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Paul Johnson | ||
Ilustração: Evandro Luiz |
Seria muito bom que houvesse escolhas assim tão simples no mundo! Mas a História e a experiência mostram que não há alternativas convenientes, não há caminhos fáceis para sair das dificuldades, nem atalhos. Há meio século, os filósofos defensores de um caminho intermediário vêm apregoando a noção atraente de que existe um sistema político-econômico que combina o poder criador de riqueza do capitalismo com o igualitarismo da propriedade e do controle coletivos. Às vezes, chamam-no de "economia mista". O nome atual é "terceira via", e a União Européia é citada como exemplo disso.
Mas, ao debater essa questão, é bom começar por deixar claro que o capitalismo, ao contrário do comunismo e do socialismo, não é, de forma alguma, um "ismo". É uma pena que se tenha cunhado a palavra "capitalismo", porque ela é enganadora.
O capitalismo não é um sistema sonhado por filósofos, políticos ou economistas e depois posto em prática por decisão de governos. Trata-se de um evento natural, uma peça orgânica no progresso humano. A História mostra que o capitalismo ocorre nas sociedades humanas quando elas atingem certo nível de progresso tecnológico e as pessoas com dinheiro percebem que podem lucrar ao se organizarem para investir.
O capitalismo acontece naturalmente, sem necessidade da ajuda dos governos. Pode-se dizer que ele é inevitável, a não ser que o governo tome determinadas medidas para impedi-lo. Ele ocorreu em larga escala, pela primeira vez, na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII, e foi possível porque a sociedade britânica era relativamente livre, com poucas leis que impedissem as mudanças econômicas e técnicas. O governo não teve praticamente nada a ver com ele. O fenômeno foi chamado de Revolução Industrial, mas esse nome supõe mudança dramática e violência. Não houve nada disso. Nem houve grandes planos, regras ou decisões grandiosas.
O capitalismo nasceu de decisões não coordenadas e meramente coincidentes de muitos milhares de pequenos fabricantes, comerciantes, artesãos, poupadores, investidores e instituições financeiras. Os grandes bancos não desempenharam papel algum, pois simplesmente não existiam naquela época. O único grande banco da Grã-Bretanha, o Banco da Inglaterra, não teve nada a ver com a Revolução Industrial, pelo menos em seus estágios iniciais. Não houve envolvimento de conglomerados ou firmas internacionais. A maioria das incontáveis pessoas envolvidas começou como mero trabalhador ou artesão e se tornou capitalista quase sem saber. Elas estavam fazendo apenas o que parecia lógico, lucrativo e óbvio naquela época. Trabalhavam por instinto natural, em vez de seguir um plano profundamente detalhado. O capitalismo deu certo porque combina com a índole da humanidade, transformando lentamente os métodos tradicionais e expandindo-se aos poucos.
Quando publicou, em 1776, A Riqueza das Nações – a bíblia do capitalismo –, Adam Smith não estava defendendo um sistema, um "ismo". Na verdade, ele jamais escreveu a palavra capitalismo, que não se usava na época. Estava meramente descrevendo o que havia acontecido e o que estava acontecendo. Ele deu as boas-vindas a muitos desses novos acontecimentos e mostrou por que eles aumentavam a riqueza nacional. Não defendeu que os governos deveriam instituir o capitalismo, mas apenas que deveriam remover leis antiquadas e tolas (como as que restringiam os movimentos dos trabalhadores), que impediam as pessoas empreendedoras de aproveitar ao máximo as oportunidades.
O vasto Estado industrial que se desenvolveu os teria deixado horrorizados. Com efeito, é impossível apontar qualquer ato do novo governo americano, naquela época e durante muitas décadas, que fomentasse diretamente o capitalismo. O que ele promovia era a liberdade econômica e política – e foi a liberdade que propiciou ao capitalismo na América um parto absolutamente natural.
Portanto, o capitalismo, então como hoje, tem a ver com liberdade e não com ações do governo. Este pode impedi-lo, se fizer um grande esforço – a União Soviética conseguiu essa façanha durante 75 anos –, mas a única maneira de promovê-lo com eficácia é não fazer nada, ou, antes, remover os obstáculos que impedem homens e mulheres de realizar coisas para eles mesmos.
Portanto, não há dois tipos de capitalismo, apenas versões mais fortes ou mais fracas. O capitalismo de Estado e a economia planificada foram tentados na URSS durante três quartos de século e depois abandonados devido a fracassos irremediáveis. Em conseqüência, o PIB atual da Rússia é menor que o da Holanda, país de território minúsculo se comparado com a vastidão russa.
As assim chamadas economias mistas, que supõem um grande setor público envolvido em indústria, distribuição de bens e finanças, foram tentadas em muitos países nos últimos cinqüenta anos e também fracassaram. A maioria das indústrias nacionalizadas funcionava no vermelho e tinha níveis baixos de produção ou prestação de serviços. A Grã-Bretanha iniciou um grande programa de desnacionalização na década de 80, com imensos benefícios para sua economia e para as finanças públicas. O thatcherismo foi imitado em mais de cinqüenta países, geralmente com sucesso comparável.
A última alternativa ao capitalismo livre é a versão européia. Não é fácil descrever as principais características dessa alternativa. Ela foi pensada como um sistema fundamentalmente de livre empresa – seu fundador, Jean Monnet, acreditava firmemente no capitalismo. A idéia era remover os obstáculos à competição e iniciar um processo de convergência das economias européias em torno de um único modelo hipereficiente. Mas, no processo, ela caiu nas mãos de burocratas, advogados e de políticos que trabalhavam junto com eles. Em conseqüência, a União Européia se tornou um sistema altamente inibidor, com incontáveis restrições legais ao livre jogo das forças econômicas que produzem riqueza.
Os resultados podem ser vistos nos números: taxas de crescimento lentas, apesar dos juros baixos que tendem a estimular a inflação; desemprego alto, com média de 10%, mas muito maior em alguns países como a Espanha; investimentos comparativamente baixos. É significativo que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha (que participa apenas pela metade da União Européia e está mais próxima do modelo americano) sejam agora os maiores captadores de investimento externo. Ou seja, os capitalistas de todo o mundo consideram esses dois países as regiões mais eficientes para aplicar seu dinheiro. A Grã-Bretanha recebe mais capital externo anualmente que todo o resto da União Européia em conjunto.
Os Estados Unidos, que fazem restrições mínimas às empresas, assemelham-se a uma economia de mercado clássica, comportando-se à perfeição. O desemprego praticamente não existe, a inflação é quase zero, os salários reais estão subindo lentamente, o crescimento é alto, a produtividade vem aumentando, o orçamento está equilibrado ou apresenta superávit e a dívida vem sendo paga com bastante rapidez. Se essa tendência continuar, é provável que os EUA paguem toda a sua dívida nacional até 2020. Desse modo, os americanos parecem se dirigir para um regime de alto crescimento e baixos impostos, com ampla distribuição da riqueza e elevação constante dos padrões de vida.
A versão européia compreende altos (relativamente) pagamentos e serviços de bem-estar social, mais poder para os sindicatos e mais oportunidades para o governo interferir quando surgem fraquezas na economia. Mas, contra esse pano de fundo, deve-se ver o flagelo do desemprego, a quase certeza de que muitos sistemas de previdência europeus irão à falência, à medida que a idade média da população aumenta e a falta de oportunidades para novos empreendimentos se acentua. Um indicador significativo é o declínio constante do dinamismo da economia alemã, outrora uma das mais bem-sucedidas do mundo.
É muito difícil ver na União Européia uma alternativa desejável ao capitalismo americano. Ela se parece mais com um capitalismo comum manietado por correntes burocráticas e legais e, portanto, funcionando mal. Não se trata de um modelo para os países em desenvolvimento.
Conclusão |
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