento. "Assim, em última análise, o 'eu' próprio se torna o centro do mundo. Devemos aprender a pensar de maneira mais profunda", disse o Papa, baseada nos desejos de Deus em vez de si próprio.

Bento retomou a insistência de Paulo em uma "fé adulta", zombando do uso dessa frase para justificar o dissenso da doutrina católica oficial.

"A frase 'fé adulta', nas últimas décadas, se tornou um slogan difuso", disse o Papa. "Muitas vezes, ela é entendida no sentido da atitude de quem não dá mais ouvidos à Igreja e aos seus Pastores, mas que escolhe autonomamente em que quer crer e não crer – uma fé 'faça-você-mesmo', portanto. E ela se apresenta como 'coragem' de se expressar contra o Magistério da Igreja".

"Na realidade, porém, não se precisa de coragem para isso, porque sempre se pode estar certo do aplauso público. Pelo contrário, é preciso coragem para aderir à fé da Igreja, mesmo que ela contradiga o 'esquema' do mundo contemporâneo".

Bento destacou especificamente a oposição ao aborto e ao casamento gay como parte desse pacote.

"Faz parte dessa fé adulta, por exemplo, o compromisso com a inviolabilidade da vida humana desde o primeiro momento, opondo-se radicalmente com isso ao princípio da violência, justamente na defesa das criaturas humanas mais indefesas", disse o Papa.

"Faz parte da fé adulta reconhecer o casamento entre um homem e uma mulher por toda a vida, como ordem do Criador, restabelecida novamente por Cristo", disse.

Esses comentários fizeram parte de uma meditação sobre o capítulo 04 da Carta aos Efésios, de Paulo, a mesma passagem do Novo Testamento destacada na homilia do então cardeal Ratzinger logo antes do conclave que o elegeu ao papado há quatro anos, na qual ele identificou uma "ditadura do relativismo" como o desafio central da fé hoje.

Entretanto, Bento insistiu que o significado de ser uma "nova pessoa" em Cristo não tem a ver, primeiramente, com aquilo a que nos opomos, mas sim com aquilo que apoiamos. Com referência a isso, disse o Papa, a prova do nosso compromisso com a verdade, ou "veritas", é o nosso amor, "caritas".

"A caridade [o amor] é a prova da verdade", disse o Papa. "Devemos sempre de novo ser medidos segundo esse critério, que a verdade se torne caridade, e a caridade nos torne verdadeiros".

Bento afirmou que, como o amor de Cristo se estende a todo o universo, a preocupação cristã pelo mundo deve, da mesma forma, ter uma dimensão cósmica. Porém, o Pontífice não desenvolveu essa questão na noite do domingo. Em ocasiões anteriores, essa ideia forneceu a base para uma forte mensagem ambiental.

"O Cristo crucificado abraça o universo inteiro em todas as suas dimensões", disse Bento.

O Papa terminou pedindo uma vida de oração e participação nos sacramentos como uma solução ao que ele chamou de "vazio interior" da vida moderna, que se reflete, dentre outras coisas, disse o Papa, no uso de drogas.

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