sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O envelhecimento da população brasileira e seus desafios

Introdução:
Até a pouco, em termos demográficos, o adjetivo “jovem” vinha quase que automaticamente conjugado com o que se denominava de  “Terceiro Mundo”. E Terceiro Mundo vinha associado à subdesenvolvimento. Subdesenvolvimento, por sua vez,  trazia à tona  outra expressão carregada de negativismo e até ameaças: “explosão demográfica”. Já o que se denominava de “Primeiro Mundo” vinha conjugado com equilíbrio populacional e até com “cabelos brancos” como símbolos de maturidade e de progresso. Assim sendo, deste confronto entre Primeiro e Terceiro Mundos, parecia emergir uma conclusão lógica e premente: para resolver seus problemas sócio-econômicos e políticos o Terceiro Mundo deveria ser subsidiado para assumir o mais rapidamente possível os pressupostos ideológicos que estariam dando certo no Primeiro Mundo. Desenvolvimento só seria viável com controle da natalidade.    
Pelo rápido crescimento demográfico e  seus problemas  sócio-econômicos e políticos o Brasil se enquadrava perfeitamente no estereótipo terceiromundista. Com isso se apresentava como campo propício para a implantação de uma política que na prática equivalia à uma freada busca no crescimento da população. Os fatos demonstram que já a partir da década de 1960, sobretudo com a implantação do que se denominou de Aliança para o Progresso,  tanto a ideologia quanto as práticas contraceptivas passaram a ser patrocinadas, assimiladas e rigorosamente executadas. Os resultados não se fizeram esperar. Desaparecem as famílias numerosas e se dá uma redução drástica no número de filhos.
Com esse quadro de fundo se compreende que  nações até há pouco denominadas “jovens”, entre as quais se destaca o Brasil, já não podem mais ostentar esse pomposo adjetivo sem que sejam feitas  algumas importantes distinções.  Ao mesmo tempo em que  cresce a pressão dos jovens para ocupar seu lugar na sociedade, cresce também o número de pessoas idosas que se sentem descartadas não só do mercado de trabalho, mas da própria sociedade. À insegurança sentida pelos jovens no que se refere ao seu futuro, corresponde a insegurança das pessoas que ultrapassam a idade produtiva. Essa nova configuração  levanta logo uma série de questionamentos, seja na linha de identificação dos fatores que a provocaram e a continuam mantendo, seja na linha  dos desafios e medidas que se colocam com premência em relação ao presente e ao futuro não muito distante.   Toda essa problemática tem profunda incidência de cunho ético e pastoral.

I) Demografia: uma realidade complexa e diversificada

De uma maneira ou de outra questões demográficas acompanham a história das sociedades organizadas. Ora a preocupação aponta para o excesso, ora para a escassez de habitantes. Na medida em que a demografia se transforma em ciência, a questão demográfica vai   manifestando um grande número de fisionomias diferentes, de acordo com as diversas coordenadas históricas e culturais. Afinal os idosos são sujeitos do seu tempo. São vistos e se vêem de acordo com o imaginário social ( Ricardo de Azevedo, in Idosos no Brasil. Vivências, desafios e expectativas na terceira idade, SESCSP , Editora Fundação Perseu Abramo. São Paulo 2007, 11-12). Há mesmo quem, com propriedade, fale de “construção social da velhice” ( Edmundo de Drummond Alves Junior, Aspectos sociodemográficos de um país que envelhece: o exemplo brasileiro, in Envelhecimento de vida saudável,  Apicuri, RJ, 2009, 16s). Dessa forma o que  se evidencia com sempre maior clareza é que a questão demográfica não pode ser enunciada apenas no singular, uma vez que carrega consigo muitas questões conexas.
Essas questões conexas se conjugam com palavras muito significativas como: trabalho, emprego-desemprego, infra-estrutura, saúde, educação, violência, estabilidade ou  instabilidade  sociais, segurança ou insegurança, e assim por diante. Ademais, se no século XX a tônica parecia apontar mais para a administração de altas taxas da natalidade sobretudo nos países e regiões mais pobres, o século XXI traz consigo outro aspecto nem sempre devidamente contemplado ao menos no contexto da nações emergentes: o do rápido e expressivo envelhecimento da população.
E esse novo componente demográfico levanta logo algumas questões fundamentais no  sentido de se discernir entre  o que há em comum e o que há de original na nossa realidade brasileira; os fatores que determinam essa originalidade;  os desafios daí decorrentes para que a longevidade não seja vista como peso e ameaça, mas como dom e riqueza para o verdadeiro progresso humano. Um paralelo entre nações consideradas desenvolvidas e nações emergentes, ajudará a compreender melhor nossa originalidade com seus desafios específicos. A tudo isso subjazem naturalmente questões éticas e pastorais.

1) Nações desenvolvidas: envelhecimento mais lento e mais amparado
Apesar do fenômeno da globalização que há muito vai se configurando e a cada dia se acentuando mais, é quase impossível avaliar de maneira mais precisa qualquer aspecto da sociedade. Pois sempre são encontradas muitas variáveis. Assim também ocorre com o processo de envelhecimento. Tomando como exemplo a denominada Europa Central, as grandes guerras do século passado simplesmente ceifaram a juventude. E o próprio processo de reconstrução levou a uma cautela em relação ao número de filhos. A isso naturalmente se devem acrescentar fatores culturais, crescente tendência ao secularismo, ao consumismo e ao hedonismo, tendências mais acentuadas justamente  nas nações mais ricas.
Mesmo tendo-se muito presentes as variáveis, não se pode deixar de anotar ao menos  três  constantes complementares no que se refere à população do denominado Primeiro Mundo. A primeira se refere ao fato de o processo de envelhecimento haver sido relativamente lento; a segunda é a de que todas essas nações investiram e continuam investindo muito  em estruturas que favorecem a qualidade de vida das pessoas de idade; a terceira é a de que, de uma forma ou de outra, praticamente todas essas nações sentem o crescente peso do envelhecimento da população nativa. Neste particular muitas  dessas nações já caíram abaixo da simples taxa de reposição e outras se encontram muito próximas disso.  Daí a necessidade de importar mão de obra para manter a máquina produtiva em atividade, sobretudo no que se refere aos trabalhos considerados “sujos” . E o que é mais
As conseqüências disso há muito se evidenciam em vários países, sobretudo nos da denominada Europa Central. Não apenas os imigrantes e seus descendentes se tornam cada dia mais numerosos, como passam a ser considerados como um problema de segurança nacional.  Daí a contradição entre os ideais da União Européia, por exemplo, de derrubar fronteiras, e a realidade de estrangeiros serem empurrados para a ilegalidade e como tais serem perseguidos e deportados. Em vez de uma política de integração o que se percebe, ao menos em algumas nações, é uma política de exclusão truculenta, nos moldes de outros períodos da história dos quais todos nos envergonhamos. Justamente a região do mundo que parecia mais próxima  de encarnar os sonhos da derrubada de todas as fronteiras, dá mostras de regressão inesperada.

2) Características da realidade brasileira: freada brusca
Considerando-se que o envelhecimento da população é uma realidade constatada num grande número de nações de hoje, não é surpreendente que ele venha se colocando com sempre maior intensidade como desafio  também  no Brasil ( R.C.S. Oliveira, Terceira idade: do repensar dos limites aos sonhos possíveis. São Paulo, Paulinas, 1999, pp. 17 e 129)Dadas as melhorias em vários aspectos da realidade brasileira também não surpreendem os fatos da queda do índice de mortalidade infantil e o aumento da longevidade. Só  que a compreensão da nossa realidade  demanda atenção para um traço original e decisivo: a freada brusca no índice de natalidade que se encontra na raiz de uma mudança  rápida e problemática no quadro populacional.  Ainda que, por serem abordados por outros conferencistas, dados não sejam o objeto direto no  presente estudo, a busca de uma compreensão mais adequada da situação, e sobretudo a possibilidade de se evidenciar mais claramente onde se encontram os maiores desafios e como enfrentá-los, pede ao menos alguns leves acenos para alguns dados.
Sabidamente não há unanimidade quando se tenta definir quem são as pessoas idosas. Enquanto em algumas nações se estabelece como parâmetro 60 anos, em outras a linha divisória é estabelecida pelos 65. E a crescente longevidade, com seus desafios,  sobretudo na linha previdenciária,  faz com que já se pense em elevar ainda mais a data limite. Enquanto para alguns estudiosos é preciso distinguir entre os denominados idosos “jovens” e a partir dos 80 anos os idosos “idosos”, aos poucos se evidencia que o segmento populacional denominado de idoso apresenta uma acentuada heterogeneidade resultante seja de condições pessoais seja de condições sociais, que por sua vez podem ser desdobradas numa multiplicidade de aspectos diferentes.
Mas seguramente ao se tratar do envelhecimento no contexto brasileiro o que logo chama a atenção é a brusca freada que se fez sentir sobretudo a partir da década de 1960.  Se em 1940 os maiores de 60 anos não  representavam mais do que 4% da nossa população, já em 1996 eles representavam 8% e hoje ultrapassam os 12%, devendo até 2020 alcançar os 15%. A taxa de fecundidade total ( TFT) por sua vez,  passou dos 5.8 de 1970 para 2.3 no ano 2.000 e hoje, de acordo com o IBGE, ela estaria em 1.8 . Disso se deduz  que  já foi superada a taxa de reposição populacional, com toda a problemática dali resultante em termos de equilíbrio social. Ademais um comparativo entre crianças e maiores de 65 anos nos revela que para   100 crianças de 0 a 14 se devem contar 172,7 mais idosos. A cada ano somam-se à população brasileira nada menos do que 700 mil pessoas acima dos 65 anos. E as projeções para o futuro indicam que em 2050 essas pessoas seriam aproximadamente 50 milhões, perfazendo nada menos do que 25% do total da população. Desses nada menos do que 6.7% terão ultrapassado a faixa dos 80 anos. ( Envelhecimento e vida saudável, Vida e tempo, Organização Edmundo de Drumond Alves Junior, Apicuri, 2009, 24).  Em contraposição, no lugar das atuais quase 50 milhões de crianças, em 2050 teríamos apenas  28 milhões (  Problemas Brasileiros. Em ritmo de envelhecimento.  Encarte limite da sustentabilidade, Washington Novaes,  1-7). Em outros termos, já não há como negar a presença sempre mais acentuada de pessoas idosas no Brasil. Como veremos mais adiante esse fato revela  ganhos, mas também grandes desafios.
3) Planejamento familiar não se confunde com controle imposto da natalidade .
Que o planejamento familiar  tenha se imposto como uma necessidade não há dúvidas. A própria Igreja católica que em outros contextos incentivava as famílias numerosas há muito apregoa o planejamento familiar e demográfico, desde que sejam realmente responsáveis. Pois não apenas as famílias, como também as sociedades apresentam limites que, em nome da responsabilidade pessoal e social, não devem ser ultrapassados. Esses limites apontam na direção dos recursos necessários para garantir condições básicas em vista de uma vida digna. Muitas dessas condições há muito fazem parte de uma lista conhecida. Basta lembrar a alimentação, a habitação,  higiene e assim por diante. Outras condições para que se possa falar em qualidade de vida foram surgindo em decorrência  do próprio desenvolvimento. Fica sempre mais evidente que para a realização das pessoas e das sociedades não bastam as condições mínimas acima lembradas. As exigências vão se alargando no sentido do nível de educação escolar, do aprimoramento profissional, da acessibilidade às comunicações e  muitas outras exigências 
Os questionamentos de cunho ético, com reflexos econômicos e sociais,   emergem das motivações de fundo e dos métodos que se contrapõem à  humanização das pessoas e das sociedades. Uma coisa é planejamento que os casais e as sociedades julgam dever assumir diante das exigências sempre maiores decorrentes das novas condições históricas em que vivem. Outra é ser forçado por uma ideologia anti natalista e por outras formas de pressão, como se a abertura para a vida representasse uma ameaça para seu bem estar e até mesmo o da nação. Ora o que ocorreu no Brasil e em outros países até há pouco considerados “jovens”, e que hoje se deparam com um alto índice de pessoas idosas sem condições estruturais adequadas para acolhê-las,  não foi fruto de um processo de amadurecimento. Essa situação desconfortável resulta de uma freada brusca imposta por forças externas que não apenas foram implantando uma mentalidade contraceptiva, mas até oferecendo todo tipo de contraceptivos.
Uma análise objetiva do que ocorreu no Brasil coloca em ressalto que entre os métodos apregoados e assimilados destacam-se a esterilização e o aborto. No primeiro caso, o que é mais preocupante é o fato de a eventual esterilização não ser decorrência de indicação médica no sentido estrito da palavra, mas o método considerado mais eficaz e mais acertado para todas as idades. No segundo caso, o do aborto, a estratégia teve um primeiro momento impulsionado pelas mais diversas justificativas de cunho ideológico. O resultado se faz sentir nos presumíveis 1 milhão de abortamentos provocados por ano.  Como se isso não fosse suficiente, agora encontra-se em andamento o segundo momento: o da liberação pura e simples, expediente que para muitos se confundirá com  justificativa ética. Ora todos esses processos representam altos custos não apenas em termos estritamente éticos, como também em termos de equilíbrio demográfico, e conseqüentemente de equilíbrio social. Assim se evidencia que a batalha contra o aborto não é uma bandeira da Igreja católica: é uma decorrência lógica para quem analisa a questão populacional com lucidez, e muito mais para quem apregoa os direitos humanos como salvaguarda da segurança de todos.

II) Fatores determinantes no processo de envelhecimento

Já vimos que hoje, com razão, se distinguem os idosos “jovens” dos idosos, “idosos”. Ou seja, além da idade cronológica é preciso ter presentes as várias etapas e as diferentes circunstâncias que marcam a vida das pessoas de mais idade. Na busca de uma melhor compreensão dos fatores determinantes, ainda que sabidamente todos eles habitualmente atuem de forma conjugada, talvez convenha sinalizar alguns que se colocam com maior evidência e outros que nem sempre são devidamente avaliados. No tocante aos primeiros bastam alguns acenos. No que se refere aos segundos convém fazer algumas distinções e considerações um pouco mais desenvolvidas.
Entre os fatores em maior evidência em nossos dias se coloca naturalmente o patrimônio genético. Embora haja uma forte tendência para o reducionismo, no sentido de remeter ganhos e perdas automaticamente e quase que exclusivamente para a genética, não há como negar sua influência na provável longevidade. E naturalmente junto com os fatores genéticos não podem ser negados os fatores biológicos, que, de uma maneira ou de outra vão imprimindo suas marcas físicas e psíquicas mais ou menos acentuadas.
Tão ou mais importantes do que os fatores assinalados, são aqueles que nem sempre são devidamente avaliados, e que no entanto exercem um peso importante na configuração de uma velhice bem, ou então mal sucedida. Entre esses fatores sobressaem alguns de cunho pessoal, na linha da psicologia e da afetividade, e outros de cunho mais social e na linha das denominadas políticas públicas. De qualquer forma, uma adequada abordagem  da velhice exige que se supere uma compreensão homogênea de uma fase da vida que como todas as outras carrega consigo as marcas de uma grande heterogeneidade. Daí a conveniência de acenar para as diferentes expressões dos rostos das pessoas de idade.
1) As diferentes expressões no rosto  dos idosos
A originalidade do processo de envelhecimento da população brasileira  não se manifesta apenas por coordenadas histórico-culturais, nem somente pela freada brusca da natalidade. Uma análise serena que propicie uma serena busca de superação dos problemas não pode esquecer muitos outros fatores que remetem para a história das pessoas, naturalmente sempre entendidas dentro de um contexto sócio-político e cultural. Concretamente isso significa que a história pessoal, com sua multiplicidade de variáveis, pode ser marcada de maneira predominante por emoções e afetos positivos ou negativos. O cultivo de emoções positivas propicia um mais alto grau de auto estima. Essa contribui para que as pessoas se sintam impelidas a comportamentos saudáveis, que por sua vez vão impulsionar um envelhecimento mais bem sucedido. Entre os fatores pessoais não podem igualmente ser esquecidas as convicções religiosas e o maior ou menor cultivo da espiritualidade. A abertura à transcendência e as relações saudáveis com Deus e com o próximo, com certeza asseguram um envelhecimento bem sucedido, ainda que nem sempre livre de provações e contradições. Pois é a espiritualidade que vai propiciar o encontro com um sentido de vida, indispensável para uma vida saudável, justamente quando se acentua a perda da força física e eventualmente também das forças psíquicas ( A. Grün. A sublime arte de envelhecer, Vozes 2007). Daqui decorre a urgência de uma pastoral muito mais atenta para que a idade não seja compreendida como decadência, mas como matu-ridade. Ou seja: à luz de uma espiritualidade verdadeira a conjugação da longevidade com  qualidade de vida abre-se um vasto campo de atuação pastoral, com repercussão sobre a vida social.
As diferentes expressões no rosto das pessoas de idade por si só já nos convidam a fazermos uma distinção básica entre dois grandes grupos. De alguma forma podemos dizer que doenças ou debilidades físicas, bem como desânimo e dependência física são para a maioria o principal sinal de que a velhice chegou ( Gustavo Venturi e Vilma Bockany, A velhice no Brasil: contrastes entre o vivido e o imaginado, in Idosos no Brasil..., 25 e 26). Como também são características comuns a centralidade dos problemas de saúde (Anita Líberalesso Néri, Atitudes e preconceitos em relação à velhice, Idosos no Brasil... 19   ). Mas as diferentes expressões no rosto das pessoas de idade por si só já nos convidam a fazermos uma distinção básica entre dois grandes grupos.   O primeiro é constituído pelos que envelhecem sendo um peso para si próprios, seu círculo familiar e para a sociedade. O segundo grupo é constituído pelos que se enquadram dentro do que se poderia denominar de envelhecimento bem sucedido. No primeiro caso nos encontramos diante de pessoas cujo rosto expressa amargura e o corpo todo expressa dor e fracasso. No segundo nos deparamos com pessoas que cheias de ânimo, mesmo em meio a eventuais limitações de toda ordem. O que as caracteriza é a ausência de doenças ou o menor risco de contraí-las; funcionalidade física e mental; engajamento social; autonomia e independência; vontade de viver e se comunicar. Com razão se diz que entre as pessoas idosas muitas não temem tanto a morte quanto a dependência, a perda da dignidade, a solidão e o sofrimento que pode anteceder à morte.
Claro que a tentativa de enquadrar as pessoas num ou no outro grupo é sempre precária e por vezes até arbitrária. Mas essa tentativa se torna útil na medida em que  levanta a questão sobre as causas do êxito ou do fracasso. Acima já deixamos entender que há inegáveis aspectos da história pessoal que sempre devem ser levados em consideração. Umas carregam consigo traumas de etapas anteriores da vida; outras, ao contrário, são sustentadas na velhice pelos frutos colhidos ao longo da vida. Umas pessoas preparam uma velhice bem sucedida, e outras preparam uma velhice sofrida para si e para as pessoas que as cercam. Na avaliação entre êxito e fracasso nunca se pode perder de vista que os vários estágios da vida se entrelaçam e se reforçam uns aos outros, tanto num sentido negativo, quanto positivo. Mas também não se pode negligenciar o peso do fator econômico e o da presença ou ausência de políticas públicas adequadas.
2) O peso do fator econômico
O que dissemos sobre os fatores ligados à história pessoal, facilmente cairia na abstração, se não se levar em consideração os aspectos econômicos. A economia não somente movimenta a vida social e política, como também movimenta a vida das pessoas, sejam consideradas em sua individualidade, sejam consideradas em suas relações no círculo familiar e no circulo social. Ao se falar de um substrato econômico como indispensável para a realização pessoal, naturalmente não se está sugerindo o volume dos bens pressupostos. Há pessoas e grupos que se realizam com muito pouco, e há  quem, embora sendo extremamente poderoso de um ponto de vista econômico financeiro, é  frustrado não só ao longo da vida que normalmente se denomina de “útil”, como também e sobretudo no processo de envelhecimento. Pois é nesse processo que as pessoas passam a perceber mais nitidamente que o dinheiro não é tudo. O fraquejar das forças físicas e psíquicas vai coincidindo com um crescente processo de solidão de quem não conseguiu se firmar pelo cultivo de outros valores, que não podem ser comprados.
Entretanto, uma vez feitas essas ressalvas, não há como negar a necessidade de um substrato mínimo  para a realização humana. E isso se faz tanto mais notável quanto mais mergulhamos num mundo onde a economia, juntamente com necessidades reais, se especializa na criação de necessidades artificiais. Abundância ou carência de recursos materiais vai significar maior ou menor acessibilidade aos recursos alimentares, habitacionais, condições propícias ou não para a mobilidade, para investimentos culturais e para o lazer. Tudo isso pode parecer supérfluo e de fato era mais ou menos supérfluo até a  revolução industrial, com a conseqüente urbanização e tudo o mais que daí decorre. Num contexto agrário não só as necessidades básicas eram mais facilmente garantidas, mas também a família, no sentido extensivo da palavra, preenchia outras necessidades, sobretudo no sentido de relacionamentos e de lazer. E aqui não se pode esquecer de ressaltar a importância de uma concepção cristã da vida, da família e da própria morte: por si só ela assegurava todo um clima diferente em relação às pessoas de idade. A perda da dimensão religiosa tem muito a ver com a carência sentida em todos os campos quando se trata de pessoas consideradas não produtivas.
Mas quando se fala da importância dos recursos econômicos para garantir um envelhecimento com qualidade de vida, se tem em vista sobretudo um outro aspecto, que é o decorrente das limitações e doenças próprias de pessoas de mais idade. Recursos econômico-financeiros significam sobretudo acesso aos mais sofisticados expedientes para prever, prevenir e eventualmente debelar um grande número de doenças. A geriatria não apenas vai conquistando maior espaço no campo da medicina, como se encontra estreitamente vinculada ao poder aquisitivo das pessoas. Procedimentos terapêuticos mais sofisticados e medicamentos próprios para a terceira idade são sempre os mais onerosos. Como são onerosos os custos que decorrem do auxílio de profissionais  para acompanhar quem já não tem auto suficiência. Por isso tudo se compreende que a qualidade de vida das pessoas idosas tem muito a ver com a classe social à qual pertencem, e mais diretamente com o poder aquisitivo. Enquanto uns dispõem de  todos os recursos necessários, outros são o retrato de uma carência total. Embora que haja pessoas com parcos recursos que possam ter vida longa, sem condições econômicas mínimas, dificilmente essa vida será marcada pela qualidade sonhada.
3) O peso das estruturas e das políticas sociais
Ainda que não possam ser negligenciados os dados da história pessoal e os fatores econômicos,  é forçoso reconhecer que êxito e sucesso pessoais remetem também para estruturas políticas  e sociais que favorecem ou dificultam a vida das pessoas e das famílias. E é nesta altura que se percebe a grande diferença entre o envelhecimento em países e regiões que oferecem infra-estrutura adequadas, e outros países e regiões marcados por estruturas inadequadas. Em se tratando do Brasil não se pode deixar de reconhecer a existência das duas realidades simultâneas. Por um lado foram criadas instituições que, teoricamente garantiriam a todos a tão sonhada qualidade de vida. Afinal temos um Plano de Ação Governamental para o desenvolvimento da Política Nacional do Idoso, que prevê atendimento asilar; centros de convivência; casas-lar; oficinas abrigada de trabalho; Universidade aberta para a terceira idade; grupos de convivência; centros de cuidados diurnos; atendimento domiciliar; cuidadores de idosos.... Belos projetos teóricos. Por outro, são palpáveis as deficiências. No Brasil não faltam disposições legais para garantir condições de um envelhecimento saudável. Além do que determinam a Constituição e seus desdobramentos, merece destaque o Estatuto do Idoso. Existe mesmo um Plano Nacional Integrado, para conjugar os vários organismos e as múltiplas instituições. Conselhos Estaduais e Municipais devem zelar para que todo esse complexo institucional  cumpra a missão para a qual foi criado. Entretanto, como em outros campos, também nesse a realidade fica bem longe do que se deveria esperar. Há uma série de carências que não podem passar desapercebidas.
Teoricamente talvez se poderia distinguir entre carências estruturais, mais dificilmente superadas, e outras conjunturais, que poderiam ser supridas num curto espaço de tempo. As estruturais remeteriam para fatores histórico – culturais associados aos caóticos processos de urbanização, que resultaram em grandes e pequenas cidades mas nunca propriamente planejadas. E mesmo as que eventualmente foram planejadas, há muito ultrapassaram os limites previstos. De qualquer forma poucas apresentam condições aceitáveis de saneamento básico, de transportes e de áreas de lazer. E no que diz respeito à população de mais idade a tudo isso vem se somar a falta de acessibilidade, no sentido mais amplo da palavra: urbanístico, arquitetônico, de comunicação, e mormente de transporte. Para uma pessoa de idade, mesmo que não seja portadora de necessidades especiais, subir uma escada, atravessar uma rua ou tomar um transporte coletivo é quase sempre uma aventura perigosa.  Os riscos de atropelamentos e de quedas parecem mais acentuados do que os mecanismos de amparo para facilitar a locomoção.
No tocante à saúde propriamente dita, ao lado de um notável déficit de políticas adequadas, o que se constata a olhos vistos são espaços físicos inadequados, que se conjugam com profissionais mal preparados, em decorrência  da multiplicação de Instituições de ensino precárias sob todos os aspectos. Até mesmo o pomposo título de “Doutor”, associado à uma profissão historicamente equiparada ao “sacerdócio”, hoje pouco significa. De alguma forma as deficiências estruturais remetem para uma história onde questões de saúde dependiam mais da Casas de Misericórdia, normalmente sustentadas por instituições religiosas, do que do empenho do Poder Público. A questão não se localiza propriamente na carência de verbas: ela se localiza muito mais numa burocracia que, conjugada à corrupção, faz com que esses recursos poucas vezes cheguem ao seu destino. E com isso os denominados “lares para idosos” já no seu aspecto externo acompanham os “postos de saúde”, onde espaços inadequados se conjugam com um déficit acentuado e permanente do material mais necessário para um bom atendimento.
                 
III) Em busca de um envelhecimento bem sucedido

Sabidamente todas as fases da vida conhecem um período de transição, muitas vezes ressentido como “crítico”, pelo fato de as pessoas se sentirem mais vulneráveis. Em cada fase há uma série de “ritos”. Nas fases anteriores esses ritos normalmente vêm carregados de positividade: é um caminho que se abre, para a adolescência.... para a vida adulta.... Já no caso de velhice, os “ritos” em geral acenam na direção contrária, como sendo das despedidas e  o começo do fim. Poderíamos dizer que nessa etapa o processo crítico apresenta ao menos três riscos: o da perda identidade, o perda da autonomia e o da perda do sentido de pertença ( R.C.S. Terceira idade... pp. 24,105/6; CF 2003,60-61).  No primeiro caso, a questão se torna mais premente na medida em que as pessoas deixam suas funções sociais, para se depararem consigo próprias, despojadas de títulos, condecorações e funções, nuas diante do espelho de sua vida. No segundo caso a questão encontra-se intimamente ligada a certas circunstâncias resultantes de doenças ou de acidentes, que impedem a administração da sua vida e isso até nos atos mais simples do dia a dia. Com isso se vai também o sentido de pertença.
Por mais importante que seja o confrontar-se consigo próprio, a partir dos três ângulos acima sinalizados, é preciso deixar claro que isso não basta. As pessoas de idade, individualmente consideradas ou em grupos, vão se defrontar com algumas barreiras. A primeira delas é a dos preconceitos de cunho mais sócio cultural, mas que de uma forma ou de outra também se disseminam no  círculo familiar ( Anita Líberalesso Néri, Atitudes e preconceitos em relação à velhice, Idosos no Brasil... 15s. Esses preconceitos, por sua vez tendem a minar a auto imagem tanto das pessoas, quanto dos grupos sociais.  Uma imagem normalmente utilizada no contexto de quem perdeu seu companheiro ou sua companheira de vida pode ser aplicado nesse contexto mais amplo: a sensação do “leito vazio”. Quanto mais alguém avança em idade, mais vê reduzido o círculo de amizade e de atuação.
Mas há ainda outro aspecto a ser considerado: é aquele que remete para as estruturas familiares e sociais, que facilmente transformam preconceitos nas mais variadas formas de violência: física, psicológica, social. Esses vários tipos de violência vão como que empurrando as pessoas de idade para o canto ou até eliminando-as na sua identidade mais profunda. Só se poderá esperar um envelhecimento bem sucedido se as pessoas de idade, seja como pessoas, seja sobretudo como grupo social, se posicionarem devidamente  exigindo seus direitos.  Esse talvez seja o aspecto mais penoso e mais decisivo, pois, por vezes, impõe uma postura “guerreira”, quando os objetivos não são alcançados pelos meios convencionais. A passividade certamente se constitui numa virtude quando se trata da defesa e promoção de direitos fundamentais. Neste contexto é preciso reconhecer que não poucas vezes uma falsa espiritualidade contribuiu para o aumento da passividade e que uma pastoral para a terceira idade terá grande peso na reversão desse quadro.
1) A sublime arte de envelhecer ( Anselm Grün, A sublime arte de envelhecer, Vozes, 2007)
Claro que, de acordo com as coordenadas histórico – culturais, a velhice já foi pintada de muitas maneiras diferentes ao longo dos tempos. Embora não se possa idealizar nem o passado, nem o mundo agrário, com certeza há uma notável diferença daqueles contextos em relação aos que se seguiram à revolução industrial, urbanização e processo de secularização. Nos primeiros contextos sobressaía a velhice como processo “natural”, quando não como manifestação das bênçãos divinas. Já a ideologia decorrente da revolução industrial ressaltou a negatividade, uma vez que velhice passava a ser sinônimo de não produtividade e até de custos sociais. Em nossos dias, quando os mitos da “eterna juventude” carregam consigo uma espécie de endeusamento da “estética”,  os riscos de insucesso parecem provir de duas direções ao mesmo tempo: a da futilidade   e a da decepção  pela impossibilidade de acompanhar a onda do rejuvenecimento permanente.
De qualquer forma, cada uma das fases da vida representa  um forçoso e por vezes penoso processo de aprendizado. A criança tem que aprendem a manifestar suas necessidades, a andar, a falar, a se comunicar. A começar da expulsão do seio materno, cada passo em frente pode representar o risco de uma queda ou de um passo atrás. Da mesma forma, o advento da adolescência obriga a pessoa a se defrontar com as transformações profundas que vão ocorrendo no seu corpo, na sua mente, nos seus sentimentos. Por isso mesmo também a adolescência força a pessoa a colocar-se como homem, ou como mulher, como pessoa capaz de superar uma série de barreiras. Ao que tudo indica, respeitados os traços próprios de cada pessoa e de cada história, a entrada progressiva para a velhice se apresenta como a mais desafiante. Isso por que enquanto nas fases anteriores tudo aponta para um futuro cheio de sonhos, a velhice aponta para um presente onde o futuro se torna cada vez mais próximo e os sonhos cada vez menos fascinantes. A sensação básica de quem avança em idade é a de que na sua frente se encontra um muro, cada vez mais próximo  e que deve ser ultrapassado, sem que se saiba exatamente o que se vai encontrar do outro lado.
É neste contexto que se evidencia que a longevidade bem sucedida não acontece por acaso, mas que deve ser construída passo a passo em todos os sentidos: no sentido  físico, no sentido intelectual, no sentido dos hábitos e costumes, e sobretudo no sentido espiritual. A palavra chave e quase que mágica para percorrer a última etapa da vida é exatamente essa: “ sentido”. Só será capaz de se preparar devidamente quem encontra um sentido último para seu viver, e por que não, um sentido último também para o seu morrer. Em compensação, na medida em que as pessoas encontram esse sentido em todas as direções, mesmo em meio a eventuais limites que vão se impondo com o tempo, a velhice passa a ser vivida como um período tão ou mais promissor do que os períodos anteriores, e até com certas vantagens. Significativamente a Bíblia, que apresenta uma visão realista da velhice, ressaltando tanto aspectos negativos quanto positivos, ressalta a velhice como a oportunidade de se chegar à sabedoria. Se  vida for comparada com uma montanha, a criança se encontra no sopé, e por isso seu horizonte é muito pequeno; o adolescente e o adulto, vão subindo degrau por degrau, com a possibilidade de descortinar horizontes mais amplos. Mas são as pessoas de idade as que chegam ao cimo da montanha, de onde podem ser descortinadas as mais belas paisagens. E é isso que se pode denominar de felicidade, que não tem idade ( B. TONETO, Idoso, com muito prazer: felicidade não tem idade. São Paulo, Salesiana, 2002). E nessa mesma compreensão se pode até considerar a velhice não mais como um simples processo, mas como uma meta. Isso naturalmente revoluciona toda uma compreensão anterior e negativa da velhice. Ela passa a ser vista como o melhor período pra o cultivo de si mesmo, de sua alma e de seus sentimentos ( Marcelo Santana Ferreira, Reflexões sobre o processo de envelhecimento a partir de Michel Foucould, in Envelhecimento e vida saudável, 16s). Isso se evidencia ainda mais à luz da fé, quando a morte, embora quase sempre penosa, não emerge como uma tragédia, mas como passagem para outra vida em plenitude.
2) Os dolorosos ritos de passagem para a velhice
De alguma forma já acenamos acima para os “ritos” de passagem, que simultaneamente carregam consigo a dor do abandono de uma fase e a alegria do descortinar uma nova paisagem. Depois de havermos ressaltado os ângulos positivos, agora chegou o momento de iluminarmos a insegurança e eventuais dores resultantes dos novos desafios que se apresentam na velhice. Esses desafios são tão profundos e tão difusos que há fale em uma “verdadeira conspiração contra a velhice” ( R.C.S Oliveira, Terceira idade: do repensar dos limites aos sonhos possíveis., São Paulo , Paulinas 1999,  71-80 Três palavras resumem esses desafios quase que inerentes à condição de ser pessoa de mais idade: preconceitos, violências, autodestruição. De alguma forma podemos afirmar que são os preconceitos que se encontram na raiz das várias formas de violência e na eclosão de mecanismos de auto destruição.  Além daqueles que as pessoas têm que enfrentar por sua raça, sua situação econômica, sua fisionomia, sua estatura, há uma série de estereótipos sobre as pessoas de idade, que facilmente se transformam numa pedra de tropeço. Esses preconceitos são tantos e tão pouco consistentes que basta simplesmente elencar alguns deles: velhice seria um processo cronológico progressivo e universal de decadência; desinteresse pelo presente e pelo futuro; senilidade; enfermidade; deteriorização da inteligência; incapacidade de novos aprendizados; tendência ao isolamento, ou relações limitadas a outras pessoas de idade; peso para a sociedade; morte próxima ( CF 2003, pp. 17ss.). A urbanização, industrialização com os avanços da tecnologia científica e da informática parecem estar reforçando ainda mais a distância das gerações: até crianças pequenas sabem mais do que pessoas de idade, e isso sob os mais diversos assuntos ( Maria Eliane Catunda de Siqueira, Velhice e políticas públicas, in Idosos no Brasil..., 212; Sara Nigri Goldman, Envelhecimento e exclusão digital: uma questão de política pública, in Envelhecimento e vida saudável, 297ss). Entre todos esses preconceitos um merece maior atenção por se constituir num pressuposto totalmente falso e por isso mesmo causador de mágoas profundas: a improdutividade. Pessoas de idade seriam um peso para si, para a família e para a sociedade. Ora, justamente no quadro brasileiro um grande número de famílias vive do salário dos aposentados. Isso sem esquecer que são numerosas as famílias monoparentais, ou seja, mantidas por um dos cônjuges, e muitas vezes justamente os de mais idade. Não se pode esquecer ainda a feme
nelização da velhice: não só as mulheres têm vida mais longa, mas parecem mais produtivas e são o sustentáculo de filhos e netos.
A segunda vertente da dor vem estabelecida pelas múltiplas formas de violência que se volta de modo particular contra as pessoas de idade. Essas deixaram de ser vistas como guardiões de valores, mestres em trabalhos manuais,  e conselheiros sábios para momentos difíceis, seja a nível familiar, seja a nível social ( James Hillman. A força do caráter e a poética de uma vida longa, Objetiva, 1999, 33s). Antes passam a ser uma espécie de saco de pancadas, sofrendo todo tipo de violências. E por incrível que pareça, um primeiro foco se aninha onde menos se esperaria: no seio da própria família. Para uma melhor compreensão dos mecanismos próprios da violência ter presente uma distinção entre a física, estrutural e simbólica ( CF2009, p. 47- 48). Numa conjugação pérfida círculo familiar e social vão se reforçando mutuamente. A violência familiar não procede apenas de eventuais conflitos, oriundos de causas múltiplas, como também por um processo de  exclusão, que vai colocando “os velhos” de lado. Essa exclusão é por vezes sutil, mas nem por isso menos dolorosa, no sentido de as pessoas de idade irem se sentido inúteis e vistas como um peso para a família e para a sociedade. A violência que remete mais diretamente para a sociedade aponta naturalmente para uma infra estrutura já sinalizada acima. Basta lembrar as condições dos postos de saúde e o funcionamento da assistência social.  Contudo, neste contexto convém destacar aqui a denominada violência simbólica. “ Esse tipo de violência é menos perceptível no meio social, mas nem por isso seus efeitos são menos nocivos. A ação acontece por coação através da força de símbolos, situações, constrangimento, ameaças; pela exploração de fatos ou de situações; pela negação de informações ou de um bem de necessidade imediata ou irrevogável; por chantagens e pela cultura do medo... pela humilhação” ( CF 2009, p. 48). Para completar o quadro de violência de cunho institucional convém lembrar as condições de funcionamento de um grande número de clínicas e asilos, onde com freqüência se conjugam péssimas condições físicas, incompetência profissional e abandono familiar. É notável nesses ambientes o que se poderia denominar de “infantilização”. Muitas pessoas que desempenharam funções mais ou menos importantes na sociedade, se vêem constrangidas a seguir uma rotina despersonalizante, onde elas não passam de um número a mais, aguardando apenas a hora da morte.
Quando se têm presentes esses e outros elementos que compõem o panorama dominante quando se trata de pessoas idosas, se compreende melhor o porque tantas delas passam a vivenciar um processo cada vez mais intenso de auto- destruição. Esse processo parece ter início no campo da linguagem. Enquanto a criança vai assimilando a linguagem dos adultos e com isso vai sendo acolhida num círculo cada vez mais amplo, os mais velhos são conduzidos ao processo inverso: “... são excluídos do enriquecimento semântico das palavras e, logo, sentem-se desambientados e pressionados a perder o sentido da linguagem, instrumento indispensável para o desenvolvimento das funções mentais superiores” ( Agostinho Both, Gerontologia, educação e longividade, Editora Imperial, Passo Fundo, 2001, 66). Esse processo não remete apenas para as marcas dos anos que vão se estampando nas fisionomias, como remete sobretudo para marcas psíquicas e espirituais. De uma forma ou de outra a pessoa, já fragilizada seja pelos anos, seja pelas enfermidades e limitações próprias da idade, passa a assimilar uma imagem que originariamente não era a sua. É a imagem que vai sendo esculpida  ora pelo círculo familiar, ora pelos asilos, ora pelo círculo social. O desaparecimento progressivo dos amigos e a falta de amparo carinhoso por parte das pessoas com as quais se vêem obrigadas a conviver, as pessoas de idade facilmente vão entrando num processo depressivo. Claro que ao falarmos em depressão iremos  nos deparar com muitos quadros diferentes. Entretanto, não raro as formas mais profundas vão semeando no coração dessas pessoas o desejo de morrer, quando não a tentação do suicídio.
3) Abrindo caminho para uma nova realidade
Como observamos desde a introdução, ainda que nunca e em nenhum contexto seja fácil conjugar envelhecimento e qualidade de vida, convém ter presente a originalidade do nosso quadro brasileiro. Enquanto em várias nações a consciência do fato levou à políticas sociais que amparam as pessoas de idade, no Brasil ainda nos encontramos longe disso. E é por essa razão que abrir caminho para uma nova realidade se torna um imperativo primordial para as próprias pessoas, para o círculo familiar e para a sociedade no seu todo. Para isso acontecer vão se impondo certas exigências, que talvez possam ser resumidas na palavra “estimulação”.. Existem vários ângulos a serem considerados quando se fala de estimulação. Devemos ressaltar ao menos três: o nível físico, o nível intelectual, e o nível psíquico-afetivo e espiritual. Aqui não vem ao caso descrever o que pode ser feito em cada um desses ângulos. Basta ter presente que se trata de exercitar, instigar, animar, encorajar as pessoas idosas para, de acordo com os limites de sua condição pessoal incrementar ainda mais aquilo que eventualmente já vinha executando em fases anteriores. Ademais a toda uma série de atividades que conjugam realização e prazer e que encontram nessa altura da vida um espaço mais propício. Esse é o caso, por exemplo da arteterapia ( Ligia Diniz, O alcance da arteterapia aplicado em projetos sociais, in  Envelhecimento e vida saudável, 285s; Sara Paín, Os fundamentos da arteterapia, Vozes, Petrópolis 2009).
Entretanto, para que isso tudo seja possível, antes de mais nada a própria pessoa deve ter consciência de que jovem e velho não são termos antagônicos, mas simplesmente fases diferentes da vida. De alguma forma se pode dizer que ser jovem é uma questão de postura ( Hermógenes de Andrade Filho, Saúde na terceira idade. Ser jovem é uma questão de postura, Editora Nova Era, 1996. Reio de Janeiro). Por essa razão, embora a pessoa idosa tenha que aceitar as limitações próprias da idade ou de sua condição resultante de algum acidente, ela deverá, antes de mais nada cultivar a certeza de que para uma pessoa normal a idade em si mesma não altera a personalidade. O que pode decorrer da idade é uma maior ou menor flexão de características já anteriormente existentes. E ainda mais: até mesmo em se tratando de perdas, em geral elas podem ser compensadas através dos mais diversos exercícios. Assim, por exemplo, em se tratando da perda da memória ela pode abrir caminho para uma maior racionalidade e maior pragmático. O importante é buscar manter-se sempre atualizado, e na medida do possível abrir até novas frentes de exercícios intelectuais.  Da mesma forma, se tomarmos como referência o aspecto afetivo: as emoções, a idade pode dar novos coloridos, o que não significa anular a capacidade de amar e de criar novos laços. Da mesma forma, quando nos voltamos para o ângulo espiritual nos deparamos com uma oportunidade ímpar de crescimento no amor a Deus e no amor ao próximo. Uma comparação pode ajudar a entender esse aspecto do crescimento. A vida é como uma montanha. A criança se encontra no sopé, o que lhe possibilita uma percepção bastante limitada da realidade; o adolescente vai percebendo um alargamento de horizontes; quando mais vivemos mais vamos subindo os degraus da montanha. Ora, quem chega a uma idade mais avançada, encontra-se no alto da montanha, o que possibilita a vista de um horizonte mais amplo ( CF. 2003, pp. 65ss).
Nessa altura  a pessoa de idade normalmente irá se defrontar com questões que remetem para a espiritualidade e se constituem num convite para o cultivo de uma série de virtudes mais facilmente encontradas nessa etapa da vida ( Anselm Grün, A sublime arte de envelhecer, Vozes 2007, 79s) . Na exata medida em que uma pessoa normal vai envelhecendo, vão se colocando questões de maior profundidade sobre seu futuro. Questões que se referem de imediato sobre onde e como iremos viver a última fase da vida. Mas as questões mais prementes vão na direção do sentido do sofrimento, da vida, e naturalmente da morte. É nesta altura, quando já não há como negar as limitações, que os desafios são maiores, no sentido de uma compreensão mais profunda  da realidade. E com isso se abre a perspectiva da sabedoria, com razão muitas vezes associada à idade mais avançada, ao menos em certas civilização mais antigas e em certas religiões. Neste contexto convém lembrar o “Conselho dos anciãos”, existente no antigo Israel e em muitos povos orientais e povos indígenas. Aliás, esse é o sentido original do “Senado”: os senadores deveriam ser pessoas experientes para enfrentar momentos e problemas mais complexos da sociedade. A sabedoria de quem sabe aproveitar o envelhecimento vai fazer com que haja uma reavaliação de tudo, inclusive da própria vida. E na medida em que a sabedoria vai sendo cultivada, a própria morte deixa de ser entendida como algo de apavorante, para ser entendida como uma nova etapa da vida ( SCHOTSMANS, P., A vida como plenitude: contribuição dos idosos para uma civilização digna do homem. Concilium 235 (1991), 326-339)

Conclusão:

Quando se trata das condições dos envelhecidos no Brasil, não se pode fugir a uma dupla constatação. A primeira é que, por fatores múltiplos, o número dos que atingem uma idade mais avançada é expressivo e tende a ser ainda maior. A segunda é que esse próprio fato é surpreendente, dadas as condições de vida que uma grande maioria da população tem que enfrentar para nascer, para sobreviver nos primeiros anos de vida, e sobretudo para chegar a uma idade mais avançada, apesar de tantas provações e privações. Como procuramos demonstrar, um envelhecimento bem sucedido não depende apenas das políticas públicas de saúde. Mas com certeza é nessa direção que se deve investir com maior insistência, para que o poder público ofereça melhor estrutura, melhor atendimento, e colabore eficazmente para a derrubada de todo tipo de preconceitos. Entretanto, só isso não basta. O que está ocorrendo no Brasil é um verdadeiro desperdício, no sentido de a força da experiência das pessoas de mais idade não ser devidamente canalizada para a construção de uma sociedade mais humana para todos. Os mais jovens podem adquirir um saber internetizado, mas a sabedoria pressupõe arranjos afetivos e cognitivos que resultam de uma história local e um coração particular. Essa sabedoria de vida é mais facilmente encontrada em pessoas que envelhecem com qualidade de vida ( Agostinho Both, Gerontologia, educação e longevidade, Editora Imperial, Passo Fundo,2001, 38). Há muitas pessoas que apresentam uma vida longeva e saudável e que podem contribuir de múltiplas formas e em múltiplas direções, beneficiando os outros, e com isso a si próprias. Uma nação que despreza essa força intelectual, moral e espiritual, nunca será uma nação forte e bem estruturada.

Por outro lado, por mais que se insista no papel do poder público, não se pode negligenciar o ângulo da educação, seja das próprias pessoas de idade, seja dos seus familiares, seja de toda a sociedade. No que se refere à própria pessoa como pessoa, ela precisa ser educada desde cedo para não deixar a velhice acontecer, mas prepará-la com todo o carinho, como se preparou para as outras fases da vida. Ainda no que se refere às pessoas como pessoas, elas devem ser educadas para não aceitar a invasão de sua privacidade e dos limites dos seus direitos inalienáveis. Ou seja: elas têm que aprender a superar todas as barreiras de caráter discriminatório. E para tanto não podem contar apenas consigo própria, mas como qualquer categoria social, têm que lutar para conseguir uma organização capaz de os  direitos que cabem a todos os idosos. Eles nem sempre apresentam necessidades especiais, mas sempre apresentam necessidades específicas.

Por fim, fica cada vez mais claro que, em grande parte, somos aquilo que imaginamos ser. Quem se imagina inútil, será inútil. Quem, no entanto, busca por todas formas preencher o vazio existencial com sempre novas atividades e sempre novos projetos a curto, médio e longo prazo, não tem o que temer na velhice. Ainda que tenha de conviver com certos limites, sempre sobrará muito espaço para uma série de atividades, de ordem física, psíquico-afetiva e espiritual. Em suma, o envelhecimento bem sucedido é uma arte, que pode ser resumida em algumas expressões, como: viver intensamente todas as idades; cultivar todos os talentos; saber articular limites com a certeza de que sempre se pode dar mais um passo adiante. O envelhecimento bem sucedido é aquele das pessoas que sabem colher flores mesmo entre espinhos. Todas as etapas da vida são belas e produtivas para quem, em vez de entregar os pontos, vai estendendo sempre mais a faixa dos limites que à primeira vista parecem intransponíveis. Pois o ser humano pode muito mais do que imagina, desde que, movido pela auto confiança e a confiança dos seus semelhantes, coloque sua esperança naquele que o enviou a essa terra para cumprir uma missão. E a longevidade com qualidade de vida, com certeza, revela como nenhuma fase anterior, o rosto das pessoas realizadas por terem cumprido sua missão até o fim.
obs.: Artigo publicado Revista Eclesiástica Brasileira número 277 de janeiro/2010 Vozes.

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