segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Justiça social e evangelização (II)


ZP10111502 - 15-11-2010
Permalink: http://www.zenit.org/article-26533?l=portuguese 
Entrevista com o cardeal Peter Turkson
ST. PAUL, segunda-feira, 15 de novembro de 2010 (ZENIT.org) - A doutrina social da Igreja não é somente uma fonte de princípios sobre os quais se constrói uma sociedade boa e justa, senão que tem também um sentido de evangelização.
Esta é a mensagem do cardeal Peter Turkson, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz. Citando o relato bíblico de Zaqueu, ele acredita que as verdades sobre a tradição social da Igreja supõem uma preparação para a graça e convidam ao encontro com o Senhor.
O cardeal Turkson trabalhou como chanceler da Catholic University College de Gana. Participou de uma série de comissões, conselhos e comitês pontifícios, e o Papa Bento XVI o nomeou presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz em outubro de 2009.
Recentemente, esteve em St. Paul (Minnesota, Estados Unidos), visitando a Universidade St. Thomas, onde deu a conferência anual Habiger, patrocinada pelo Center for Catholic Studies. A conferência era sobre Caritas in Veritate: Good News for Society (Caritas in veritate: boa notícia para a sociedade).
Nesta entrevista, o purpurado fala sobre os primeiros frutos da Caritas in Veritate, assim como sobre a necessidade de que a Santa Sé continue sendo a "voz da consciência" na ONU.
A primeira parte desta entrevista foi publicada ontem.
ZENIT: Que efeito está tendo a doutrina social da Igreja nos homens de negócios e na sociedade?
Cardeal Turkson: As pessoas estão interessadas na tradição da Igreja. Muitos descobriram o lugar de Deus em Cristo, mostrando que a doutrina social da Igreja é uma ferramenta da evangelização.
Por exemplo, no relato evangélico de Zaqueu, ele era um cobrador de impostos. Estava se enriquecendo às custas dos outros. Mas quando conheceu Jesus, experimentou uma transformação. E disse: "Se defraudei alguém, eu lhe devolverei o dinheiro".
Como é possível que, antes de conhecer Jesus, ele não percebera que o que estava fazendo era enganar as pessoas?
A história de Zaqueu mostra que, quando se tem um determinado encontro com o Senhor, há uma transformação em nós.
Da mesma forma, as pessoas podem precisar dessa experiência do Senhor. Devem perceber que não se pode continuar como de costume. Não se pode pisotear outro ser humano.
Ao contrário, as empresas devem levar ao desenvolvimento integral da pessoa humana. A busca do progresso humano não pode ser alheio ao caráter comunitário da pessoa humana.
A encíclica Caritas in veritate afirma que o desenvolvimento humano deve ser integral e completo. Ela nos convida a redescobrir o desenvolvimento humano e o progresso humano.
ZENIT: A Igreja precisa voltar a um tomismo mais rigoroso em seu enfoque das questões sociais atuais, como foi nas primeiras encíclicas sobre o tema?
Cardeal Turkson: Permita-me expor dessa forma: a este Papa, em particular, é atribuída a formulação de uma hermenêutica da continuidade. Essa hermenêutica não se aplica somente à questão do Concílio Vaticano II e aos concílios ecumênicos anteriores, mas também à continuidade entre a doutrina social pontifícia recente e a dos papas anteriores.
Naturalmente, a mudança de contexto requer que a ênfase seja dada de outra forma. Às vezes, a formulação de certas questões é enquadrada de maneira diferente. Mas existe uma continuidade real.
Quando este Papa fala sobre tradição, ele se refere a tudo o que falamos no passado.
Não foi o tomismo, em última instância, o que proporcionou o ponto de partida para os ensinamentos sociais da Igreja, mas a própria Escritura. O tomismo era uma maneira de articular os princípios que se encontram na Bíblia.
Não sei se devemos voltar a Tomás para uma formulação clara.
É provável que certa tradição dentro da Igreja - por meio de catecismos, com suas perguntas e respostas - tenha criado uma aproximação particular sobre as questões. Às vezes, o tomismo é útil neste contexto.
Mas não deve excluir o desejo de ser discursivo sobre os problemas. E essa nova encíclica nos conduz a isso.
As encíclicas estão escritas para todas as pessoas de boa vontade. Com este propósito em mente, necessariamente não se pode apresentar os ensinamentos como um tipo de catequese, de forma tomista.
O estilo discursivo não se move longe do tomismo, mas enriquece a tradição.
Está destinado a um público mais amplo, ao qual as encíclicas se dirigem. Isso representa o abandono de um formato claro e tomista.
ZENIT: Na sociedade de hoje, poderia ser útil uma redescoberta da ideia, atualmente esquecida, do reinado social de Cristo, seu senhorio sobre todas as coisas, incluindo o âmbito político e econômico?
Cardeal Turkson: O Santo Padre disse que a verdade da razão e a verdade da fé não se opõem. Mas a verdade da razão é convidada à transcendência.
As coisas da verdade da razão não são um ponto final, de chegada. A verdade da fé deve transcender a verdade da razão.
A lei natural, em si, é uma preparação para a ordem da graça.
Temos de reconhecer a vocação da razão como ordenada à transcendência, à figura de Jesus como Deus encarnado.
Quando é este o caso, podemos nos referir ao que a recente encíclica diz sobre isso.
O livro único da natureza mostra Deus como o autor da sua criação, mas também de tudo o que pertence a ela.
Portanto, é o Senhor de todas as coisas, incluindo as relações da pessoa humana.
Existe uma tendência no mundo a conceber a pessoa humana como autora de si mesma ou configurada pela cultura e pelas forças externas.
Esta é uma tentativa de substituir Deus e acabar com Ele. Em vista disso, os Papas João Paulo II e Bento XVI nos recordam que, sem transcendência, a vida não tem sentido e não pode alcançar seus próprios objetivos.
A necessidade da realeza de Jesus é precisamente porque é a revelação do Pai. É necessário apresentar a vocação da razão como uma vocação à transcendência.
Trata-se de uma verdade revelada por Cristo e em Cristo.
Assim, a lei natural não é um ponto de chegada, mas cada pessoa é convidada à transcendência para descobrir-se na finalidade da verdade de Jesus, a descobrir o plano do Pai na verdade da criação.
Esse convite à transcendência se converte no objeto da missão evangelizadora da Igreja. Falamos da verdade da razão, mas não nos detemos aí.
É preciso descobrir a si mesma em Jesus como a revelação do Pai.
ZENIT: Quando o senhor fala a organismos como as Nações Unidas, como fez em setembro sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, e os exorta a defender e construir em suas atividades uma cultura da vida, parece que esta mensagem está chegando?
Cardeal Turkson: Penso que existe um monte de coisas por descobrir sobre como as Nações Unidas trabalham.
Supõe-se que as Nações Unidas em si são uma reunião dos Estados soberanos, que os chefes das nações soberanas se unem. Os especialistas da ONU facilitam estas reuniões, mas precisamente este serviço põe em perigo a reunião e permite que seja sequestrada por pessoas com uma agenda. Sempre devemos reconhecer este risco.
O financiamento da ONU vem dos chefes de Estado soberanos. Mas o financiamento pode vir também com exigências ou condições. Temos de reconhecer tudo isso.
Por isso, quando os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio são debatidos, é provável que algumas pessoas que estão financiando e conduzem o debate tenham sua própria agenda de interesses.
A voz da Santa Sé tem o valor de servir como um recordatório de certos temas que em geral não são discutidos.
Inclusive se a posição da Santa Sé não é aprovada, serve como uma lembrança aos países sobre estes temas e valores, a importância de proteger a vida e a dignidade humanas.
Mesmo se formos a única voz na sala, é necessário.
Muitas pessoas ainda nos parabeniza por discutir certos temas.
As atividades da Santa Sé também podem abrir espaço para outras discussões sobre por que alguns Estados estão debatendo sobre certos temas, ou se podem conduzir a uma perda de financiamento para os demais.
Por exemplo, antes da visita do Papa a Londres, alguém perguntou sobre o desenvolvimento em outros países, se a saúde reprodutiva estaria conectada diretamente a todas as ajudas. Isso significaria que toda ajuda que sai teria isso como condição para o financiamento. Isso foi algo que pôde ser discutido graças à presença da Igreja na ONU.
Todos estes detalhes precisam ser reconhecidos quando falamos sobre a participação na ONU.
Devemos fazer que a verdade da Igreja seja conhecida, independentemente do grau de adesão que possa obter.
(Jason Adkins)

0 comentários:

Postar um comentário