(12/11/2009) No magistério social de Bento XVI, á luz da doutrina social da Igreja, a centralidade do direito á alimentação, mas também do direito á agua, preocupação que introduz firmemente o Papa em vários dos seus discursos, é uma constante que encontra a sua mais alta expressão na recente Encíclica “Caritas in Veritate” documento no qual, como ensina o magistério pontifício a partir da Rerum novarum a alimentação e a luta contra a fome são aspectos da ampla questão do desenvolvimento verdadeiro, sustentável e integral
A liberdade responsável das pessoas e dos povos
No numero 17 da “Caritas in Veritate” podemos ler: O desenvolvimento humano integral supõe a liberdade responsável da pessoa e dos povos: nenhuma estrutura pode garantir tal desenvolvimento, prescindindo e sobrepondo-se à responsabilidade humana. Os « messianismos fascinantes, mas construtores de ilusões » fundam sempre as próprias propostas na negação da dimensão transcendente do desenvolvimento, seguros de o terem inteiramente à sua disposição. Esta falsa segurança converte-se em fraqueza, porque implica a sujeição do homem, reduzido à categoria de meio para o desenvolvimento, enquanto a humildade de quem acolhe uma vocação se transforma em verdadeira autonomia, porque torna a pessoa livre. Paulo VI não tem dúvidas sobre a existência de obstáculos e condicionamentos que refreiam o desenvolvimento, mas está seguro também de que « cada um, sejam quais forem as influências que sobre ele se exerçam, permanece o artífice principal do seu êxito ou do seu fracasso ». Esta liberdade diz respeito não só ao desenvolvimento que usufruímos, mas também às situações de subdesenvolvimento, que não são fruto do acaso nem de uma necessidade histórica, mas dependem da responsabilidade humana. É por isso que « os povos da fome se dirigem hoje, de modo dramático, aos povos da opulência » Também isto é vocação, um apelo que homens livres dirigem a homens livres em ordem a uma assunção comum de responsabilidade. Viva era, em Paulo VI, a percepção da importância das estruturas económicas e das instituições, mas era igualmente clara nele a noção da sua natureza de instrumentos da liberdade humana. Somente se for livre é que o desenvolvimento pode ser integralmente humano; apenas num regime de liberdade responsável, pode crescer de maneira adequada.”
Dar de comer aos famintos é um imperativo ético
Mais á frente, no numero 27 da Encíclica, Bento XVI explica: “Em muitos países pobres, continua — com risco de aumentar — uma insegurança extrema de vida, que deriva da carência de alimentação: a fome ceifa ainda inúmeras vítimas entre os muitos Lázaros, a quem não é permitido — como esperara Paulo VI — sentar-se à mesa do rico avarento. Dar de comer aos famintos (cf. Mt 25, 35.37.42) é um imperativo ético para toda a Igreja, que é resposta aos ensinamentos de solidariedade e partilha do seu Fundador, o Senhor Jesus. Além disso, eliminar a fome no mundo tornou-se, na era da globalização, também um objectivo a alcançar para preservar a paz e a subsistência da terra. A fome não depende tanto de uma escassez material, como sobretudo da escassez de recursos sociais, o mais importante dos quais é de natureza institucional; isto é, falta um sistema de instituições económicas que seja capaz de garantir um acesso regular e adequado, do ponto de vista nutricional, à alimentação e à água e também de enfrentar as carências relacionadas com as necessidades primárias e com a emergência de reais e verdadeiras crises alimentares provocadas por causas naturais ou pela irresponsabilidade política nacional e internacional. O problema da insegurança alimentar há-de ser enfrentado numa perspectiva a longo prazo, eliminando as causas estruturais que o provocam e promovendo o desenvolvimento agrícola dos países mais pobres por meio de investimentos em infra-estruturas rurais, sistemas de irrigação, transportes, organização dos mercados, formação e difusão de técnicas agrícolas apropriadas, isto é, capazes de utilizar o melhor possível os recursos humanos, naturais e socioeconómicos mais acessíveis a nível local, para garantir a sua manutenção a longo prazo”.
Direito ao alimento e á agua.
Finalmente o Papa acrescenta: “Os direitos à alimentação e à água revestem um papel importante para a consecução de outros direitos, a começar pelo direito primário à vida. Por isso, é necessária a maturação duma consciência solidária que considere a alimentação e o acesso à água como direitos universais de todos os seres humanos, sem distinções nem discriminações. Além disso, é importante pôr em evidência que o caminho da solidariedade com o desenvolvimento dos países pobres pode constituir um projecto de solução para a presente crise global, como homens políticos e responsáveis de instituições internacionais têm intuído nos últimos tempos. Sustentando, através de planos de financiamento inspirados pela solidariedade, os países economicamente pobres, para que provejam eles mesmos à satisfação das solicitações de bens de consumo e de desenvolvimento dos próprios cidadãos, é possível não apenas gerar verdadeiro crescimento económico mas também concorrer para sustentar as capacidades produtivas dos países ricos que correm o risco de ficar comprometidas pela crise.
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