“se eles possuíram luz suficiente para poder perscrutar a ordem do mundo, como não encontraram eles mais facilmente aquele que é seu Senhor?”
Sabedoria 13,9
Em todo ser humano palpita o desejo do infinito. Em alguns a pulsação é forte, em outros quase letárgica, mas não há exceção, somos movidos pela expectativa de algo que vai além de nós mesmos, das nossas experiências sensoriais. Nunca houve, e parece-me que jamais haverá, consenso sobre o que exatamente é ou do que consiste este “infinito”. No entanto, o objeto desta busca interminável costuma ser chamado sempre da mesma forma: verdade. A Verdade é o núcleo da fé. Na física a verdade é uma meta a se buscar sempre, embora inalcançável. Analisando com cuidado os dois casos é possível concluir que a verdade procurada pelos físicos é a mesma Verdade proclamada pela fé.
A questão da existência e significado da verdade aparece na física quando nos questionamos sobre a realidade de um modelo físico. São modelos físicos para a órbita dos planetas, por exemplo, os epiciclos de Ptolomeu (séc. II) ou as órbitas elípticas de Kepler (séc XVII). Os dois modelos tentam explicar a posição dos planetas no céu ao longo do tempo, mas se baseiam em trajetórias diferentes para os astros. Apesar de partirem de pressupostos completamente diferentes, no primeiro a Terra é o centro das órbitas enquanto no segundo o centro é o Sol, em muitos casos ambos preveem os mesmos resultados observacionais, muito embora Kepler sempre tenha resultados melhores. Sabemos, no entanto, que Kepler não deu a resposta final, pois três séculos mais tarde Einstein publicou a Teoria da Relatividade Geral e nos apresentou uma nova visão de como são os movimentos planetários em sua realidade íntima. O conhecimento evoluiu e nos foi dada uma visão melhor de como é a natureza. E ninguém deve ter receio de afirmar que a resposta de Einstein ainda não é a definitiva! A história da ciência nos ensina isso. Só sabemos que é a melhor hoje, nada podemos afirmar sobre amanhã.
Assim como a evolução da nossa compreensão das órbitas planetárias, há muitos outros casos na física. A estrutura da matéria, dos átomos, a natureza da energia e do calor, a própria interpretação dos postulados quânticos, etc. Em todas estas áreas podemos notar nitidamente um avanço nas teorias bem como um convencimento próprio da nossa capacidade de entender o mundo, a natureza. Os físicos constroem teorias que tentam não só prever como a natureza se comporta, mas que em sua essência mais íntima descreva a própria realidade da natureza. A esta realidade própria, chamemos de “verdade”. É um conceito abstrato, do qual nunca teremos conhecimento pleno visto que nossas teorias estão em constante aprimoramento. É um erro dizer que as teorias físicas são só modelos matemáticos para os resultados experimentais. São muito mais que isso. São tentativas humanas de se aproximar desta realidade última da natureza. Para os ateus esta “verdade” buscada na física é um mistério, que não tem sentido em si mesmo. Existe simplesmente por existir. Para os que creem em Deus, entretanto, especialmente para os que compartilham da visão cristã de criação, o nosso percurso em direção ao conhecimento da realidade última da natureza é um caminhar em direção ao Deus criador.
A teologia cristã é bem clara, a Verdade é o próprio Deus uno e trino que, por um ato infinito de amor de Deus Pai nos criou livres, nos redimiu em seu Filho e nos chama a participar deste mistério por meio de seu Espírito de Verdade. A visão cristã da criação, portanto, plenamente justifica esse ímpeto humano de buscar o infinito, de lançar seus mais profundos esforços em busca desta Verdade “inalcançável”. A grande nova da mensagem são as aspas na palavra inalcançável, pois pela fé somos capazes de alcançar esta Verdade. Ao meu ver a física, e toda ciência de modo geral, é um meio excepcional para esta busca. Não se opõe a ela, antes a completa, a torna mais fácil, como ensinou o papa João Paulo II em sua Carta Encíclica Fides et Ratio: “A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”. Iluminados pela fé podemos finalmente dizer que também na física Verdade se escreve com “V” maiúsculo.
Alexandre Zabot
Físico, mestre e doutorando em Astrofísica
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