quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Leonel Franca: Cultura e Civilização

Autor: Sávio Laet de Barros Campos.
Bacharel-Licenciado em Filosofia Pela
Universidade Federal de Mato Grosso.
1. Vida e Obra
Leonel Franca, no nosso entendimento, o mais eminente pensador jesuíta brasileiro.
Natural de São Gabriel, Rio Grande do Sul, Franca nasceu no ano de 1893. Estudou em
colégio alemão e, aos treze anos, matriculou-se no Colégio Jesuíta de Nova Friburgo. Em
1908 ingressou na Companhia de Jesus. Nesta fase, a insuficiência cardíaca, que o
acompanharia por toda vida e lhe causaria uma morte assaz prematura, já começara a se
manifestar.
Ordenado sacerdote em 1923, doutorou-se em Filosofia e Teologia pela Gregoriana
de Roma. Lecionou no Colégio de Filosofia em Friburgo (Estado do Rio), tendo sido também
vice-reitor do Colégio Santo Inácio e um dos fundadores da PUC do Rio de Janeiro. Pe.
Franca foi, sem nenhum favor, um dos maiores intelectuais brasileiros de todos os tempos.
Houvesse nascido na Europa ou não tivesse a morte posto um fim aos seus projetos, não
precisaria tirar o chapéu para nenhum dos seus mais abalizados contemporâneos. Franca
morreu em setembro de 1948. É consenso entre todos os que desfrutaram da sua amável
convivência, ter morrido em estado de santidade. Houve até o início de um processo de
beatificação.
Dentre as suas obras mais significativas, estão: Noções de História da Filosofia
(apesar do estilo um tanto envelhecido e de uma bibliografia que precisaria ser atualizada,
continua sendo a mais bem-sucedida tentativa, por parte de um autor brasileiro, de
compendiar a história da filosofia); Psicologia da Fé (uma pérola filosófica e teológica); O
Problema de Deus (Coleções de textos que, agrupados, acabaram por se tornar uma obra de
Teodiceia que em nada fica a dever às demais obras do gênero, e se destaca tanto pela
penetração metafísica, quanto pela metodologia adotada e, finalmente, pela profunda pesquisa
nas fontes); A Crise do Mundo Moderno (na apreciação Lima Vaz, trata-se de um marco na
2
literatura filosófica brasileira, por ser o melhor tratado de Filosofia da Cultura já publicado no
Brasil).
Passemos a estudar, nesta obra, a relação entre civilização e cultura.
2. Cultura e civilização
O homem compreende em si dois mundos que não são separados, mas distintos: o da
matéria e o do espírito. Pela matéria, estamos imersos no mundo físico, sofrendo todas as
consequências da sua influência imperiosa. Pelo espírito, conseguimos dominar e controlar as
influências que os fenômenos naturais tendem a exercer sobre nós. Se, pela matéria – no
homem, o corpo – imergimos no mundo físico, pela venturosa presença do espírito em nossa
natureza, dele (do mundo físico) emergimos.1
Pelo corpo, prendemo-nos ao natural, mas pela liberdade que nos é oferecida pelo
espírito, abrimo-nos ao cultural. Agora bem, as duas predicações – natural e cultural –
procedentes da própria natureza humana, são também as categorias constitutivas de toda
civilização.2
É pelo conhecimento abstrativo da realidade – fruto da vida espiritual – que o homem
conhece o mundo que o rodeia e consegue colocá-lo sob o seu domínio. Fruto da vida
espiritual também é a sociabilidade, que integra os homens como num único eu. Com efeito,
no mundo da pura matéria não existe verdadeira sociabilidade, nem uma real supremacia. Por
conseguinte, os dois elementos distintivos da espécie humana são: o domínio sobre as coisas
que nos rodeiam e a sociabilidade, sendo que ambas são frutos do conhecimento espiritual.
Ora bem, este duplo esforço de dominar a natureza material que o rodeia –
conhecendo-lhe os fenômenos e decodificando as leis – e travar relações de comunicabilidade
e mútua ajuda com os seus semelhantes – ratificamos – constituem o núcleo do complexo
conceito de civilização:
1 FRANCA, Leonel. A Crise do Mundo Moderno. 2ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1942.
p. 17: “Pelo corpo imergimos num meio físico e sofremos-lhe todas as influências vitais. Pelo espírito
emergimos do ambiente sensível, trabalhamos por vencer-lhe as resistências e impor-lhe vitoriosamente as
conquistas das idéias.”
2 Idem. Ibidem: “Os elementos que constituem uma civilização podem, por isto, classificar-se em duas grandes
categorias: naturais e culturais. Nos primeiros é mais forte a pressão do determinismo, nos outros mais amplo o
domínio da liberdade.”
3
Toda civilização é filha da inteligência que conhece o mundo da
matéria e procura utilizá-lo; que conhece o mundo de outras
inteligências e esforça-se por entrar com ele em relações de
sociabilidade. Nas suas diferentes formas é sempre uma afirmação do
espírito sobre a natureza, da razão sobre o instinto, do humano sobre o
animal. Civilização é humanizar.3
3. Civilização e humanismo
Portanto, o conceito de civilização abarca aquelas propriedades que especificam o
gênero humano. Civilizar é tornar o homem realmente humano. Mas para torná-lo humano é
preciso desenvolver-lhe as capacidades espirituais, que lhe são inerentes por natureza. Ora,
estas capacidades, se conjugadas corretamente, podem tirar o homem do determinismo
material e fazê-lo alçar voo no concurso da liberdade do espírito.
Por conseguinte, não são os elementos raciais que fazem uma civilização, nem o
aspecto temporal–geográfico, nem quaisquer outros determinismos biológicos, mais sim a
construção da vida no espírito. Só o homem pode ser civilizado, porque somente ele está
aberto à consecução da vida no espírito. Ora, o movimento para tornar o homem civilizado,
chamamo-lo cultura:
O solo e a raça representam a contribuição da natureza; a cultura é obra
do homem. Lá o determinismo relativo dos agentes físicos; aqui a
espontaneidade criadora do espírito. É realmente à vida espiritual que
logo se associa a idéia de cultura.4
De fato, por pensar que a formação da civilização se reduz a aspectos naturais, muitos
estudiosos enveredaram-se por caminhos inadequados e chegaram a cometer erros nefastos.
Eles dividem-se em dois grupos: materialistas radicais – que negam que exista no homem
algo além da matéria – e materialistas moderados que, embora não neguem a dimensão
espiritual explicitamente, reduzem-na, submetendo-a ao determinismo do mundo físico Estes
últimos, invertem as coisas! Num erro funesto, defendem que não é o espírito que informa a
matéria, mas que é a matéria que emoldura o espírito.5
3 Idem. Ibidem. p. 16.
4 Idem. Ibidem. p. 26.
4
Sem embargo, Pe. Franca observa que não se trata de negar toda e qualquer influência
das condições materiais sobre nós; antes, trata-se de acentuar que, para o espírito, há sempre a
possibilidade de, sublimando tais condições, subtrair-se, então, às suas forças determinantes.
Apenas para assinalar os enganos daqueles que pensam que os fatores naturais são
determinantes na formação de uma civilização, citemos alguns exemplos. Se fosse a terra, por
exemplo, um fator preponderante na formação de uma civilização, a Inglaterra, que na Idade
Média era fundamentalmente uma economia rural, ainda o seria hoje. No entanto, o comércio
inglês hoje se destaca pela arte da navegação e por outros meios de produção que quase nada
têm a ver com aqueles que eram usados no medievo: “A Inglaterra, que era considerada na
idade média um povo predominantemente rural, é hoje uma nação mais comerciante e
navegadora”6.
Existiram ainda aqueles que vincularam a evolução de uma civilização ao aspecto
racial. O mais eloquente e monstruoso exemplo deste engano casso foi o antissemitismo
nazista. Para os nazistas, somente a raça ariana – única verdadeiramente portadora de dotes
culturais – era digna do nome de civilização. Ouçamos o Adolfo Hitlher – que dispensa
apresentações – quando ainda lhe sobrava alguma lucidez:
Tudo o que de cultura humana nos oferece hoje o mundo, tudo o que
produziu a arte, a ciência e a técnica é quase exclusivamente obra
criadora do Ariano. Donde se pode concluir que ele foi o fundador da
humanidade superior e encarna o arquétipo do homem. Da sua fronte
luminosa desprende-se em todos os tempos a centelha divina do gênio.7
Os exemplos poderiam suceder-se. Importa, no entanto, destacarmos outro ponto
crucial. Quando falamos de cultura ou de homem cultivado, não queremos com isso dizer que,
por culto, entendemos somente aquele indivíduo que acumula conhecimentos. A palavra
“culto” indica também, uma vida moral consoante à natureza. A respeito disso, exemplifica
Pe. Franca: “De um criminoso, com o cérebro povoado de noções intelectuais, preferimos
dizer que é um homem instruído a chamá-lo de homem culto”8.
5 Idem. Ibidem. p. 20: “O homem não sofre passivamente as influências do meio; sobre elas reage, modificandoas
e submetendo-as a exigências do seu desenvolvimento. As próprias condições físicas, que começaram por
impor-se com a força de quase tirania, acabam dobrando-se ao seu domínio vitorioso.”
6 Idem. Ibidem. p. 20.
7 HITLHER, A. Mein Kampf. p. 81. In: FRANCA, Leonel. A Crise do Mundo Moderno. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1942. nota 16.
8 FRANCA. A Crise do Mundo Moderno. p. 27.
5
4. As manifestações culturais
As manifestações da cultura são diversas, mas cumpre especificar do que cuida a
cultura enquanto tal. À cultura cabe aprimorar e desenvolver as riquezas do espírito humano.
Ela é o sinal incontestável da superioridade e do domínio do homem sobre todo o mundo
exterior. Franca franqueia-lhe a epígrafe de “Título de uma incontestável superioridade de
natureza”9 .
Mas ela não se pode manifestar, senão num ambiente que lhe seja propício. Este deve
ser fomentado através das ciências, das leis, dos costumes e da religião que, mais que todas as
outras, expressa a abertura do espírito humano para todas as coisas, exprime, afinal, a sua
aspiração para o infinito: “A religião, as ciências, as artes, as leis, e os costumes formam a
atmosfera quente e luminosa em que as almas encontram alimento, força e vida”10. Todos
estes são meios, são lugares da cultura.
5. Tempo e cultura
A cultura não é apanágio de uma geração apenas. De fato, para a sua formação e
consolidação, urge corrobore o árduo labor de muitas gerações. A cultura é um processo
contínuo. Ele pressupõe uma continuidade, uma transmissão. De fato, a cultura supõe a
preservação de uma tradição que patrocine aos indivíduos de todos os tempos a possibilidade
de, tomando nota das contribuições dos seus antepassados, possam, no presente, edificar o seu
futuro:
A cultura é um patrimônio social, que se foi lentamente constituindo
com os esforços árduos de antepassados numerosos; que se regenera e
enriquece de contínuo com a colaboração do presente; que se transmite,
como herança viva para levar às construções do futuro a contribuição
do passado, numa solidariedade indestrutível e benfazeja entre as
gerações que se sucedem.11
9 Idem. Ibidem. p. 28.
10 Idem Ibidem. p. 29.
11 Idem. Ibidem.
6
Como nenhum ser humano esgota as potencialidades da sua espécie, ninguém pode
fazer cultura sozinho! A cultura mostra-se assim como um fenômeno eminentemente social,
que só pode ocorrer no âmbito social: “A cultura é, pois, um fenômeno eminentemente social
e, a este título, parte integrante da civilização”12.
6. A civilização
Importante não se olvidar que a civilização não se esgota na cultura; outros fatores
também exercem influência sobre ela e ajudam a constituí-la. No entanto, como já havíamos
apontado, o fator cultural é parte integrante, essencial a qualquer civilização, sendo mesmo
uma das condições da sua existência e permanência. Destarte, deve a civilização, com todo o
seu aparato, ser uma promotora da cultura.13
Apenas de relance, enumeremos as outras predicações que, ao lado da cultura, formam
uma civilização. Para que haja civilização, é preciso, antes de qualquer coisa, que haja
homens que dividam o mesmo espaço geográfico, tendo ou não uma unidade racial. Em uma
palavra, é preciso que haja povo.14
Outro aspecto que também está integrado à ideia de civilização é o conceito de pátria.
Ora, a pátria é o solo que nos gerou, é o amor aos homens que nos antecederam no tempo e
que, contemplando o chão onde ora vivemos, preparam-no benignamente para que nele
pudéssemos habitar. O amor à pátria é o amor à família, ao grande clã, que divide o mesmo
espaço e que nutre os mesmos sentimentos de gratidão a antepassados comuns. O amor pátrio
é um amor à terra que gerou nossos pais; é um respeito ao chão onde agora eles repousam; é
uma devoção à terra que irá também gerar os nossos filhos, onde viveram os nossos avós e
onde, deveras, um dia descansaremos.15
12 Idem. Ibidem.
13 Idem. Ibidem. p. 31: “Entre civilização e cultura vemos a diferença que existe entre o todo e a parte: não
opomos as duas idéias, como adequadamente distintas, e, menos ainda, antagônicas. Integramos uma na outra. A
cultura representa numa civilização, o elemento específico que lhe traz o esforço do homem, como o
desenvolvimento de suas potencialidades e energias naturais.”
14 Idem. Ibidem. p. 35: “A idéia de povo, que lhe é apresentada sem lhe ser de todo equivalente, implica apenas a
de uma multidão tão extensa que já se lhe aplica a idéia de família ou de tribo. A sua unidade provem sobretudo
da continuidade geográfica do solo, ainda que também a ascendência comum, a filiação na mesma não lhe seja
de todo estranha.”
7
A noção de pátria – observe-se bem – não se confunde com a de nação, conquanto
estejam interligadas intimamente. Uma nação é uma unidade cultural; uma pátria é uma
unidade geográfica. Israel, por exemplo, é uma nação, porquanto possui uma unidade
cultural, mas é uma nação sem pátria, pois a Palestina está drasticamente dividida, é terra de
ninguém!
7. O direito
Fechando este breve parêntese, voltemos ao assunto que nos cerca: a cultura.
Dizíamos que, embora a civilização seja um conceito muito mais amplo para se esgotar no
âmbito cultural, a cultura, enquanto faz parte da sua essência, precisa ser por ela defendida e
promovida. Por quais meios, pois, pode a civilização fornecer à cultura o incentivo e a defesa
que lhe deve? Neste aspecto, teremos que considerar o conceito de direito. O direito, cuja
função é integrar na mesma unidade, uma massa social heterogênica, possibilitando, desta
feita, a condição primordial para o desenvolvimento da cultura, é um veículo indispensável
para a manutenção de toda civilização: ele condiciona a convivência pacífica entre os homens:
“Nesta cultura da convivência humana, o direito desempenha um papel de protagonista”16.
8. O estado
Agora bem, o direito, por sua vez, encontra o lugar propício para o seu exercício no
Estado. Somente no bojo do escopo estatal, o direito poderá ser exercido em toda a sua
eficácia: “No Estado, encontra o direito a forma suprema de sua organização e a condição de
sua eficiência plena”17. O Estado, vale lembrar, é uma unidade política, que se distingue da
15 Idem. Ibidem. p. 36: “(...) a noção de pátria prende-se imediatamente à de terra, terra pátria, e, por ela, aos
ascendentes a quem devemos a vida. Sem o solo natal, sem o contexto geográfico que emoldurou a existência de
nossos pais e que eles contemplaram com os seus olhos e aformosearam com os seus trabalhos, não há pátria.
(...) Por isto, a gratidão e o devotamento, que devemos ao torrão que nutriu os nossos maiores, refletem e
ampliam os sentimentos de família. O amor da pátria é uma forma de ‘piedade filial’.”
16 Idem. Ibidem. p. 43.
17 Idem. Ibidem. p. 35.
8
nação, mas que a ela não se opõe. De fato, cabe ao Estado promover e zelar pela
nacionalidade, enquanto promove e vela pelo patrimônio cultural comum. Portanto, enquanto
uma nação é uma unidade cultural – unidade em torno de uma cultura comum – o Estado é
uma unidade política, que deve defender os interesses da nação.18
Mas do que é constituído este patrimônio cultural comum do qual o Estado é deputado
a ser promotor e votado a ser defensor, e que abstratamente chamamos de nação? Responde
Franca:
Um patrimônio comum que alimenta a vida do espírito e se concretiza
na religião, na literatura, no direito, na língua, nas tradições e nos
costumes – eis a forma de espírito, a alma de uma nacionalidade.19
Um Estado que não guarde a cultura da nação, é um Estado disfuncional. Um Estado
que permita a difusão amorfa de seitas religiosas que assolem a religião daquela determinada
cultura, é um estado anômalo, inócuo, insosso. Cabe ao Estado coibir, controlar e até mesmo
tolher todas as manifestações que vão de encontro à cultura nacional. Por conseguinte, quando
o Estado se encontra num estágio de até mesmo promover produções hostis à cultura nacional,
encontra-se, decerto, num processo avançando de degeneração. Eis a missão precípua do
Estado:
Por sua vez, o Estado, com a eficiência de sua armadura, oferece ao
patrimônio cultural de uma nação o amparo de sua tutela e a garantia de
sua força estruturada. Seus órgãos de defesa protegem-no contra a
infiltração dissolvente de elementos estranhos. A criação de instituições
apropriadas faculta-lhe os instrumentos necessários à conservação,
propaganda e extensão de uma cultura.20
Não somente defender, mas promover a cultura comum, eis a missão que é facultada
ao Estado. A ele atende o dever de cuidar para que não se perca a identidade da cultura
nacional:
18 Idem. Ibidem. p. 38: “O Estado é o termo natural da sua evolução histórica. Nem, por isto, se confundem
Nação e Estado. O Estado é sempre uma unidade política, e a nação uma unidade cultural.”
19 Idem. Ibidem. p. 36 e 37.
20 Idem. Ibidem. p. 39 e 40.
9
Mas se ao Estado pela sua própria natureza, compete a missão jurídica
de defender e expandir uma cultura, impõe-se-lhe, outrossim, o dever
de respeitá-la nos elementos de sua integridade.21
9. A crise do mundo moderno
Agora bem, a nossa civilização – a civilização moderna – é uma civilização natimorta.
De fato, ela nasceu sob a nefanda influência da ignara filosofia moderna e da apedeuta
teologia reformada. O protestantismo, uma das raízes de todos os nossos males, é o túmulo da
cultura. Apenas para exemplificar, eis como Franca descreve o deletério comportamento de
Lutero em relação às universidades, empórios da cultura humana:
As universidades – para Lutero – são “cidadelas do diabo na terra”,
“templos de Moloch”, onde se sacrifica o melhor da juventude. O ideal
fora destruí-las todas: “desde que o mundo é mundo, não houve
instituição mais diabólica nem mais infernal.”22
Como vimos acima, a civilização é filha da inteligência. Ora, quem mais que Lutero e
Calvino desprezaram a natureza humana e a vitalidade da razão? A respeito do pensamento de
Lutero, diz Franca que, para este: “A razão tornou-se assim, no homem, o mais terrível
inimigo de Deus, ‘atrocissimus Dei hostis’”23 . Continua ainda nosso filósofo:
Nenhum homem maltratou e injuriou com mais furor a razão do que
Lutero. Contra a “meretriz do diabo”, sua pena, violenta e
descomedida, multiplicou os insultos que um pudor invencível não nos
permite transcrever.24
Para os “reformadores”, a natureza humana foi totalmente pervertida pelo pecado
original. Não resta no homem, desta sorte, nada de bom e nobre. Ora, estes pseudoreformadores
atreveram-se até a desvincular a nossa civilização do seu berço católico; do
campo religioso ao campo cultural, para eles tudo é desprezível: os Concílios como a
Tradição, os costumes bem como a cultura; em suas mãos, nada de digno ao homem se salva.
21 Idem. Ibidem. p. 40
22 Idem. Ibidem. p. 191.
23 Idem. Ibidem. p. 190.
24 Idem. Ibidem.
10
Aniquilam o natural em nome do sobrenatural. Vejamos como Pe. Franca descreve o
tratamento dado por Lutero a um dos mais ilustres gênios da nossa cultura ocidental,
Aristóteles:
Aristóteles, não passa – para Lutero – de “um comediante que por
muito tempo enganou a Igreja com as suas máscaras gregas”, “o mais
astuto enganador dos espíritos” “se não fôra de carne, não deveríamos
hesitar em ver nele o diabo”.25
Finalmente, conclui Franca a respeito de toda a teologia protestante, máxime a
luterana: “A teologia luterana é visceralmente irracional (...)”26. Do catolicismo, ao contrário,
pode-se dizer, com o nobre filho da Companhia de Jesus, que:
A Igreja católica é a verdade. Um oceano de resplendores banha-lhe o
berço. Uma imensa claridade benfazeja segue-lhe a trajetória luminosa
no firmamento da história. Filha da luz, ela vive na luz como em seu
elemento natural, respira a luz como o oxigênio vivificador de sua
existência, esparge a luz como efusão espontânea de sua atividade
fecunda.27
Antes de encerrarmos, queremos registrar o instigante e sugestivo paralelo, traçado
pelo venerável jesuíta, entre protestantismo e catolicismo, desde o ponto de vista cultural:
A religião católica é a verdade cristã na inteireza da sua unidade
indivisível, no esplendor de toda a sua beleza, em toda a eficácia de sua
influência civilizadora. A heresia protestante é cristianismo mutilado,
degenerado, desarticulado na admirável estrutura de seus dogmas e
contaminado na pureza ilibada de sua moral. Princípio de vida, o
catolicismo eleva todos os povos. Germe de discórdia e corrupção, o
protestantismo trava as sociedades no seu movimento de progresso e
civilização cristã. É a conseqüência espontânea da eficácia natural da
verdade e do erro na evolução da humanidade. Aqui como sempre a
história põe o selo irrecusável da confirmação dos fatos às conclusões
teóricas da filosofia social.28
25 Idem. Ibidem. p. 191.
26 Idem. Ibidem. (O itálico é nosso).
27 FRANCA, Leonel. A Igreja, A Reforma e A Civilização. 7ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 1958. p. 339.
28 Idem. Ibidem. p. 267.
11
BIBLIOGRAFIA
HITLHER, A. Mein Kampf. In: FRANCA, Leonel. A Crise do Mundo Moderno. 2ª ed. Rio
de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1942.
FRANCA, Leonel. A Crise do Mundo Moderno. 2ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio Editora, 1942.
____. A Igreja, A Reforma e A Civilização. 7ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 1958.

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