segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A humanidade tem capitalismo no sangue

Veja

edição 1 681 . 27 de dezembro de 2000

Paul Johnson

erá que existem duas variedades diferentes de capitalismo, a versão americana, da livre empresa, e a versão européia, com intervenção do Estado? As nações em desenvolvimento, como o Brasil, devem estudar as duas alternativas possíveis e depois escolher a que lhes é mais adequada?




Ilustração: Evandro Luiz

Seria muito bom que houvesse escolhas assim tão simples no mundo! Mas a História e a experiência mostram que não há alternativas convenientes, não há caminhos fáceis para sair das dificuldades, nem atalhos. Há meio século, os filósofos defensores de um caminho intermediário vêm apregoando a noção atraente de que existe um sistema político-econômico que combina o poder criador de riqueza do capitalismo com o igualitarismo da propriedade e do controle coletivos. Às vezes, chamam-no de "economia mista". O nome atual é "terceira via", e a União Européia é citada como exemplo disso.

Mas, ao debater essa questão, é bom começar por deixar claro que o capitalismo, ao contrário do comunismo e do socialismo, não é, de forma alguma, um "ismo". É uma pena que se tenha cunhado a palavra "capitalismo", porque ela é enganadora.
O capitalismo não é um sistema sonhado por filósofos, políticos ou economistas e depois posto em prática por decisão de governos. Trata-se de um evento natural, uma peça orgânica no progresso humano. A História mostra que o capitalismo ocorre nas sociedades humanas quando elas atingem certo nível de progresso tecnológico e as pessoas com dinheiro percebem que podem lucrar ao se organizarem para investir.
O capitalismo acontece naturalmente, sem necessidade da ajuda dos governos. Pode-se dizer que ele é inevitável, a não ser que o governo tome determinadas medidas para impedi-lo. Ele ocorreu em larga escala, pela primeira vez, na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII, e foi possível porque a sociedade britânica era relativamente livre, com poucas leis que impedissem as mudanças econômicas e técnicas. O governo não teve praticamente nada a ver com ele. O fenômeno foi chamado de Revolução Industrial, mas esse nome supõe mudança dramática e violência. Não houve nada disso. Nem houve grandes planos, regras ou decisões grandiosas.
O capitalismo nasceu de decisões não coordenadas e meramente coincidentes de muitos milhares de pequenos fabricantes, comerciantes, artesãos, poupadores, investidores e instituições financeiras. Os grandes bancos não desempenharam papel algum, pois simplesmente não existiam naquela época. O único grande banco da Grã-Bretanha, o Banco da Inglaterra, não teve nada a ver com a Revolução Industrial, pelo menos em seus estágios iniciais. Não houve envolvimento de conglomerados ou firmas internacionais. A maioria das incontáveis pessoas envolvidas começou como mero trabalhador ou artesão e se tornou capitalista quase sem saber. Elas estavam fazendo apenas o que parecia lógico, lucrativo e óbvio naquela época. Trabalhavam por instinto natural, em vez de seguir um plano profundamente detalhado. O capitalismo deu certo porque combina com a índole da humanidade, transformando lentamente os métodos tradicionais e expandindo-se aos poucos.
Quando publicou, em 1776, A Riqueza das Nações – a bíblia do capitalismo –, Adam Smith não estava defendendo um sistema, um "ismo". Na verdade, ele jamais escreveu a palavra capitalismo, que não se usava na época. Estava meramente descrevendo o que havia acontecido e o que estava acontecendo. Ele deu as boas-vindas a muitos desses novos acontecimentos e mostrou por que eles aumentavam a riqueza nacional. Não defendeu que os governos deveriam instituir o capitalismo, mas apenas que deveriam remover leis antiquadas e tolas (como as que restringiam os movimentos dos trabalhadores), que impediam as pessoas empreendedoras de aproveitar ao máximo as oportunidades.
No mesmo ano de 1776, os pais da pátria dos Estados Unidos assinaram sua Declaração de Independência. O novo Estado que criaram, e confirmaram com uma Constituição elaborada na década de 1780, não estabelecia que a sociedade americana seria capitalista. Longe disso. Todos os grandes líderes dos primórdios da nação americana achavam que os EUA deveriam ser uma sociedade agrária ideal, dentro do que imaginavam ser o modelo da Roma antiga, cujos governantes naturais ou senadores seriam os proprietários de terras esclarecidos.
 
O vasto Estado industrial que se desenvolveu os teria deixado horrorizados. Com efeito, é impossível apontar qualquer ato do novo governo americano, naquela época e durante muitas décadas, que fomentasse diretamente o capitalismo. O que ele promovia era a liberdade econômica e política – e foi a liberdade que propiciou ao capitalismo na América um parto absolutamente natural.
Portanto, o capitalismo, então como hoje, tem a ver com liberdade e não com ações do governo. Este pode impedi-lo, se fizer um grande esforço – a União Soviética conseguiu essa façanha durante 75 anos –, mas a única maneira de promovê-lo com eficácia é não fazer nada, ou, antes, remover os obstáculos que impedem homens e mulheres de realizar coisas para eles mesmos.




Portanto, não existem muitas formas doutrinariamente distintas de capitalismo. Na verdade, há apenas uma, ou melhor, somente uma condição em que o capitalismo floresce: a liberdade do empreendimento humano. O capitalismo é versátil: se não sofrer impedimentos, é capaz de se adaptar a qualquer região do globo, a qualquer clima ou conjunto de circunstâncias. Ele se autocorrige: se ocorrem erros, ele os reconhece no decorrer do tempo e os evita, da mesma forma que uma planta abre caminho entre pedras e outros obstáculos naturais a seu crescimento.
Portanto, não há dois tipos de capitalismo, apenas versões mais fortes ou mais fracas. O capitalismo de Estado e a economia planificada foram tentados na URSS durante três quartos de século e depois abandonados devido a fracassos irremediáveis. Em conseqüência, o PIB atual da Rússia é menor que o da Holanda, país de território minúsculo se comparado com a vastidão russa.
As assim chamadas economias mistas, que supõem um grande setor público envolvido em indústria, distribuição de bens e finanças, foram tentadas em muitos países nos últimos cinqüenta anos e também fracassaram. A maioria das indústrias nacionalizadas funcionava no vermelho e tinha níveis baixos de produção ou prestação de serviços. A Grã-Bretanha iniciou um grande programa de desnacionalização na década de 80, com imensos benefícios para sua economia e para as finanças públicas. O thatcherismo foi imitado em mais de cinqüenta países, geralmente com sucesso comparável.
A última alternativa ao capitalismo livre é a versão européia. Não é fácil descrever as principais características dessa alternativa. Ela foi pensada como um sistema fundamentalmente de livre empresa – seu fundador, Jean Monnet, acreditava firmemente no capitalismo. A idéia era remover os obstáculos à competição e iniciar um processo de convergência das economias européias em torno de um único modelo hipereficiente. Mas, no processo, ela caiu nas mãos de burocratas, advogados e de políticos que trabalhavam junto com eles. Em conseqüência, a União Européia se tornou um sistema altamente inibidor, com incontáveis restrições legais ao livre jogo das forças econômicas que produzem riqueza.
Os resultados podem ser vistos nos números: taxas de crescimento lentas, apesar dos juros baixos que tendem a estimular a inflação; desemprego alto, com média de 10%, mas muito maior em alguns países como a Espanha; investimentos comparativamente baixos. É significativo que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha (que participa apenas pela metade da União Européia e está mais próxima do modelo americano) sejam agora os maiores captadores de investimento externo. Ou seja, os capitalistas de todo o mundo consideram esses dois países as regiões mais eficientes para aplicar seu dinheiro. A Grã-Bretanha recebe mais capital externo anualmente que todo o resto da União Européia em conjunto.
Os Estados Unidos, que fazem restrições mínimas às empresas, assemelham-se a uma economia de mercado clássica, comportando-se à perfeição. O desemprego praticamente não existe, a inflação é quase zero, os salários reais estão subindo lentamente, o crescimento é alto, a produtividade vem aumentando, o orçamento está equilibrado ou apresenta superávit e a dívida vem sendo paga com bastante rapidez. Se essa tendência continuar, é provável que os EUA paguem toda a sua dívida nacional até 2020. Desse modo, os americanos parecem se dirigir para um regime de alto crescimento e baixos impostos, com ampla distribuição da riqueza e elevação constante dos padrões de vida.
A versão européia compreende altos (relativamente) pagamentos e serviços de bem-estar social, mais poder para os sindicatos e mais oportunidades para o governo interferir quando surgem fraquezas na economia. Mas, contra esse pano de fundo, deve-se ver o flagelo do desemprego, a quase certeza de que muitos sistemas de previdência europeus irão à falência, à medida que a idade média da população aumenta e a falta de oportunidades para novos empreendimentos se acentua. Um indicador significativo é o declínio constante do dinamismo da economia alemã, outrora uma das mais bem-sucedidas do mundo.
É muito difícil ver na União Européia uma alternativa desejável ao capitalismo americano. Ela se parece mais com um capitalismo comum manietado por correntes burocráticas e legais e, portanto, funcionando mal. Não se trata de um modelo para os países em desenvolvimento.




 


Conclusão
Paul Johnson desencoraja os países em desenvolvimento a procurar imitar os modelos econômicos europeus. Segundo ele, os países da Europa continental estão sofrendo com sua indecisão em abraçar o capitalismo. Enquanto a Inglaterra atrai cada vez mais capital estrangeiro para financiar seu desenvolvimento, economias como a da França e da Alemanha vivem às voltas com problemas de desemprego e raquitismo, que as impedem de crescer num ritmo compatível com suas necessidades.

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