O historiador inglês Paul Johnson era considerado “de esquerda” até 1977. Naquele ano, rompeu definitivamente com as antigas idéias do socialismo fabiano, ao publicar o artigo “Adeus ao Partido Trabalhista”, apontando a intolerância dos esquerdistas contra os direitos do indivíduo.
Nas três décadas que se seguiram à “apostasia” de Johnson, ele se tornou amigo e conselheiro de Margaret Thatcher e Ronald Reagan; participou ativamente da revolução liberal nos anos 1980. Escreveu livros importantes para qualquer pessoa interessada em temas históricos, entre eles “Os intelectuais”, “Os criadores”, “História dos judeus”, “História do cristianismo” e “Os heróis” – recentemente lançado no Brasil pela Editora Campus/Elsevier.
Johnson sempre insistiu que o relativismo moral é uma das doenças do nosso tempo – tendo sido a justificativa para os genocídios comunista e nazista do século 20. Não é por acaso que o autor elegeu um valor absoluto – a coragem – para definir o heroísmo através dos tempos. Que outra noção poderia unir personagens tão díspares quanto Davi, Joana D’Arc, César, Emily Dickinson, Lincoln, Wittgenstein, Churchill, Marilyn Monroe e João Paulo II?
Numa de suas habituais – e espirituosas – enumerações, Johnson diz ainda que o herói tem quatro características essenciais: 1) independência mental; 2) capacidade de agir com decisão e coerência; 3) capacidade de ignorar as opiniões correntes; 4) ação corajosa em qualquer circunstância.
O herói – principalmente aquele que não dispõe da moral judaico-cristã – freqüentemente pode ser cruel. É o caso de Alexandre e César, simultaneamente heróis e assassinos. Mas não deixaram que a face sangrenta se mostrasse superior às realizações efetivas. Certamente, por isso, Mao Tsé-Tung, Stálin, Hitler e mesmo Napoleão não poderiam jamais ser considerados heróis. Ao diabo com o relativismo.
Em “Os heróis”, Johnson realiza uma infalível combinação entre estilo primoroso, pesquisa confiável, franqueza atordoante e – graças a Deus – absoluta incorreção política. Não é autor de simular neutralidade ou esconder as próprias opiniões. Para esse polemista incorrigível, Churchill e De Gaulle são igualmente heróis – mas não são, nem de longe, heróis iguais. Churchill é um gênio literário, um bebedor de conhaque e uísque em quantidades industriais, um amante da democracia, um autor de frases memoráveis, o comandante-em-chefe da vitória sobre o nazismo. De Gaulle é um egoísta sem coração, um monstro vaidoso e, o que pior, dono de um insuportável mau hálito. Se Johnson nem sempre acerta em suas escolhas – chega a ver heroísmo em Pinochet, embora não se estenda sobre o assunto –, ele nunca deixa de nos dar o prazer de conhecê-las. Uma leitura fundamental. E sem relativismos.
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No capítulo dedicado a Abraham Lincoln e Robert E. Lee (inimigos na Guerra Civil Americana), Paul Johnson transcreve uma breve correspondência de Lincoln a um cliente de seu escritório de advocacia:
“Caro senhor George P. Floyd,
Acabo de receber sua carta do dia 16, com cheque do Flags e Savage no valor de vinte e cinco dólares. O senhor deve pensar que sou um homem de alto preço. É muito liberal com o seu dinheiro. Quinze dólares bastam pelo serviço. Envio-lhe um recibo de quinze dólares e devolvo-lhe uma nota de dez.
Sinceramente,
A. Lincoln.”
No Brasil dos cartões corporativos, ler uma carta dessas chega a doer na alma. Paul Johnson é especialista em citar pormenores para descrever o heroísmo de seus personagens históricos. A essência de Lincoln está nessa cartinha tanto quanto estava no discurso de Gettysburg.
O mais interessante capítulo é dedicado a Ronald Reagan, Margaret Thatcher e João Paulo II – os três estadistas que venceram a Guerra Fria e derrubaram a União Soviética. Johnson conheceu pessoalmente os três. Foi conselheiro de Thatcher e amigo de Reagan. No caso da primeira-ministra britânica, desfaz o clichê de “Dama de Ferro”, descrevendo-a como “uma das mulheres mais femininas que já conheci”. Reagan é caracterizado como um homem simples, inteligente e intuitivo, com um incrível poder de contar a piada certa na hora certa. João Paulo II é rapidamente descrito em tom de reverência: Johnson o considera como um personagem que mistura as qualidades de herói e santo. Alguém que soube viver e morrer – e das duas coisas fez uma lição inestimável para a humanidade.
– Publicado no Jornal de Londrina.
| 12/02/08
Johnson sempre insistiu que o relativismo moral é uma das doenças do nosso tempo – tendo sido a justificativa para os genocídios comunista e nazista do século 20. Não é por acaso que o autor elegeu um valor absoluto – a coragem – para definir o heroísmo através dos tempos. Que outra noção poderia unir personagens tão díspares quanto Davi, Joana D’Arc, César, Emily Dickinson, Lincoln, Wittgenstein, Churchill, Marilyn Monroe e João Paulo II?
Numa de suas habituais – e espirituosas – enumerações, Johnson diz ainda que o herói tem quatro características essenciais: 1) independência mental; 2) capacidade de agir com decisão e coerência; 3) capacidade de ignorar as opiniões correntes; 4) ação corajosa em qualquer circunstância.
O herói – principalmente aquele que não dispõe da moral judaico-cristã – freqüentemente pode ser cruel. É o caso de Alexandre e César, simultaneamente heróis e assassinos. Mas não deixaram que a face sangrenta se mostrasse superior às realizações efetivas. Certamente, por isso, Mao Tsé-Tung, Stálin, Hitler e mesmo Napoleão não poderiam jamais ser considerados heróis. Ao diabo com o relativismo.
Em “Os heróis”, Johnson realiza uma infalível combinação entre estilo primoroso, pesquisa confiável, franqueza atordoante e – graças a Deus – absoluta incorreção política. Não é autor de simular neutralidade ou esconder as próprias opiniões. Para esse polemista incorrigível, Churchill e De Gaulle são igualmente heróis – mas não são, nem de longe, heróis iguais. Churchill é um gênio literário, um bebedor de conhaque e uísque em quantidades industriais, um amante da democracia, um autor de frases memoráveis, o comandante-em-chefe da vitória sobre o nazismo. De Gaulle é um egoísta sem coração, um monstro vaidoso e, o que pior, dono de um insuportável mau hálito. Se Johnson nem sempre acerta em suas escolhas – chega a ver heroísmo em Pinochet, embora não se estenda sobre o assunto –, ele nunca deixa de nos dar o prazer de conhecê-las. Uma leitura fundamental. E sem relativismos.
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No capítulo dedicado a Abraham Lincoln e Robert E. Lee (inimigos na Guerra Civil Americana), Paul Johnson transcreve uma breve correspondência de Lincoln a um cliente de seu escritório de advocacia:
“Caro senhor George P. Floyd,
Acabo de receber sua carta do dia 16, com cheque do Flags e Savage no valor de vinte e cinco dólares. O senhor deve pensar que sou um homem de alto preço. É muito liberal com o seu dinheiro. Quinze dólares bastam pelo serviço. Envio-lhe um recibo de quinze dólares e devolvo-lhe uma nota de dez.
Sinceramente,
A. Lincoln.”
No Brasil dos cartões corporativos, ler uma carta dessas chega a doer na alma. Paul Johnson é especialista em citar pormenores para descrever o heroísmo de seus personagens históricos. A essência de Lincoln está nessa cartinha tanto quanto estava no discurso de Gettysburg.
O mais interessante capítulo é dedicado a Ronald Reagan, Margaret Thatcher e João Paulo II – os três estadistas que venceram a Guerra Fria e derrubaram a União Soviética. Johnson conheceu pessoalmente os três. Foi conselheiro de Thatcher e amigo de Reagan. No caso da primeira-ministra britânica, desfaz o clichê de “Dama de Ferro”, descrevendo-a como “uma das mulheres mais femininas que já conheci”. Reagan é caracterizado como um homem simples, inteligente e intuitivo, com um incrível poder de contar a piada certa na hora certa. João Paulo II é rapidamente descrito em tom de reverência: Johnson o considera como um personagem que mistura as qualidades de herói e santo. Alguém que soube viver e morrer – e das duas coisas fez uma lição inestimável para a humanidade.
– Publicado no Jornal de Londrina.
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