domingo, 10 de outubro de 2010

A História secreta da Igreja: Vaticano, uma biografia não autorizada.

Por: Leandro Martins de Jesus1
No presente artigo nos propomos a refutar e esclarecer pontos obscuros
apresentados de forma leviana e inescrupulosa, pela Revista Superinteressante
Ed. 239 – Maio/2007, na reportagem de capa “A história secreta da Igreja:
Vaticano, uma biografia não autorizada” (p.59-67).
1. O primado de Pedro.
“Está ai em resumo, a tese do “Primado de Roma”, segundo a qual os bispos romanos são
representantes legítimos de Jesus. Mas os fatos que sustentam esse dogma nunca foram unanimidade.
Não há provas da passagem de Pedro por Roma. A Bíblia não diz nada a respeito – lendas sobre sua
viagem e martírio foram coletadas por um propagandista da Igreja, Eusébio de Casaréia”
(Superinteressante Ed. 239/2007. p,60)
A matéria da revista Superinteressante apresenta uma “síntese” muito mal
feita sobre o Primado de Pedro, com o fim último de desacreditá-lo, como no
trecho supra citado.
É reconhecido pelos cristãos, desde a primeira hora da Igreja, o Primado
de Pedro, observamos na Sagrada Escritura que André, irmão de Pedro, o leva à
Jesus e este ao fixar-lhe o olhar muda-lhe o nome de Pedro para Kephas (quer
dizer Pedra em aramaico), dando-lhe assim sua futura missão, conforme o
costume judaico dos nomes que designam uma missão2.
“Levou-o a Jesus, e Jesus, fixando nele o olhar, disse: Tu és Simão, filho de João; serás chamado
Kephas”. (cf. Jo 1,42)
Neste primeiro encontro de Pedro com Jesus, ele ainda não compreendeu
por que seria chamado Kephas, noutro momento, após Pedro exprimir sua fé e
revelar que Cristo é o Filho de Deus vivo (cf. Mt 16,15-16), Jesus então faz a
solene declaração: “E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as
portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares
na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (cf. Mt 16,18-19).
Após sua morte e ressurreição, aparecendo a Pedro, Jesus confirma-lhe a
missão de apascentar as ovelhas: “Tendo eles comido, Jesus perguntou a Simão Pedro: Simão,
filho de João, amas-me mais do que estes? Respondeu ele: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe
Jesus: Apascenta os meus cordeiros. Perguntou-lhe outra vez: Simão, filho de João, amas-me? Respondeulhe:
Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta os meus cordeiros. Perguntou-lhe pela
1 Pedagogo/UESB, 3º ano do Curso de Teologia para Leigos (Vicariato S.João) e Cursista de História da
Igreja pela Escola Mater Ecclesiae (RJ).E-mail:lmartinsj@yahoo.com.br
2 “Na Bíblia, quando Deus muda o nome de alguém, é porque está dando a essa pessoa uma missão. Para
o judeu o nome da pessoa tinha algo a ver com a sua identidade e missão. Assim, por exemplo o Anjo
disse a José: "Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus [= Deus salva], porque ele salvará o
seu povo de seus pecados" (Mt 1,21). Veja que o nome dado ao Messias de Deus é Jesus, designando a
sua identidade divina e a sua missão salvífica (Deus salva = Jesus).Um exemplo marcante de mudança de
nome foi o que ocorreu com Abraão. Ele se chamava Abrão, que quer dizer "pai elevado" e Deus muda
seu nome para Abraão, que significa "pai de uma multidão", porque Deus o escolhera para a grandiosa
tarefa de pai do seu Povo.”(cf. Gen 17,18) (cf. AQUINO,Felipe. A Minha Igreja. Lorena-SP:
Cléofas,2000).
terceira vez: Simão, filho de João, amas-me? Pedro entristeceu-se porque lhe perguntou pela terceira vez:
Amas-me?, e respondeu-lhe: Senhor, sabes tudo, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta as
minhas ovelhas.” (cf. Jo 21,15-17)
Os Padres da Igreja vêem nesta tríplice confirmação de Pedro como que o
apagar da tríplice negação do apóstolo, em que chorara amargamente (cf. Mt
26,69-75).
Não obstante à prova teológica haurida da sadia exegese bíblica
apresentada acima, ainda temos o testemunho das primeiras gerações cristãs,
dos quais apresentaremos alguns, à guisa de informação.
Santo Irineu de Lyão († 200) em sua obra Adversus Haereses (Contra os
Hereges) nos traz a lista dos doze primeiros Papas da Igreja, à partir de Pedro:
“Depois de ter fundado e edificado a Igreja, os bem-aventurados apóstolos transmitiram a Lino o cargo do
episcopado... Anacleto o sucedeu. Depois, em terceiro lugar a partir dos apóstolos, é a Clemente que cabe o
episcopado. Ele tinha visto os próprios apóstolos, estivera em relação com eles; sua pregação ressoava-lhe
aos ouvidos; sua tradição estava presente ainda aos seus olhos. Aliás ele não estava só, havia em sua época
muitos homens instruídos pelos apóstolos... A Clemente sucede Evaristo; a Evaristo, Alexandre; em
seguida... Sixto, depois Telésforo, também glorioso por seu martírio; depois Higino, Pio, Aníceto, Sotero...
Eleutério em 12º lugar a partir dos Apóstolos.. É nesta ordem e sucessão que a tradição dada à Igreja
desde os apóstolos, e a pregação da verdade, chegaram até nós. E está aí uma prova muito completa de que
é única e sempre a mesma, a fé vivificadora que, na Igreja desde os Apóstolos, se conservou até o dia de
hoje e foi transmitida na verdade´ (Adversus Haereses III, 2,2).
São Cipriano († 258), o Bispo de Catargo e mártir, em sua obra Catholicae
Ecclesiae Unitate (Unidade da Igreja Católica), que data do ano de 251, afirma:
“Quem presta atenção a estes ensinamentos não precisa de longo estudo, nem de muitas demonstrações. A
prova da nossa fé é fácil e compendiosa. Assim fala o Senhor a Pedro: "Eu te digo que tu és Pedro e sobre
esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas dos infernos não a vencerão. Dar-te-ei as chaves do Reino
dos céus e tudo o que ligares na terra será ligado também nos céus, e tudo o que desligares na terra será
desligado também nos céus" (Mt 16,18-19).Sobre um só edificou a sua Igreja.(...) É verdade que os demais
Apóstolos eram o mesmo que Pedro, tendo recebido igual parte de honra e de poder, mas a primeira
urdidura começa pela unidade a fim de que a Igreja de Cristo aparecesse uma só.É verdade que os demais
[Apóstolos] eram o mesmo que Pedro, mas o primado é conferido a Pedro para que fosse evidente que há
uma só Igreja e uma só cátedra. Todos são pastores, mas é anunciado um só rebanho, que deve ser
apascentado por todos os Apóstolos em unânime harmonia.Aquele que não guarda esta unidade,
proclamada também por Paulo, poderá pensar que ainda guarda a fé? Aquele que abandona a cátedra de
Pedro, sobre o qual foi fundada a Igreja, poderá confiar que ainda está na Igreja? (Catholicae Ecclesiae
Unitate IV,1-3.4.9.10)”
São João Crisóstomo († 407), bispo de Constantinopla também afirma:
“Pedro, na verdade, ficou para nós como a pedra sólida sobre a qual se apóia a fé e sobre a qual está
edificada a Igreja. Tendo confessado ser Cristo o Filho de Deus vivo, foi - lhe dado ouvir: “Sobre esta
pedra - a da sólida fé - edificarei a minha Igreja”(Mt 16,18). Tornou-se enfim Pedro o alicerce
firmíssimo e fundamento da Casa de Deus, quando, após negar a Cristo e cair em si, foi buscado pelo
Senhor e por ele honrado com as palavras: “apascenta as minhas ovelhas”(Jo 21,15s). Dizendo isto, o
Senhor nos estimulou à conversão, e também a que de novo se edificasse solidamente sobre Pedro aquela
fé, a de que ninguém perde a vida e a salvação, neste mundo, quando faz penitência sincera e se corrige
de seus pecados”. (Haer. 59,c,8 apud AQUINO, Felipe. Escola da Fé I – A Sagrada Tradição.
Lorena – SP: Cléofas, 2000,p.42.)
Santo Agostinho († 430), Bispo de Hipona, escreveu: “Consideradas as suas
propriedades naturais, era por natureza um homem, por graça um cristão; por graça mais abundante,
um apóstolo, o primeiro dos apóstolos. Mas Cristo disse a Pedro: Eu te darei as chaves do Reino dos
céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos
céus” (cf. Mt 16,19). Em virtude dessas palavras, Pedro passou a representar a Igreja universal, que
neste mundo é sacudida por toda espécie de provações (...). Contudo, não desaba, por que está alicerçada
sobre a pedra de onde Pedro recebeu o nome. (Santo Agostinho apud AQUINO, Felipe. Alimento
Sólido. Cachoeira Paulista – SP: Canção Nova, 2005,p.108.)
Para encerrar este primeiro ponto da nossa análise sobre o artigo em
questão, cito as palavras do historiador francês Daniel – Rops: “Parece, portanto,
estabelecido, que desde os primeiros tempos, ou quando muito à partir do século II, a Igreja inteira
reconhece a Roma um primado tanto de doutrina como de supervisão” ( cf. ROPS, Daniel. A Igreja dos
Apóstolos e dos Mártires, v. I, Quadrante, 1988,p.238)
2. Pedro em Roma.
“Não há provas da passagem de Pedro por Roma” (Superinteressante Ed. 239/2007. p,60)
A leviana afirmação da matéria “in lide” é completamente descabida,
como se depreenderá das provas cabais apresentadas abaixo.
Logo de inicio citemos Laurentin, exegeta, teólogo e historiador: “O que
está bastante documentado e testemunhado é que Pedro acaba sua existência em Roma pelo martírio”
(cf. LAURENTIN, René. Pedro o primeiro Papa: traços marcantes de sua personalidade. São Paulo:
Paulinas, 2003, p.163)
Seria o sensacionalismo da revista Superinteressante verossímil ao
afirmar que “a Bíblia nada diz a respeito” da passagem de Pedro por Roma? A
própria Sagrada Escritura responde à questão, na primeira carta de Pedro (cf.
I Ped 5,13), o apóstolo está na “Babilônia”, nome este simbólico que designa
Roma, a capital corrompida.
“A Igreja escolhida da Babilônia saúda-vos...” (cf. I Ped 5,13).
No livro do Apocalipse de São João, nos versículos 14,8; 16;19; 17,5 e
18,2 aparece a alusão a Babilônia, que na realidade tratava-se da Roma pagã,
capital da idolatria e reino dos inimigos de Deus.
“Discute-se se Pedro fez uma ou duas entradas em Roma: a mais certa é a de 63-64. Eusébio e
São Jerônimo dão sua morte no ano 67, mas Eusébio a coloca na época da perseguição de Nero, não sem
incoerência” (cf. LAURENTIN, René. Pedro o primeiro Papa: traços marcantes de sua personalidade.
São Paulo: Paulinas, 2003, p.163, nota 1.)
Ademais, o testemunho dos primeiros cristãos também confirmam a
passagem de Pedro em Roma. São Clemente de Roma, por volta do ano 96
refere-se a Pedro como mártir em Roma: “Pedro, que por ciúme injusto não suportou
apenas uma ou duas, mas numerosas provas e, depois de assim render testemunho, chegou ao merecido
lugar da glória” (Clemente aos Romanos V,4)
S.Inácio de Antioquia no final do século I escreve em sua carta aos
romanos: “Eu não tenho ordens a lhes dar como Pedro e Paulo”, comenta o teólogo D.
Estevão Bettencourt, OSB: “visto que não existe carta de Pedro aos romanos, admite-se o
relacionamento oral de Pedro com a comunidade” (cf. BETTENCOURT,Estevão.Curso de História da
Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae. p,5)
Em fim, “É certo, porém, que S. Pedro pregou em Roma, exercendo a plenitude dos poderes
apostólicos, e ali sofreu o martírio, provavelmente crucificado de cabeça para baixo no ano 67” (cf.
BETTENCOURT,Estevão.Curso de História da Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae. p,5).
3. O túmulo de São Pedro
“Na década de 1930, por exemplo, escavações financiadas pelo Vaticano encontraram um antigo
túmulo sob o altar da na Basílica de São Pedro - que, de acordo com a tradição, foi erguida sobre a
sepultura do apóstolo. Junto aos ossos os arqueólogos acharam símbolos cristãos, como peixes e cruzes. A
descoberta não convenceu todos os especialistas. “Havia cemitérios no vaticano muito antes de Cristo. O
tumulo na basílica talvez nem seja cristã – os romanos pagãos costumavam usar símbolos de todas as
religiões”, diz o historiador André Chevitarese, da UFRJ, um dos maiores especialistas brasileiros no
assunto.” (Superinteressante Ed. 239/2007. p, 60)
A afirmação de que o túmulo encontrado no Vaticano não é de São Pedro e
talvez nem seja cristão é totalmente gratuita e ilógica. Os melhores especialistas
não têm duvidas sobre o achado, e a Igreja após criterioso estudo afirmou sem
dúvidas em 1950: “Sim, o túmulo do príncipe dos Apóstolos foi encontrado” (cf. Pio XII, radio –
mensagem de Natal em 23/12/1950 apud LAURENTIN, René. Pedro o primeiro Papa: traços marcantes
de sua personalidade. São Paulo:Paulinas,2003.p,180.)
Outras importantes informações nos são prestadas por Larentin: “Foi
Agripina mãe de Calígula, que criou os grandes jardins chamados de Horti Neroniani, entre a atual colina
vaticana e o janículo (...) Foi lá que Pedro sofreu o martírio durante a perseguição de 64-6. Ele foi
sepultado na necrópole que surgia das colunas do Vaticano, segundo as normas do direito funerário
romano. Desde o ano 150 depois de Jesus Cristo, um pequeno monumento funerário, chamado troféu foi
erguido neste lugar, sob um muro de reboco vermelho. No século IV o imperador Constantino edificou a
basílica sobre o túmulo. Ele estabeleceu que o nível do chão da basílica seria o mesmo daquele do troféu de
Gaio. Para isto, uma parte das colinas foram niveladas e foi demolido aquilo que emergia dos mausoléus
da necrópole, alinhados ao longo das colinas, por que era mais alto que o nível dos pavimentos da basílica.
O resto foi aterrado. A basílica de Constantino foi demolida a partir de 1502. Júlio II decretou a
construção da nova basílica no estilo Renascentista, mas ele respeitou o túmulo do Apóstolo transformado
em centro de fé. Escavações foram organizadas por Pio XII, sob o pavimento das grutas vaticanas” (cf.
LAURENTIN, René. Pedro o primeiro Papa: traços marcantes de sua personalidade. São
Paulo:Paulinas,2003.p,178-79.)
Também o historiador Daniel – Rops não deixa dúvidas: “As pesquisas
arqueológicas realizadas na basílica vaticana entre 1939-50 e 1953-57 indicam que São Pedro foi
enterrado no lugar onde hoje se encontra o altar. Numerosos graffiti, um deles com o nome do Apóstolo,
outras inscrições tumulares e um altar do século II confirmam essa hipótese” (cf. ROPS, Daniel. A
Igreja dos Apóstolos e dos Mártires, v. I, Quadrante, 1988. p101, citação 26)
Obs: Recentemente confirmando a Tradição da Igreja também foi
encontrado o Túmulo de São Paulo em Roma: “O arqueólogo italiano Giorgio Filippi
afirmou que a descoberta do sarcófago é "uma imponente documentação histórico-arqueológica". Assim
como o cardeal -- (Em entrevista coletiva no Vaticano, o cardeal Andrea Cordero Montezemolo,
responsável pela Basílica de São Paulo, reiterou que o sepulcro é considerado, há 20 séculos, "sem sombra
de dúvida", como pertencente ao apóstolo São Paulo.), -- ele reiterou a certeza sobre a identidade do
túmulo.”(...) "Do ponto de vista histórico e arqueológico, temos certeza que, em 18 de novembro do ano
390, o sarcófago foi indicado ao mundo dos fiéis como o túmulo de São Paulo", acrescentou o
arqueólogo.”(cf.FOLHA ON LINE. Sarcófago de São Paulo poderá ser visitado em Roma in:
acessado em 01/06/2007[adaptado])
4. Liderança de Pedro e Hierarquia da Igreja
“Como a maioria de seus companheiros, Chevitarese também duvida que Pedro fosse um líder
absoluto.“O cristianismo antigo não tinha hierarquia rígida. Havia bispos independentes, com opiniões
diversas sobre doutrina e fé”. Essa fase “democrática” chegou ao fim em 312, quando o imperador
Constantino se converteu – e a religião perseguida passou a ser a favorita do Estado. Foi a partir daí que a
Igreja se tornou hierárquica.” (Superinteressante Ed. 239/2007. p, 60)
A questão da liderança de Pedro está intimamente ligada ao Primado, que
já foi exposto no item 1 deste artigo, porém, bem observa o teólogo beneditino
D.Estevão Bettencourt,OSB: “Não se pode esperar encontrar nos primeiros séculos um exercício
do Papado (ou das faculdades entregues por Jesus a Pedro e seus sucessores) tão nítido quanto nos séculos
posteriores. As dificuldades de comunicação e transporte explicam que as expressões da função papal
tenham sido menos freqüentes do que em épocas mais tardias. Como quer que seja, podemos tecer a
história do exercício dessa funções nos seguintes termos: A Sé de Roma sempre teve consciência de que lhe
tocava, em relação ao conjunto da Igreja, uma tarefa de solicitude, com o direito de intervir onde fosse
necessário, para salvaguardar a fé e orientar a disciplina das comunidades. Tratava-se de ajuda, mas
também, eventualmente, de intervenção jurídica, necessárias para manter a unidade da Igreja. O
fundamento dessa função eram os textos do Evangelho que privilegiam Pedro – (cf. Mt 16,16-19; Lc
22,31s; Jô 21,15-17) – como também o fato de que Pedro e Paulo haviam consagrado a Sé de Roma com o
seu martírio, conferindo a esta uma autoridade singular”(cf. BETTENCOURT, Estevão. Pergunte e
Responderemos. Rio de Janeiro. Lúmen Christi, nº 525/2006,p.110-111)
Quanto á hierarquia da Igreja, observa-se um gradual desenvolvimento
desde o tempo dos apóstolos, assegurado pela Sucessão Apostólica.
A Igreja Católica era composta de comunidades (p.ex: igreja em Corinto,
igreja em Antioquia, igreja em Esmirna, etc) que possuíam uma certa
independência devido à dificuldade de comunicação e a localização, mas
jamais se perdia a unidade doutrinal e jurídica, como se pode observar nas
palavras do historiador francês Daniel – Rops: “Seja qual for o aspecto sob o qual
consideremos o cristianismo primitivo, o que sempre nos impressiona é o seu caráter coletivo e social; nele
o homem nunca se encontra só, pois faz parte de um grupo e é um elemento dentro da unidade (...) Em
toda parte onde há cristãos, há uma comunidade, uma Igreja. Em princípio, existe uma em cada “cidade”,
isto é, em cada centro administrativo de que depende uma região. No interior de cada cidade há uma única
igreja, ao contrário das sinagogas, que podiam ser numerosas e diferentes (...) Os cristãos dispersos pela
região estavam ligados à igreja da cidade, o que explica que Santo Inácio de Antioquia se diga muitas
vezes bispo de Antioquia e outras bispo da Síria. Cada igreja, em princípio, está organizada de forma que
possa viver de maneira independente, o que é indispensável numa época em que uma comunidade pode ser
assolada pela perseguição e ficar isolada das outras. Cada uma tem a sua cabeça, o seu clero, os seus
membros, a sua organização econômica, as suas obras sociais até, em grande medida, os seus costumes e a
sua liturgia próprios. Mas esta autonomia tem ao seu lado um elemento que a equilibra e lhe dá o seu
verdadeiro sentido: acima das igrejas, há a Igreja (...)A Igreja para eles é una (...) São numerosos os textos
dos primeiros tempos que afirmam isso (...) a Didaquê evoca “esta Igreja reunida dos quatro cantos da
terra” (...) Santo Inácio de Antioquia escreve:”Onde deve estar a coletividade, onde está Jesus Cristo, lá
esta a Igreja católica”( ROPS, Daniel. A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires, v. I, Quadrante, 1988. p.226-28)
Com o passar do tempo e o desenvolvimento da Igreja, a sua organização
tende a aumentar: “Como sociedade humana, a Igreja, desde que nasceu, teve necessidade de uma
organização. Como nos lembramos, o próprio Jesus lançou as bases da administração ao instituir, primeiro
os Doze, e depois os Setenta. Há provas da existência de quadros eclesiásticos desde os tempos cristãos
mais antigos. No capítulo 11 dos Atos, faz-se referencia aos “anciãos” ou “presbíteros”, e no 20 aos
“vigilantes”, “epíscopos” ou “bispos”. Ao longo dos primeiros cem anos, as instituições vão se precisando
e unificando, até que começa a apresentar características bem definidas a partir de 150. O princípio basilar
é a autoridade (...) São Clemente Romano propõe aos cristãos o exemplo do exército, com seus métodos e a
sua disciplina, ou ainda o do corpo humano, em que a função de cada membro se subordina à utilidade
coletiva (...)O clero será, pois, composto pelos fiéis mais sábios e mais santos; mas acima de todos eles, o
bispo representará a Deus e será o seu “sinal visível”; as hierarquias da terra são, de algum modo, imagem
das hierarquia celestes. Tornamos a encontrar aqui o caráter teândrico [humano e divino] da Igreja, e a
organização que virá a se estabelecer definitivamente no século II pode muito bem ser a síntese dessas
duas aspirações” (ROPS, Daniel. A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires, v. I, Quadrante, 1988.p,.229-30)
Também o historiador Matos, traça um panorama interessante da
organização inicial da Igreja, nos seguintes temos: “Nos séculos II e III se espalhou em
todo lugar o modelo de organização que é atestado desde as cartas de Inácio de Antioquia (mártir em 110
ou pouco depois) e que é uma síntese das experiências do século I. Cada cidade só deve ter um bispo, que
coordena toda a vida da Igreja e que preside à celebração de batismo e eucaristia (episcopado monárquico)
Ele é assistido por um conselho de presbíteros (presbitério) e por alguns diáconos(...). Durante o século III,
tanto na África como em Roma, desenvolve-se as que, mais tarde, serão chamadas ordens menores, ou
seja, ministérios subordinados aos bispos e diáconos: leitores, acólitos, exorcistas, etc. Uma carta do Papa
Cornélio (251) informa que em Roma, naquele momento, havia 46 presbíteros, 7 diáconos, 7 subdiáconos,
42 acólitos e outros 52 ministros (exorciastas, leitores e ostiários). Na mesma Roma (...) há uma certa
descentralização da ação pastoral, com a criação de igrejas titulares, confiadas a presbíteros. São um
embrião das futuras paróquias urbanas”(MATOS, Henrique Cristiano José. Introdução à História da
Igreja. V.1. Belo Horizonte - MG: O Lutador, 1997.p.77-78)
Diante do exposto, cai por terra a tese que a Igreja só constitui hierarquia
após 312, quando “Constantino se converteu”, o que aliás, é outra falácia, pois
Constantino só se batizou no leito de morte por volta do ano de 337. Em 313
Constantino instituiu o Edito de Milão, dando apenas liberdade de culto aos
cristãos, apenas em 380 com o Imperador Teodósio é que o cristianismo passa a
ser a “Religião oficial do Império Romano”.
5. Celibato.
“Doações feitas pelos imperadores a enriqueceram - a instituição do celibato foi feita nesta época,
para impedir que a fortuna evaporasse entre herdeiros” (Superinteressante Ed. 239/2007. p,60)
Eis mais uma afirmação gratuita, que não se fundamenta na verdade. O
celibato clerical não é dogma de fé, mas regra da Igreja, que se depreende da
Sagrada Escritura: “Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, há eunucos tornados
tais pelas mãos dos homens e há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos céus.
Quem puder compreender, compreenda.” (cf. Mt 19,12).
São Paulo que era celibatário (cf. I Cor 7,8) aponta como fundamento para
o celibato, o ocupar-se apenas com as coisas do Senhor, o que é impossível a
quem deve ocupar-se de uma família.
“Julgo, pois, em razão das dificuldades presentes, ser conveniente ao homem ficar assim como é.
Estás casado? Não procures desligar-te. Não estás casado? Não procures mulher. (...) Quisera ver-vos
livres de toda preocupação. O solteiro cuida das coisas que são do Senhor e procura agradar o Senhor. O
casado preocupa-se com as coisas do mundo, procurando agradar à sua esposa”. (cf. I Cor 7,26-27.32-33)
O celibato foi se desenvolvendo na Igreja, por iniciativa do próprio clero,
jamais como medida de “manutenção de patrimônio da Igreja” como afirmado
levianamente pela reportagem em foco.
“Muito antes da aspiração do monaquismo [relativo a monges], há ma Igreja homens e mulheres
que renunciam ao casamento para se entregarem a Deus” ((ROPS, Daniel. A Igreja dos Apóstolos e dos
Mártires, v. I, Quadrante, 1988.p,.223)
6. A Doação de Constantino e o Estado Pontifício.
“Na penumbra da sala, um homem escreve sua obra prima. Ele usa uma pena, tinta preta e folhas
de papiro ou pergaminho. Não há certeza quanto à data, algo em torno de 750. Um endereço provável é o
palácio de Latrão. O autor seria um certo Cristófurus, secretário do Papa Estêvão 2º. Certeza mesmo só
em relação à obra: é a Doação de Constantino, a fraude mais bem sucedida da história (...) O autor da
Doação de Constantino provavelmente pertencia a uma classe especial de clérigos eruditos: as equipes de
falsários que, entre os séculos 6 e 9, trabalhavam nos escritórios papais alterando e inventando
documentos para fortalecer a posição de bispos romanos” (Superinteressante Ed. 239/2007. p,60-63)
A Igreja não nega a falsidade da “Doação de Constantino” (Donatio
Constantini), que foi tido como autentico durante à Idade Média e muitas vezes
citado para explicar o poder temporal dos Papas. Porém nota-se claramente no
artigo da Superinteressante o sarcasmo baseado em suposições: “endereço
provável...”; “o autor seria...”; “certeza mesmo só em relação à obra”;
“provavelmente pertencia”. Comenta com bastante propriedade sobre o
assunto, o teólogo beneditino D. Estevão Bettencourt,OSB: “Ninguém entre os críticos
mais respeitáveis atribui a algum Papa a autoria da “Donatio” [doação] como se esta fosse uma tentativa
de legitimar o ilegal ou a ambição desonesta. Ao contrário, a “Donatio” é hoje enquadrada na categoria de
escritos que o Direito Romano (antes de Cristo) designava como falsa e assim eram definidos (no
singular): “Falsum est veritatis immutatio”. “A falsidade é a alteração da verdade”. Pode-se crer que em
épocas passadas não era raro o costume de falsificar documentos com a finalidade de incutir determinadas
idéias. Assim fez a literatura apócrifa dos gnósticos (...) Assim fez o desconhecido autor da “ Donatio”.
Principalmente nos séculos XI e XII tal gênero literário foi cultivado, produzindo espúrios atos do
Papado: deposição de clérigos, excomunhões, encarceramentos,...Na falta de agudo senso crítico, esses
documentos encontravam boa aceitação. Tal terá sido o caso da “Donatio .Constantini” (cf.
BETTENCOURT, Estevão. Pergunte e Responderemos. Rio de Janeiro. Lúmen Christi, nº
534/2006,p.560-61)
No que se refere à fundação do Estado Pontifício, em 476 o Império
Romano cai aos pés dos bárbaros Ostrogodos que tomaram a cidade de Roma.
Os Bizantinos reconhecem o domínio Ostrogodo. Em 553 os Bizantinos fazem
da província itálica uma província do Império Bizantino, com seu governador
(exarca) em Ravena. Em 568 os Lombardos invadem o norte da Itália, não
atacando Ravena. O Império Bizantino não agradava a população do centro e
sul da península, com impostos e falta de proteção. O papado ia aumentado o
seu prestígio moral e político, defendendo as populações carentes. A estima
devotada ao Papa fazia que muitos nobres ao morrerem ou entrarem para um
monastério deixassem seus bens e territórios ao Papa, dessa forma foi-se
organizando o “Patrimônio de São Pedro,” que possuía terras da Itália e ilhas
adjacentes.
Em 739 os Lombardos hostilizavam as populações itálicas e cercaram
Roma. O Papa Gregório III tentou resolver a situação recorrendo aos Francos
mas não conseguiu o apoio. O sucessor de Gregório III, o Papa Zacarias (740-52)
conseguiu paz com os Lombardos e um bom relacionamento com os Francos.
Em 747, Pepino tornou-se mordomo (os reis “reinavam” e os mordomos
governavam “sem coroa”) do Palácio Real dos Francos. Em 751 Pepino depôs o
último rei merovíngio, Childerico III. O Papa Zacarias aprovou o golpe de
Estado, que proporcionou o título de Rei a Pepino, que já o possuía de fato. Em
754 Estevão II (752-57) veio a Gália para ungir Pepino como Rei. O Rei
Lombardo Aistulfo (749-56) depois de ter tomado Ravena ameçava Roma. O
Papa Estevão II pediu auxílio aos Francos. Pepino em duas campanhas militares
(755 e 756) venceu Aistulfo e apesar dos protestos de Bizâncio, doou
solenemente por escrito ao Papa os territórios de Comacchio, o exarcado e a
Pentápole; o documento de doação (Donatio Pippini) foi colocado sobre o
túmulo de São Pedro. Funda-se o Estado Pontifício (756), independente de
Bizâncio, jurisdicionado pelo Papa e protegido pelos Francos. Segundo MATOS:
“A benção da Igreja retirou do golpe de Estado o seu caráter de ilegitimidade. Não estranhamos assim a
gratidão, por parte de Pepino, que teve oportunidade de demonstrá-la concretamente, quando o rei
Lomgobardo Astolfo, que sitiara Ravena, começou suas investidas também contra Roma. O Papa Estevão
II pediu exílio a Pepino. Duas vezes ele se deslocou com seu exército para a Itália, a fim de combater
Astolfo. Na segunda vez, em 756, obrigou a retirada e, para garantir melhor proteção ao Papa, ofereceu a
Igreja, além de Ravena, um grande número de lugares que, anexadas a Roma e ao antigo território
pontifício, formariam um verdadeiro país no centro da Itália. Foi a famosa Donatio Pippini – a doação de
Pepino – que deu origem ao Estado Pontifício. Os protestos do Imperador bizantino, a quem pertencia
Ravena, não foram respondidos. Um documento falsificado serviu como prova de que Pepino não fazia
outra coisa senão devolver ao Papa uma antiga doação feita por Constantino. O pontífice ofereceu ao Rei a
dignidade de Patrício dos Romanos. Pouco faltava para ser substituído pelo título de Imperador, o que se
realizou efetivamente, com a figura de Carlos Magno (cf. MATOS, H. Cristiano. Introdução à História da
Igreja. 5ª ed. Belo Horizonte: O Lutador,1997.p,193-195).
7. Gregório 7º (Donos do mundo).
“Na época, a segurança do Estado Pontifício era mantida por tropas do Sacro Império Romano –
fundado pr Carlos Magno, filho de Pepino. Em troca da proteção, os imperadores exerciam uma pesada
influencia sobre a Igreja. Na prática o líder da cristandade era um pau – mandado. Em 1073, surgiu um
papa disposto a virar o jogo. (...) Gregório 7º tinha um temperamento tinhoso que lhe rendeu o apelido de
Santo Satanás (...) Em decreto famoso, determinou que os pontífices não só tinham o direito de legitimar
soberanos como também podiam depô-los. E declarou que o Papa não era só o líder da Igreja, mas “senhor
do mundo”. Isso enfureceu Henrique 4º, soberano do Sacro Império Romano. Sem pestanejar, Gregório o
excomungou (...) Com o implacável Gregório, o papado passou da defensiva para o ataque. Se antes
precisava de proteção, agora se impunha com ameaças de excomunhão (Superinteressante Ed. 239/2007.
p.63)
A matéria da Superinteressante faz uma análise inescrupulosa da figura de
São Gregório VII, chegando a denegrir sua imagem chamando-o de “santo
satanás”. Não se pode compreender o pontificado de Gregório VII (1073-1085)
sem levar em conta o contexto histórico em que se inseriu, com os graves
problemas das investiduras medievais, onde o poder temporal (secular)
interferia na vida da Igreja, onde o sistema feudal quebrava a unidade do reino
outrora estabelecida, criando incontáveis “mini-estados” tendo como resultado
a anarquia e guerras, assim, a Igreja iria sofrer as conseqüências da “aliança
com o Estado.”
“Cedo o mal da pulverização territorial começou a contaminar a própria Igreja. Seguindo o
exemplo de Carlos Magno, mas sem possuir a mesma consciência de vocação eclesial, os pequenos
senhores e os mini – estados se apoderaram da Instituição Eclesiástica. A Igreja de Estado unificada, sobre
direção do papa e imperador, despedaçou-se numa multiplicidade de igrejas territoriais. A autoridade do
pontífice Romano chegou a decair como nunca na história. A Sé de Pedro tornou-se objeto de ambição por
parte da nobreza romana. Reis e nobres tratavam de dioceses e mosteiros com se fossem suas propriedades,
confiando-os a representantes seus. O mal da investidura leiga tomou formas assustadoras. Seculares se
apoderaram de paróquias e atribuíam a si o direito de nomear o pároco.”(cf. MATOS, H. Cristiano.
Introdução à História da Igreja. 5ª ed. Belo Horizonte: O Lutador,1997.p,204-205)
Estes acontecimentos se sucedem no Século X, o famigerado “Século de
Ferro”, em meio a praga das investiduras medievais, “compreende-se que a escolha do
candidato às ordens sacras nem sempre obedecia a critérios religiosos, mas era afetada por interesses
políticos, financeiros, sociais...Donde resultavam dois males para a Igreja: a simonia ou a compra de
bispados por parte de interessados e o nicolaísmo ou a união conjugal de clérigos (que as leis da Igreja não
permitiam). (cf. BETTENCOURT, Estevão. Pergunte e Responderemos. Rio de Janeiro. Lúmen Christi,
nº533/2006,p.502-03)
É neste contexto que surge Gregório VIII, com a coragem de enfrentar o
Imperador da Alemanha e restabelecer a ordem moral da Igreja. Em 1074 num
Sínodo em Roma depôs todos os clérigos que haviam comprado seu cargo
(simonia), proibiu o exercício das funções aos clérigos de vida irregular. Em
1075 excomungou os clérigos e leigos que vendessem ou comprassem cargos ou
benefícios na Igreja. Essas medidas incomodaram a Henrique IV que queria
depor o Papa, por isso foi excomungado. Em suma, a atuação de Gregório VII e
suas sentenças promulgadas em 1075 “exprimem o pensamento de um ardoroso defensor da
Igreja de Cristo, que se valeu da linguagem do seu tempo, que não é a do século XXI. Contudo também em
nossos dias a fé católica afirma o primado de Pedro e seus sucessores no tocante à doutrina e disciplina da
Igreja” (cf. BETTENCOURT, Estevão. Pergunte e Responderemos. Rio de Janeiro. Lúmen Christi, nºPR
533/2006, p.507).
8. As Cruzadas.
“A maior prova de poder e ambição veio em 1095, quando Urbano 2º ordenou que os reis cristãos
marchassem contra o Oriente Médio para “libertar” Jerusalém, governada por muçulmanos desde o
século 7. Cerca de 25.000 peregrinos e guerreiros cristãos começaram a escrever uma das páginas mais
brutais da história: as Cruzadas” (Superinteressante Ed. 239/2007. p,63-64)
Como todos os outros pontos, as Cruzadas são apresentadas de forma
totalmente descontextualizada da história, a afirmação de “prova de poder e
ambição da Igreja” é mais uma falácia do artigo em foco. As Cruzadas foram
expedições empreendidas pelos Cristãos Ocidentais para libertar dos
muçulmanos os lugares santos de Jerusalém e reconquistar o Santo Sepulcro,
tendo início em fins do século XI (1095) e término em 1291 com a derrota para
os turcos, as Cruzadas foram desencadeadas pelo entusiasmo idealista de
cristãos medievais, contra a dominação islâmica.
“A fé e o amor dos cristãos, na Idade Média, recorreram às armas para se exprimir concretamente...
Hoje muitos cristãos hesitariam diante de tal expressão; seriam até propensos a condena-la. Atualmente os
homens têm meios de confrontar suas divergências mediante reuniões, assembléias, concordatas; por isto
rejeitam (ao menos em teoria...) as soluções violentas (na prática, porém, não faltam as guerras também
em nossos dias, suscitadas pelos mais diversos motivos). Contudo na Idade Média as distâncias
geográficas, culturais, filosóficas constituíam barreiras quase intransponíveis, que dificultavam aos
homens a aproximação física e a superação de suas divergências; julgavam em muitos casos ter que
recorrer às armas para preservar seus valores e garantir o bem comum. Assumir as armas em tais
circunstâncias era tido como louvável; fugir delas mereceria censura” (cf.
BETTENCOURT,Estevão.Curso de História da Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae. ,p.123)
As Cruzadas servem para observarmos a fé idealista dos medievais, bem,
como o apreço pelos ícones cristãos, tais como os lugares Santos de Jerusalém; a
Fé dinâmica que os levaram a realizar façanhas históricas! Em negativo
observa-se a falta de fé realista, e os abusos praticados durante o período de
Cruzadas, por conta dos maus elementos (joio) em meio à tropa. Tenha-se em
conta também, a ganância e a politicagem de vários monarcas da época.
9. Inquisição.
“Em 1209, convocou uma guerra santa contra a “seita maldita”: aldeias foram queimadas
multidões chacinadas. Para aniquilar o que sobrou do catarismo, Gregório 9º, sucessor de Inocêncio, criou
em 1233 a Santa Inquisição, tribunal de clérigos com o poder de acusar, julgar e condenar os inimigos da
Igreja. Com o tempo, o Santo Ofício se espalhou por outros países e passou a perseguir e queimar não só
cátaros, mas todos que discordassem dos dogmas católicos – judeus, cientistas, gays. As sociedades cristãs
se tornaram perseguidoras e teocráticas” (Superinteressante Ed. 239/2007. p.64)
Como não poderia deixar de ser, também a inquisição é apresentada pelo
artigo em foco, de forma totalmente tendenciosa, sem a criticidade devida a um
veículo de informação fidedigno. É de se notar que a Igreja nos dez primeiros
séculos só aplicava aos hereges penas espirituais (excomunhão, interdito,
penitência, jejum, etc). S. Agostinho e outros Padres ensinavam que os hereges
deveriam ser conquistados “não pelas armas, mas pelos argumentos”. Porém, a
partir dos séculos XI – XII, com o surgimento da heresia dos Cátaros e
valdenses, estes além dos erros teológicos e filosóficos causavam também
desordens e anarquia social, assim sendo, instigaram o povo e o poder civil
medieval a combatê-los violentamente, à revelia da Igreja... Com o passar do
tempo e o agravamento da heresia a Igreja foi levada “por pressão popular” e
do “poder civil” a combater mais veementemente os hereges. Instituíram-se os
Tribunais e Manuais inquisitoriais, cujos processos, após julgados eram
passados ao poder secular para a sentença. Note-se que na verdade dos fatos,
poucos processos proporcionalmente recebiam a pena capital, esta arbitrada
pelo poder secular segundo a mentalidade medieval vigente.3
O poder civil4 foi quem realmente instigou a pena capital (pena de morte)
na Inquisição, de acordo com a mentalidade e os anseios do povo medieval: “De
resto a Igreja foi levada a isto, deixando sua antiga posição, pela insistência que sobre ela exerceram não
somente monarcas hostis, como Henrique II, da Inglaterra e Frederico Barba – roxa da Alemanha, mas
também Reis piedosos e fiéis ao Papa como Luís VII da França.” (cf. BETTENCOURT,Estevão.Curso de
História da Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae. ,p.128).
3 De 1309 a 1323, em 636 processos inquisitoriais realizados em Toulouse -- principal centrou herético medieval -- só
em um deles se aplicou a tortura. Em um só. (Cfr. Rino Cammilieri , La Vera Storia dell´Inquisizione, Piemme,
Casale Monferrato, 2001, p.48 Apud FEDELI, Orlando in: Dúvidas preconceituosas sobre a Inquisição
(http://montfort.org.br/index.php?secao=cartas&subsecao=historia&artigo=20050821193706&lang=bra em 05/05/2007).
4 “O povo com a sua espontaneidade e a autoridade Civil, se encarregavam de os reprimir [os hereges cátaros] com
violência: não raro o poder régio da França, por iniciativa própria e a contra-gosto dos bispos, condenou a morte
pregadores albigenses, visto que solapavam os fundamentos da ordem constituída ” (cf. (cf.
BETTENCOURT,Estevão.Curso de História da Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae. p,126).
Diante do exposto, a Inquisição Medieval foi o reflexo da mentalidade do
povo medieval, na aplicação de Leis contra heresias que atacavam além da alma
das pessoas, as instituições visíveis e materiais da sociedade, assim com o
passar do tempo a Igreja foi “obrigada” a juntando-se ao poder civil (que
muitas vezes extrapolava seus direitos) combater os hereges. Notemos a
fraqueza humana de inquisitores e colaboradores atuando de forma arbitrária,
contrariando a suprema autoridade da Igreja (ajudado pela dificuldade de
comunicação da época); e a injustiça praticada por monarcas “donos” do poder
civil. Em síntese, os medievais agiram com boa fé de consciência defendendo o
valor da alma e dos bens espirituais, porém, às vezes essa boa fé foi suplantada
por interesses mesquinhos contrários às normas da Igreja.
10. Rodrigo Borgia (Alexandre 6º).
“A carreira eclesiástica virou ímã para oportunistas interessados na fortuna da Igreja. Exemplo
máximo foi Rodrigo Borgia (ou Alexandre 6º), eleito papa em 1492 graças à pesada propina distribuída a
eleitores” (Superinteressante Ed. 239/2007. p,64)
Rodrigo Borgia foi um espanhol de má fama e vida, realmente foi “eleito”
papa através de maquinações simoníacas e jogo de poder, fato tristemente
atestado pela História da Igreja, que está disponível para quem a queira
conhecer (ao contrário do que acusa a revista Superinteressante). Alexandre VI
(Rodrigo Borgia) se enquadra no quadro dos “Papas do Renascimento” que
infelizmente, prestigiavam os aspectos mais mundanos e renascentista em
detrimento do aspecto moral e eclesiástico, neste contexto, dedicavam-se às
artes assemelhando a corte papal a de soberanos seculares, negligenciando as
necessidades urgentes da Igreja, que necessitava de uma renovação disciplinar
urgente. Comentando sobre esse período de sombras da História da Igreja, nos
diz D. Estevão Bettencourt,OSB: “Em suma, não se pode justificar o procedimento desse Papa.
Ao examina-lo o estudioso toma consciência, mais uma vez, de que não são os homens que, em última
análise, governam a Igreja, mas é o próprio Deus. Alexandre VI não publicou uma só lei que deturpasse a
disciplina da Igreja, nenhuma definição que servisse para fundamentar as suas desordens morais. O ouro
de Deus na Igreja passa incontaminado aos homens, mesmo quando entregue por mãos sujas e indignas”
(cf. BETTENCOURT,Estevão.Curso de História da Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae.
p,148).
11. Julio 2º... indulgências... Reforma Protestante...
“Foi justamente a admirável extravagância de Júlio que detonou na pior crise na história da Igreja.
Em 1505, o papa começou a construção da Basílica de São Pedro, no Vaticano, que estava em ruínas. Para
financiar as obras, autorizou todas as igrejas da Europa a vender “indulgências” – documentos que
davam obsolvição total dos pecados em troca de dinheiro. Isso enfureceu o monge alemão Martinho
Lutero, que em 1517 publicou 95 teses denunciando a corrupção da Igreja. Começava a Reforma
Protestante.” (Superinteressante Ed. 239/2007. p,64-67)
Há patente deturpação histórica neste ponto do artigo em foco, pois a
Igreja nunca “vendeu indulgências” como citado acima, e a indulgência nunca
foi – nem é – “absolvição total dos pecados em troca de dinheiro”.
Em primeiro lugar, indulgência5 é a remissão da pena temporal devida
pelo pecado já perdoado (pela Confissão) quanto à culpa. A Igreja absolve o
pecador pelo Sacramento da Confissão, e lhe impõe uma satisfação adequada
pelo “resquício do pecado” (violação da ordem estabelecida pelo Criador), com
o passar dos séculos, a Igreja substituiu certas obras penitenciais (muito
penosas) por outras mais brandas, associadas aos méritos de Cristo, num gesto
de indulgência (obras indulgenciadas), tais como a oração do Terço, outras
orações, esmolas, etc.
Em segundo lugar, o que Júlio II fez em 1507 e Leão X em 1514 foi
promulgar indulgência plenária para qualquer cristão que “recebesse os
sacramentos e desse esmola” (cf. BETTENCOURT,Estevão.Curso de História da Igreja. Rio de
Janeiro: Mater Ecclesiae. p,151). O que ocorreu foi que o príncipe Alberto de
Brandenburgo, homem frívolo e mundano, se apossava das esmolas doadas,
destinando metade para pagar sua dívida com banqueiros e metade para a
construção da Basílica de São Pedro, Alberto fora nomeado Comissário da
Indulgência para grande parte da Alemanha.
O “pregador de indulgência” nomeado pelo príncipe Alberto de
Brandenburgo, o dominicano João Tetzel, que incorria em abusos na pregação
das indulgências, afirmando erroneamente e com má fé que “para adquirir a
indulgência para a alma dos defuntos, bastava a esmola sem o estado de graça do
doador” (cf. BETTENCOURT,Estevão.Curso de História da Igreja. Rio de Janeiro: Mater
Ecclesiae.p,151). Quando Tetzel pregava próximo à cidade de Wittenberg, Lutero
resolveu combate-lo através de uma disputa, pregando na porta da Igreja de
Wittenberg, uma lista com 95 “teses” em latim, sobre as indulgências e pontos
conexos, estava assim iniciada a revolta de Lutero que daria vazão
posteriormente à Reforma Protestante, movimento marcado por questões
políticas muito mais que teológicas....
12. Medo da Modernidade.
“Pensadores iluministas (...) defendiam que todos os homens nascem iguais e têm o direito de
escolher a própria religião”( Superinteressante Ed. 239/2007. p, 67)
Na realidade, a Igreja não tem “medo da modernidade”, simplesmente ela
não se abre a modismos, nem abre mão de sua bi-milenar Tradição. O quadro
histórico da Revolução Francesa delineava uma “religiosidade natural, filosófica,
incompatível com a fé cristã” (cf. BETTENCOURT, Estevão. Pergunte e Responderemos. Rio de Janeiro.
Lúmen Christi, nº 534/2006,p537)
No que se refere à modernidade, recorremos a mais um esclarecedor
comentário do teólogo beneditino D. Estevão Bettencourt,OSB: “A fé cristã aceita
tranqüilamente a evolução tecnológica, desde que não seja aplicada a deturpar ou destruir os valores do
5 “A indulgência é a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já
perdoados quanto à culpa, (remissão) que o fiel bem-disposto obtém, em condições determinadas,
pela intervenção da Igreja que, como dispensadora da redenção, distribui e aplica por sua
autoridade o tesouro das satisfações (isto é, dos méritos) de Cristo e dos santos.” “A indulgência é
parcial ou plenária, conforme liberar parcial totalmente da pena devida pelos pecados.” Todos os
fiéis podem adquirir indulgências (...) para si mesmos ou aplicá-las aos defuntos. (cf. Catecismo da
Igreja Católica § 1471)
Evangelho. Aceita, até proclama, a liberdade religiosa, que não significa a aprovação do indiferentismo ou
do ateísmo, mas quer dizer que todo homem tem a obrigação de examinar a questão religiosa (existe ou não
existe Deus? Se existe, onde pode ser encontrado?) sem ser constrangido a abraçar um determinado Credo
ou a professar a descrença: é a dignidade humana que o postula. Isto não relativiza a verdade que existe
uma única Religião revelada por Deus mediante Jesus Cristo, que vive na Igreja que Ele fundou e
entregou a Pedro e seus sucessores” (cf. BETTENCOURT, Estevão. Pergunte e Responderemos. Rio de
Janeiro. Lúmen Christi, nº 534/2006, p.543).
13. Pio 12 e o nazismo.
“Mesmo após o inicio da 2ª Guerra Mundial, Pio 12, um papa eloqüente (...) jamais denunciou os
crimes nazistas” (Superinteressante Ed. 239/2007. p, 67)
Mais uma grande ofensa à verdade, é afirmar que Pio XII e a Igreja não se
posicionaram contra o nazismo. É preciso compreender a complexidade que o
mundo passava naquele momento, e o que concretamente um simples discurso
ou encíclica papal teria de efeito sobre o nazismo.
“De fato, Pio XII temia que uma intervenção pública de sua parte desencadeasse represálias
maciças contra os cristãos (...) Ninguém pode julgar Pio XII. As responsabilidades que pesavam sobre
seus ombros eram esmagadoras, e é verdade que não havia uma boa solução” (cf. SUFFERT, Georges. Tu
és Pedro: A história dos 20 séculos da Igreja fundada por Jesus Cristo, Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
p,451-52)
Por outro lado, não se pode deixar de assinalar numerosos atos de Pio XII
e da Igreja, que culminaram com a salvação de inúmeros judeus: “O escritor norte
americano Ralph Mcinerny publicou declarações de judeus que louvam e agradecem o empenho de Pio XII
e da Igreja em favor dos judeus perseguidos” (cf. BETTENCOURT, Estevão. Pergunte e Responderemos.
Rio de Janeiro. Lúmen Christi, nº 521/2005,p.509)
“Só a Igreja Católica protestou contra o assalto hitlerista à liberdade” (Albert Einstein apud
BETTENCOURT, Estevão. Pergunte e Responderemos. Rio de Janeiro. Lúmen Christi,
nº521/2006,p.509)
“Rafaele Canoti do Comitê judaico de Bem – Estar Social da Itália afirmou: “A Igreja Católica e o
papado deram prova de que salvaram tantos judeus quantos puderam” (cf. BETTENCOURT, Estevão.
Pergunte e Responderemos. Rio de Janeiro. Lúmen Christi, nº521/2006,p.511).
14. Revisão do Primado de Roma... Futuro do papado...
“Paulo 6º permitiu-se dominar pela ala conservadora e barrou a mais importante de todas
propostas: uma revisão do “primado de Roma”, a tese que sustenta a autoridade suprema dos papas (...) A
luta pela alma da Igreja Católica continua (...) As perspectivas para uma futura reforma do papado são
nebulosas “ (Superinteressante Ed. 239/2007. p,67)
O Concílio Vaticano II abriu as portas da Igreja ao diálogo com o mundo
moderno, afirmar a tese que haveria uma revisão do Primado de Roma
(entenda-se Primado de Pedro) é um absurdo que vai contra toda a Tradição
Apostólica da Igreja... Quanto ao futuro do papado e da Igreja Católica, o
mesmo Senhor que a fundara há 2000 anos já estabelecera também que “portae
inferi non praevalebunt adversum eam” (cf. Mt 16,18)
Conclusão
Concluímos a análise dessa reportagem da revista Superinteressante,
observando que se trata de uma visão unilateral da história, amalgamada com
muitas inverdades e discrepâncias.
Uma visão crítica e sadia da história revela a fundamental importância da
Igreja Católica na para a humanidade, sem deixar de levar em conta suas “luzes
e suas sombras”. A verdadeira história “secreta” da Igreja, é aquela que é
negligenciada ao grande público, a Igreja que fundou as universidades, que
criou os hospitais, que manteve a cultura ocidental à salvo dos bárbaros, que
tem um trabalho social incalculável desde o século I, em fim, o Corpo Místico
de Cristo que se prolonga na história nos trazendo a salvação que é Jesus.
“A história da Igreja não pode ser equiparada à de outra sociedade. Com efeito
sabemos que a Igreja não é apenas a soma de seus membros, mas é o Corpo de Cristo
prolongado através dos séculos (I Cor 12,12-21; Cl 1,24); é a continuação do mistério da
Encarnação, pelo qual Deus quis revelar-se e também ocultar-se mediante nossa
fragilidade, a fim de comunicar sua santidade aos homens. Conseqüentemente na
história da Igreja vamos encontrar façanhas de enorme brilho (como a evangelização dos
bárbaros, a preservação e a transmissão da cultura antiga, os gestos dos mártires, dos
missionários, dos heróis da fé) como também nos defrontamos com momentos difíceis,
como foram os séculos X e XVI(...) Nos períodos mais dolorosos de sua história, a Igreja
encontrou o vigor da renovação em seu próprio bojo (...) foram os santos que, suscitados
oportunamente por Deus, restauraram o fulgor da Santa Mão Igreja”. (cf.
BETTENCOURT,Estevão.Curso de História da Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae.
p,i).
Itapetinga – Ba, 1º de junho de 2007.
Dia de São Justino (†165),mártir e apologeta.
In caritate Christi,
Leandro Martins de Jesus.

0 comentários:

Postar um comentário