Especialistas discutem obra nesta quarta, em debate da Cosac Naify em parceria com o 'Sabático'
26 de outubro de 2010
Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S.Paulo
O livro O Outono da Idade Média, do historiador holandês Johan Huizinga (1872-1945), que mudou radicalmente a ideia que o Ocidente tem do período, será lançado nesta quarta, 27, às 19h, com um debate promovido pela editora Cosac Naify, em parceria com o caderno Sabático, do Estado, no anfiteatro do Departamento de História da USP. Publicado em 1919, o clássico de Huizinga ganha sua primeira tradução integral diretamente do holandês para o português (por Francis Petra Janssen), após ser vertido para mais de 20 línguas, inclusive o mandarim. Ele será debatido por três professores da Universidade de São Paulo - o crítico Lorenzo Mammì (do Departamento de Filosofia), Marcelo Candido da Silva e Tereza Aline Pereira de Queiroz (ambos do Departamento de História) - com mediação do editor do Sabático, Rinaldo Gama.O ponto de partida da obra, segundo escreve Huizinga no prefácio da primeira edição, foi a necessidade de entender a pintura de Van Eyck e de seus sucessores. O historiador holandês tinha em mente o ducado de Borgonha e, de fato, o livro deveria ter se chamado O Século de Borgonha, mas ele acabou abrindo mão dessa delimitação, abrangendo o núcleo francês e dos Países Baixos. O Renascimento, então, deixa de ser um fenômeno essencialmente italiano para ganhar novas cores na obra de Huizinga, fundamental para o advento de outros estudos igualmente importantes sobre o Renascimento, como o do crítico e historiador de arte alemão Erwin Panofsky (1892-1968).
O historiador francês Jacques LeGoff, em entrevista concedida a Claude Metra e publicada no livro, condena o título da primeira tradução francesa (Le Déclin du Moyen Âge) justamente por causa da palavra "declínio". O Outono da Idade Média lhe parece melhor por ser uma estação "em que todas as fecundidades e todas as contradições da natureza parecem se exacerbar". Huizinga se incomodava com os conceitos que acompanhavam a separação dos períodos - Idade Média e Renascimento -, destacando a força do pensamento simbólico e da literatura numa época em que a sociedade medieval se espelhava no romance cortês. O historiador holandês também valoriza o aspecto erótico no comportamento do homem medieval, não recalcado como posteriormente, quando a religião institucionalizada triunfou.
O historiador inglês Peter Burke, que assina outro texto no livro, destaca, contudo, o caráter conservador de Huzinga, que tinha aversão pela arte abstrata e via com desconfiança as teorias de Karl Marx e Sigmund Freud. Sem interesse particular pela política, ainda assim condenou o fascismo em 1930 e foi levado a um campo de concentração quando os alemães invadiram a Holanda. Homem erudito e esteta, ele tanto apreciava a poesia de Verlaine como a música de Wagner. Como historiador, não conseguia dissociar a história coletiva da pessoal, valorizando o papel de poetas picarescos (François Villon) e cronistas da corte (Georges Chastellain) na formação do comportamento de uma época. Avesso ao racionalismo histórico e à modernidade, Huizinga, segundo Burke, tinha nostalgia da Idade Média, mas conservava uma relação ambivalente com o período, preocupando-se excessivamente com os temas da morte e da decadência. O historiador diz, por exemplo, que Huzinga errou ao levar a sério os torneios medievais, que interpretou como sinais de decadência ou, no mínimo, como sintomas de sobrevivência do barbarismo.
O que Huizinga vê de interessante nas manifestações culturais da Idade Média é a correspondência entre a narrativa literária e a formação de um pensamento visual. Ele observa como a descrição do mundo camponês por Chastellain tem relação direta com as pintura de Brueghel e como o interesse pelos maltrapilhos, que se revela na literatura e nas belas-artes do século 15, era tão moderno que antecipa as gravuras de Rembrandt e as pinturas de mendigos de Murillo. A diferença é que as belas-artes viam o mendigo como fenômeno estético, enquanto a literatura da época preocupa-se com o significado da mendicância, lamentando ou amaldiçoando a condição dos deserdados.
Huizinga, ao escrever sobre literatura, fala como a ironia surge combinada à melancolia no poema cortês do século 15, recusando as formas antigas e anunciando um novo estilo, que tem na autoparódia dos poemas desiludidos de Villon sua mais alta expressão. Há um elemento de profanação evidente quando as formas religiosas são metamorfoseadas em metáforas obscenas, observa o historiador holandês. Essa frivolidade, porém, não tingia a pintura do século 15. Ela, segundo Huzinga, "ainda não conhece a expressão do lado malicioso". No entanto, a Idade Média tardia mostra "uma contradição singular" entre a vergonha e a licenciosidade". Assim, a relação entre o humanismo que surgia e o espírito medieval seria menos simples do que enxergam outros historiadores. Para poder ver com clareza a chegada do Renascimento, defende Huzinga, é preciso não só considerar o caso italiano, mas voltar-se para a França. O som e o espírito da Renascença já estavam lá. Tudo já parecia degenerado com uma certa coloração pagã que iria incomodar - e muito - as autoridades da Igreja.
Quem é
Johan Huizinga, historiador holandês
Erudito, abordou a história com olhar de esteta. Estudou sânscrito e se tornou um orientalista respeitado antes de escrever O Outono da Idade Média. Foi preso pelos nazistas e morreu em 1945, em Gelderland, Holanda.
O Outono da idade Média - Debate promovido pela editora, em parceria com o Sabático, do Estado, sobre o livro de Johan Huizinga, lançado pela Cosac Naify. Quarta, 27, às 19 horas, no anfiteatro do Departamento de História da USP. Av. Professor Lineu Prestes, 338. tel. (11) 3091-3731.
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