RONALDO BRASIL DOS SANTOS RESENHA DO TEXTO: "UNIVERSIDADE" DE JACQUES VERGER
São Cristóvão, Outubro de 2010
Nascido em 1943, em Telence Gironde na França, Jacques Verger, além de ser especialista em estudo dos saberes na Idade Média, é doutor em letras e leciona na Universidade de Paris XIII, além de ter estudado na École Normale Superieure e professor assistente na Universidade de Nancy. O estudo de Verger aborda os reflexos da intelectualidade medieval e sua ligação com a criação de uma nova instituição de ensino: a universidade.
Para esse historiador, podemos definir as origens dessa corporação de ensino a partir de suas relações com o poder papal sobre as escolas já existentes. Nesse sentido, do ponto de vista de Verger, não se pode entender as origens das universidades sem considerar os acontecimentos sociais que marcaram o Ocidente medieval do século XIII. Exatamente por isso, o autor vincula tais origens aos principais aspectos históricos desse período.
Como parte da reunião de diversas temáticas medievais na obra Dicionário Temático do Ocidente Medieval, na coordenação de Jacques Le Gof e Jean-Claud Schmitt e com a coordenação de tradução de Hilário Franco Junior; o capítulo que fala sobre as universidades faz uma análise de pontos importantíssimos que ajudam a entender a formação e algumas mudanças de uma instituição que hoje se faz atual, porém com traços históricos marcantes do Medievo desde do século XIII. Como forte herança medieval, as universidades surgiram a partir de uma forma especial e fortificada de instituições escolares pré-existentes, formando um paralelismo com o ressurgimento da importância das cidades e uma sociedade repleta de demanda intelectual formal que abrangesse não somente o setor religioso, porém político e até mesmo laico. Essa aplicação foi manuseada e vigiada, a priori, pelo catolicismo e acabou servindo como meio de acentuar mais uma grande contribuição medieval no campo da pesquisa histórica com produção bastante ampla que auxilia nos estudos sobre um período que ainda vive entre nós, principalmente no aspecto cultural.
Anteriormente ao século XIII, a diminuição no número de escolas laicas significou o aumento do controle da igreja Católica sobre o ensino, o que culminou numa série de medidas como, por exemplo, o decreto da obrigatoriedade de bispos titulares organizarem escolas e a formação de sistemas pedagógicos que firmemente estivesse voltado parta a aplicabilidade da fé, seguindo padrões de estatutos clericais. Sem esquecer o público alvo, que eram jovens clérigos e filhos de uma elite aristocrática.
Já no século XIII, com a institucionalização das universidades, acontece uma profunda reformulação do ensino e agremiação de Faculdades Superiores como as de Direito Canônico, Medicina, Artes e Teologia. A atuação dos mestres era regida através de apoio, como isenções judiciais e fiscais e privilégios de reis, bispos e do papa em troca de fidelidade ao sistema de ensino católico.
A partir de meados de 1250, a universalidade e autonomia das universidades cederam espaço às ações particulares de cada principado, que se interessou também por
formar juristas para atuar em seus serviços administrativos, o que pode ser definido como uma integração universitária à nova ordem política da Baixa Idade Média. Essa submissão regional ao poder do rei significou um declínio da universalidade e autonomia das universidades. Assim, essas instituições passaram a exercer determinado papel político, não deixando de atender a demanda da igreja católica e, de maneira discreta, às novas aspirações das cidades em expansão.
Como exímio medievalista contemporâneo, Jacques Verger se aproxima de uma análise profunda em poucas páginas e coloca questões estritamente necessárias para entender como os componentes de formação das universidades se interpuseram de maneira profícua em sua caminhada desde suas origens. Também faz uma rápida introdução, colocando pontos relevantes dos antecedentes das universidades, as primeiras faculdades formadas e destaca o pioneirismo de duas grandes universidades do período: a de Paris na França e a de Bolonha na Itália. Outras universidades de menores proporções são citadas como a de Oxford, Cambridge e Montpellier que foram tão antigas quanto Paris e Bolonha, porém abrigavam quantidade menor de estudantes.
As Universidades de Paris e de Bolonha se destacaram por sua abrangência, acolhendo grande número de estudantes que chegavam de outras regiões. A principal diferença entre ambas é que em Paris eram formadas por uma federação de escolas e em Bolonha Por uma organização comunitária de estudantes. Cada um ensinava a sua maneira. A forma de organização das aulas era livre o que permitia a privatização do ensino desde que o estudante tivesse condições de pagar individualmente ao mestre, este, por sua vez, era reconhecido pelo cargo eclesiástico antes de ser um intelectual ou professor. Tal tratamento demonstra a origem religiosa de mestres e alunos.
Jacques Verger faz diversos apontamentos com relação às características originais da formação das universidades como instituição eclesiástica e dedica um tópico ao seu crescimento após o ano de 1250 com o surgimento de novas universidades em novas regiões.
Com a ruptura de 1378 e posteriormente um suposto declínio, Verger deixa uma interrogação para que cada leitor tire suas próprias conclusões sobre se realmente houve declínio nas universidades na Baixa Idade Média. Devido ao seu estudo sobre o saber da sociedade medieval, o autor não poderia deixar de abordar a importância da função social e do papel cultural que a universidade representou como instituição autêntica medieval.
Na óptica de autor, a universidade na Idade Média passou por um processo paradoxal em virtude da autonomia que lhe foi conferida em princípios de sua estruturação no século XIII, e dessa perda de autonomia para seu crescimento em diversas regiões.
Outro ponto que sucinta questionamentos é a forma de tratamento dado à universidade como uma instituição com pleno universalismo teórico em detrimento de uma real autonomia. Percebe-se que toda reputação dada à universidade pode ser explicada a partir da necessidade de a igreja católica ter uma forte instituição, embora fortalecida por ela mesma, como aliada para enfrentar as conturbações da Baixa Idade Média.
De acordo com o posicionamento de Verger, em poucas palavras, podemos salientar que a universidade é filha do catolicismo, pois suas características originais, a princípio, foram empréstimo do que a igreja já possuía. A intelectualidade, que posteriormente tornou-se perigosa, primeiramente surge como solução para aumentar o número de funcionários a serviço da teologia, e já abraçava a filosofia para elaborar novas verdades e explicações que uma sociedade cada vez mais urbana exigia. O prestígio atribuído às universidades fazia parte das tentativas de controle que se fazia na política e economia dando liberdade a um e limitando o outro, este por querer se dissipar. Para o abade Ruperto de Dents: "As cidades são ímpias" era uma forma de impedir seu avanço sem a tutela católica. No ensino católico, havia o estímulo à intelectualização de alunos de uma elite aristocrática fiel à igreja. O ensino laico, embora sua existência fosse inevitável, se mantinha distante do prestígio papal.
De qualquer forma, mesmo existindo, a priori, um ensino laico ou não oficial, a igreja conseguiu fazer da universidade sua imagem e semelhança. Embora Verger exponha uma maneira de organização e por não haver uma proibição do ensino privado, como o próprio Hilário F. Jr confirma que a universidade foi espontânea.
Já a associação de mestres e estudantes que, na opinião de Verger, atendia de maneira satisfatória a demanda social, teve a função peculiar de formar intelectuais católicos e filósofos/teólogos entre os séculos XIV e XV. Todo o universalismo e autonomia regionalizaram-se cada vez mais, talvez por conta das transformações que a sociedade européia passava e por conta dos reflexos da posição da igreja diante dessa nova e complexa sociedade, o ensino se inclinou para os cuidados do Estado que, apesar de ser católico, permitiu que as universidades se expandissem. Se a perda de autonomia realmente for considerada um declínio, a forma direta de controle da igreja no século XIII não permitia alguma ascensão. Ou então, na verdade, tivemos a falência de uma universidade, assim como muitas instituições medievais, para a ascensão de outro tipo? Jacques Verger não demonstra este olhar de ruptura, mas explicita que a universidade se modificou com o passar dos séculos e alimentou a igreja com teólogos, o estado com juristas para atender suas pendências e contribuiu para o estudo científico, principalmente na área de medicina. Enquanto a cultura clerical tenta universalizar-se com o uso de sua língua oficial, o latim, o crescimento regional das universidades proporcionou outros tipos de autonomia nunca antes tidos.
Outro ponto considerado importante abordado por Verger foi o de frisar que as universidades formavam a elite que futuramente governaria autos cargos públicos e eclesiásticos. Portanto não havia uma universidade democrática, e sim exclusa, isso comparado ao sistema universitário contemporâneo, tendo em vista que para o período ela poderia ser considerada democrática.
Em fim, essa intelectualização na igreja e no estado serviria, durante certo tempo, para equilibrar as forças entre a crescente economia mercantilista e os tradicionais valores religiosos da Idade Média.
A razão de ser das universidades nas palavras de Jacques Verger contempla uma amálgama interessante e explicativa que se tornar convidativa para a leitura de suas obras, na
oportunidade de uma abordagem ainda mais extensa e sistemática. Conhecer a universidade em sua totalidade é a oportunidade que a contemporaneidade tem de conhecer a Idade Média e a si mesmo, faz parte da cultura e ainda mais de uma mentalidade.
Certamente, os diversos olhares propostos por Jacques Verger deixam-nos cientes do cuidado ao classificar e criticar a origem e contribuição da universidade para a sociedade ocidental, ela não poderia deixar de ser produto do seu tempo, nem tão pouco se separar totalmente de suas características originais com o passar dos séculos. Não restam dúvidas sobre o cumprimento de sua função estritamente necessária às aspirações da Baixa Idade Média: "Afastar as nuvens da ignorância, dissipar as trevas do erro, colocar atos e obras à luz da verdade, exaltar o nome de Deus e da fé católica [...], ser útil à comunidade e aos indivíduos, aumentar a felicidade dos homens" (Bula de fundação da Universidade de Colônia, em 21 de maio de 1388).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FRANCO JR, Hilário. Idade Média, nascimento do ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006.
LE GOFF, J.; SCHMITT, Jean-Claude. Coordenador de tradução: Hilário Franco Júnior. Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru, SP:
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ORIGEM DAS UNIVERSIDADES publicado 15/10/2010 por Ronaldo Brasil dos Santos em http://www.webartigos.com