2. BREVE EXPOSIÇÃO DO DARWINISMO
A
predominância da explicação darwinista para o fenômeno da evolução é tão
grande que torna
obrigatório fazermos um breve
resumo das suas idéias básicas. O tema não é tão simples como parece,
pois a obra de Darwin foi publicada há mais de século e meio; a ela já
se fizeram numerosos acréscimos e várias das suas teses originais foram
abandonadas. Mesmo assim, continuaremos a empregar o termo “darwinismo”,
tanto para a obra de Darwin como para as suas derivações posteriores
que mantiveram as mesmas idéias básicas. Estas últimas receberam
diversos nomes, que omitiremos em favor da clareza da exposição.
O núcleo da idéia de Darwin, apresentada num artigo em co-autoria com Wallace, mas popularizada depois na sua obra A origem das espécies (1859), consiste basicamente na união de três noções: variação, seleção e acumulação.
Folha de rosto da primeira edição de A origem das espécies.
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2.1. Variações espontâneas
A
variação, mais do que uma idéia explicativa, é uma constatação elementar
que resulta da observação da Natureza. Numa população de animais da
mesma espécie, não existem dois idênticos: há sempre pequenas variações
entre os diversos exemplares. Trata-se de um assunto que os pecuaristas e
os que trabalham com animais conhecem bem, pois a familiaridade
torna-os capazes de distinguir pequenas diferenças que passam
desapercebidas aos olhos de um leigo. As pequenas diferenças
morfológicas ou funcionais são o ponto de apoio para toda a tese de
Darwin.
2.2. Seleção natural
A seleção é uma idéia que Darwin tomou de Malthus e aplicou à Natureza. Com a sua obra Ensaio sobre a população
(1798), Malthus popularizou entre as classes cultas da Inglaterra a
idéia de que o ritmo de crescimento da população segue uma progressão
geométrica, ao passo que o da produção de alimentos segue uma progressão
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Folha de rosto da primeira edição de A origem das espécies. |
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aritmética. A conseqüência automática seria a fome no futuro. Com
outras palavras: a vida do homem é uma dura luta pela sobrevivência,
simplesmente por causa da escassez de alimentos. É uma tese que reflete
visivelmente a competição comercial da Inglaterra nos começos da
Revolução Industrial.
Darwin transfere
essa consideração da Sociedade para Natureza; para ele, a sobrevivência
dos seres vivos é uma tarefa difícil, pois estes se encontram ameaçados
por múltiplos perigos e problemas: escassez de alimentos, inclemências
do tempo, ameaças dos predadores, etc. A vida é uma dura luta pela
sobrevivência. Nessa luta, somente os que estão mais bem dotados são
capazes de sobreviver e gerar descendentes. A Natureza, devido ao seu
caráter duro e implacável, vai filtrando as variações espontâneas até
que, por eliminação das formas menos aptas para sobreviver, os seres de
uma espécie ganhem novas formas.
2.3. Acumulação de variações
Por último,
Darwin aceita que todo o processo evolutivo se deu por acumulação
progressiva de pequenas variações espontâneas que vão sendo filtradas
pela dureza da seleção natural. Em alguns momentos, ele se pergunta
abertamente como podem todas as formas vivas ter surgido mediante um
processo tão elementar, mas diz que, apesar das suas dúvidas, reafirma a
sua tese, pensando no tempo enorme que esse processo pôde empregar para
ir produzindo as diferentes formas.
2.4. Outras idéias
A obra original
de Darwin contém muitas outras idéias e sugestões: não reluta em aceitar
questões como a herança de caracteres adquiridos (tese que na época
tinha boa aceitação entre os biólogos), ou até mesmo teses
ortogenéticas, isto é, teses que postulam que os seres vivos têm uma
tendência interna à variação.
Mas não nos
devemos iludir com esse ecletismo: Darwin afirma explicitamente que
negar o fenômeno da seleção natural derrubaria toda a sua teoria. Isso
significa que os outros fenômenos que ele menciona só têm um papel
marginal na sua explicação da evolução. O básico são as variações,
unidas à seleção natural e à acumulação progressiva das variações.
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2.5. O neodarwinismo
O botanista holandês Hugo de Vries (1848-1935) que aplicou a teoria das mutações genéticas à teoria evolucionista.
Falar de
neodarwinismo em bloco é uma simplificação excessiva. Mas de qualquer
forma é possível resumir a sua principal contribuição: acrescentar a
teoria genética às idéias de Darwin (mediante a teoria sintética de Hugo
de Vries). Enquanto Darwin, ao falar das variações, se referia somente
às constatações da observação, o neodarwinismo afirma ter descoberto a
causa de tais variações: as alterações aleatórias da informação
genética. A aparição da teoria genética no começo do século XX foi
decisiva para a formulação dessa tese: embora seja evidente que os
caracteres dos seres vivos são transmitidos às sucessivas gerações, a
teoria genética atribui pela primeira vez essa transmissão a um
componente material dentro da célula. Inicialmente, esse componente foi
chamado de plasma germinal, e posteriormente recebeu o nome de gene; mas
a sua estrutura e o seu modo de guardar a informação só foram
descobertos muito tempo depois.
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O botanista holandês Hugo de Vries (1848-1935) que aplicou a teoria das mutações genéticas à teoria evolucionista |
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Em suas primeiras versões,
afirmava-se que toda e qualquer característica de um ser vivo
corresponde a um gene que determina de modo unívoco a existência de
tal característica. A teoria sintética simplesmente limitava-se a
aplicar a teoria genética às variações observadas: variações
morfológicas ou de qualquer outro tipo devem-se às variações dos
genes. Quando as teses da genética foram definidas mais claramente,
essas variações casuais passaram a ser chamadas de mutações
aleatórias: é o que hoje se ensina já nas primeiras lições de Biologia.
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3. ALGUNS AJUSTES CONCEITUAIS
Embora
aparentemente explique a evolução biológica de um modo satisfatório, a
teoria darwinista contém vários erros conceituais e mal-entendidos dos
quais raramente se fala, mas que são básicos para que se possa entender a
fragilidade dessa explicação.
3.1. Morfologia e espécie
Em primeiro
lugar, na obra inicial de Darwin, o termo “espécie” só aparece no
título: não é mencionado em nenhum outro trecho do livro. Na realidade, o
que se tenta dar é apenas uma explicação para a mudança morfológica dos
seres vivos, e não para a sua espécie. A questão sobre como uma mudança
de espécie pode ocorrer por acumulação de variações foi introduzida no
darwinismo num momento bem posterior, mediante o conceito de
“especiação”: existem mudanças evolutivas, mas somente algumas delas
levam a mudanças de espécie, ou seja, só algumas acarretam especiação.
O próprio
Darwin chega a reconhecer a sua frustração e os problemas quase
insolúveis com que depara quando tenta determinar, numa série de
exemplares que descreve, se são espécies diferentes ou variedades de uma
mesma espécie. Depois de escrever um artigo científico num dos
sentidos, não se convence, deixa-o de lado e escreve outro no sentido
oposto, para depois abandoná-lo também e voltar ao enfoque original.
Dessa perplexidade de Darwin podemos tirar uma lição bem clara: uma
mudança de espécie não é uma mera mudança de morfologia.
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Os pintassilgos que Darwin descreveu nas Ilhas Galápagos.
A ilustração é do livro A origem das espécies. |
3.2. Morfologia e padrão
O
problema da determinação da espécie por meio de critérios exclusivamente
científicos ou biológicos é insolúvel. Existe uma evidência intelectual
da espécie: é a natureza ou essência de um ser vivo. Mas as evidências
proporcionadas pela Ciência são de outro tipo (estritamente baseadas nos
dados observados): por isso ela é não é capaz de dizer nada a esse
respeito. A Ciência deve pautar-se pela evidência intelectual comum e
organizar-se de acordo com ela, para depois, mediante raciocínios,
identificar as espécies de acordo com os dados da observação.
Quando se
aplica esse critério do conhecimento comum (ou do bom senso) à questão
da espécie, chega-se à conclusão de que, do ponto de vista científico,
uma espécie caracteriza-se por ter um padrão morfológico estável (dentro
de uma certa margem de variações, maiores ou menores, que não o
desfiguram). Com a geração, com os cruzamentos, etc. aparecem variações
entre os diferentes indivíduos que não rompem esse padrão estável.
Para
explicar a evolução, seria preciso explicar por que aparecem novos
padrões morfológicos estáveis: esse seria o único enfoque
cientificamente aceitável, pois procuraria identificar um substrato
material utilizando os seus próprios métodos. Isso nunca foi feito, e
nem sequer tentado seriamente (em parte, por causa da perda de foco no
problema, causada pelo próprio darwinismo).
3.3. Origem e seleção
Por último,
é evidente que as teses darwinistas partem da constatação da variedade,
mas não a explicam. Com a chegada da genética, já em pleno século XX,
tenta-se explicar essa variedade como resultado de mutações ao acaso.
Mas, como é bem sabido, o acaso como causa é muito pobre e dificilmente
consegue explicar alguma coisa, ainda mais no que se refere à enorme
riqueza que vemos nos seres vivos, mesmo nos mais elementares; uma
riqueza que se mostra cada vez maior à medida que a Biologia progride
nas suas descobertas.
O que o
darwinismo explica – ou pelo menos pretende explicar – é a filtragem das
distintas formas (variações espontâneas) que os seres vivos assumem. O
seu ponto forte é a seleção natural. Observa-se no entanto que muitas
pessoas, ao simplificarem em demasia as teses darwinistas, acabam
pensando que a origem das formas adaptadas se deve à própria seleção.
Isso já é um erro, pois a seleção apenas elimina as formas não
adaptadas. E se isso é assim, então de onde procedem as tais formas
adaptadas? É óbvio para qualquer pessoa de bom senso que essas formas
não surgem por acaso.
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4. DARWINISMO E CIENTIFICISMO
Acabamos de
esboçar, de modo muito sumário, o panorama atual da evolução, cujo
ponto de vista é fundamentalmente darwinista. E já começaram a surgir
algumas questões passíveis de crítica: daqui para a frente, tentaremos
desenvolver essa visão crítica, centrada num pequeno número de pontos
que nos parecem ser especialmente interessantes. Os primeiros versarão
sobre o cientificismo para o qual pendem as explicações darwinistas.
4.1. Apenas ciência
Um dos
apelos que tornaram a explicação darwinista tão popular hoje em dia é a
sua pretensão de ser uma explicação exclusivamente científica. É
possível mesmo acrescentar que é a única, pois até agora não apareceu
nenhuma outra explicação que alcançasse alguma popularidade. Por isso o
darwinismo – sob formas mais ou menos desenvolvidas – reina absoluto no
panorama atual.
Para a
cultura contemporânea, a explicação mais válida para a realidade é a
explicação científica. Para quem vê o mundo assim, é muito conveniente
dispor de uma explicação do fenômeno evolutivo que afirme ser (embora na
verdade não o seja) exclusivamente científica.
4.2. Rejeição de Deus
Além de
contar com a simpatia da mentalidade cientificista atual, a explicação
darwinista presta-se ao jogo das ideologias materialistas e
mecanicistas.
Ao longo do
século XIX, todas as outras teorias sobre a evolução aliavam as
explicações que hoje consideramos científicas a outras de cunho
fortemente filosófico: questões sobre a finalidade natural, sobre
tendências naturais na evolução dos seres vivos, etc., que aliás sempre
foram clássicas nos estudos sobre a Filosofia da Natureza. Partindo
desses temas, e também de outros, a reflexão filosófica sempre procurou
dar prosseguimento aos seus raciocínios até chegar a Deus, cuja
existência justifica – do ponto de vista teórico – essas finalidades e
tendências na Natureza.
Com o
darwinismo, a explicação torna-se meramente científica e desaparecem as
aludidas questões filosóficas (que no entanto continuam a ser
pertinentes): a partir desse momento, Deus já não é mais necessário no
quadro da evolução. Neste ponto, convém esclarecer o seguinte: não se
trata de afirmar que Deus cria a evolução, mas sim de que a observação
da Natureza leva, por reflexão, à consideração de Deus como fundamento
da realidade que se está observando, incluída a evolução.
Em suma:
com o darwinismo, aparece a possibilidade de expulsar Deus da visão de
uma Natureza em contínua evolução, já que se trata de uma explicação
“puramente” mecânica ou biológica. Quando os contemporâneos de Darwin o
acusavam de ateu, estavam percebendo como tudo isso ia acabar.
4.3. Darwinismo e fundamentalismo
Esse matiz
ateu das teses darwinistas (claramente reforçado por muitos autores
neodarwinistas posteriores) provocou uma reação dos cristãos: uma reação
que se estendeu ao longo do século XX sob diversas formas,
especialmente no âmbito norte-americano. Basicamente, o que se fez foi
rejeitar em bloco a idéia de evolução biológica e as suas explicações
darwinistas, justamente porque essas idéias (na sua versão materialista)
se opõem às verdades religiosas sobre a criação e sobre o mundo.
Por isso
começaram a ser movidas diversas ações judiciais nos Estados Unidos no
sentido de garantir que as teses darwinistas (ou evolucionistas) fossem
ensinadas nas escolas públicas apenas como sendo meras hipóteses, e
exigindo que se dedicasse um igual número de horas ao ensino das teses
criacionistas, propondo-as como uma alternativa à explicação científica.
Atitudes
como essa derivam de uma confusão entre os diferentes planos
explicativos da realidade (o científico e o filosófico) e também de uma
simplificação: tanto da postura científica (reduzir a evolução à sua
explicação darwinista, e esta à sua versão materialista) como da postura
religiosa (reduzir a criação à produção direta de cada coisa por Deus
no exato momento em que começa a existir, sem diferenciar a causalidade
transcendente de Deus da causalidade imanente do mundo).
4.4. O novo conservadorismo
Esse clima
de “guerra entre ciência e religião” mudou nos últimos anos, a partir do
momento em que começaram a surgir críticas ao darwinismo dentro do
próprio campo da ciência, por parte da chamada escola do intelligent design.
A sua idéia de fundo é relativamente simples: o mecanismo postulado
pelo darwinismo não explica o surgimento de sistemas irredutivelmente
complexos. Tais sistemas não podem proceder de outros mais simples,
mediante pequenas variações, precisamente porque os sistemas mais
simples não são funcionais; existe um grau máximo de simplificação, além
do qual já não há tal funcionalidade. Encontram-se na Natureza muitos
exemplos de funcionalidade irredutível, cuja origem não pode ser
explicada pelo darwinismo.
A saída que
os partidários dessa escola encontraram para explicar os sistemas
irredutivelmente complexos foi afirmar que eles são fruto de um projeto
inteligente (intelligent design), pois a sua funcionalidade
exibe uma finalidade (um “para quê”) evidente. Mas, ao formularem essa
explicação, evitam entrar em maiores profundidades filosóficas.
Essa
oposição ao darwinismo (que o público e muitos biólogos erradamente
interpretam como uma oposição à própria idéia de evolução) obviamente
não é feita a partir de uma visão religiosa do assunto. Sendo assim, a
discussão que antes era entre Ciência e Fé derivou para uma discussão
entre liberais e conservadores, na qual estes últimos não têm uma
posição explicitamente baseada em idéias religiosas.
Como já
vimos, o trabalho de divulgação científica levado a cabo por
evolucionistas materialistas e ateus (como Carl Sagan e Richard Dawkins,
entre outros) influiu decisivamente para que surgissem atitudes desse
tipo contra o darwinismo (e também contra a evolução, conforme a
simplificação já mencionada). A pressão no sentido de criar um clima de
opinião materialista foi tanta que acabou por produzir uma reação – em
alguns casos puro fruto da irritação, mas em outros muito justificada –
por parte dos que não se consideram materialistas nem ateus. Isso fez
também com que certas questões claramente filosóficas (embora atualmente
não sejam chamadas assim) retornassem ao âmbito da explicação.
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5. O DARWINISMO EM APUROS
Voltando
à questão do darwinismo em si, não podemos deixar de mencionar as
dificuldades de natureza exclusivamente científica que lhe foram
levantadas nas últimas décadas. Até mesmo a enumeração das principais
que surgiram a partir dos anos 1970 já seria muito demorada, mas não
podemos deixar de aludir a obras como a do zoólogo Grassé, que com base
na sua ciência denuncia a incapacidade do darwinismo para explicar o que
pretende.
A fim
de mostrar com certa profundidade uma das dificuldades apontadas nestas
décadas, descreveremos a questão do equilíbrio pontuado e a resposta
que lhe deram os darwinistas: a chamada especiação alopátrica.
Terminaremos mencionando brevemente outras dificuldades, para que se
veja que o reinado das idéias darwinistas não é indiscutível, apesar do
seu esmagador predomínio na época atual.
5.1. O equilíbrio pontuado
Já
era evidente desde o século XIX que as diferenças entre os diversos
restos fósseis não seguiam uma graduação suave. Mas a explicação de
Darwin era que toda a evolução se processou por meio de variações
minúsculas, e portanto, entre duas formas quaisquer claramente
diferenciadas, deveriam existir restos das formas intermediárias. E por
que não são encontrados?
A
resposta dada no século XIX foi de que isso se devia às falhas no
registro fóssil: nem todo o ser vivo deixa restos fossilizados, e os que
estavam sendo descobertos ainda eram poucos; por isso era lógico que
nem todas as formas intermédias estivessem já à disposição. No entanto,
com o decorrer dos anos a situação não melhorou, e assim permanece até
hoje: não apareceram formas intermédias da transição entre formas
claramente diferentes. As novas descobertas de fósseis parecem estar
configurando um quadro repleto de formas escalonadas, mas nunca
suavizando a transição entre as formas já conhecidas.
O trabalho de Stephen Jay Gould, nos anos 70, foi o que consagrou a expressão equilíbrio pontuado
para referir-se a esse fenômeno. Depois de estudar uma série
especialmente nítida de fósseis, Gould concluiu que a nossa busca por
“elos perdidos” provavelmente nunca dará frutos, e que a evolução só
deixou vestígios descontínuos.
Isto
porém acarreta um grave problema para o darwinismo ortodoxo, já que os
fatos observados desmentiriam a teoria. A maneira encontrada para
compatibilizar as teses darwinistas com as observações foi a hipótese da
especiação alopátrica.
5.2. Especiação alopátrica
O
próprio Darwin já havia notado que as possibilidades de uma variação ser
transmitida à descendência são pequenas quando os indivíduos de uma
determinada população têm muita liberdade para se reproduzirem. Nesse
caso, a característica vantajosa dilui-se na população sem repercutir na
forma dos indivíduos de toda a espécie.
Essa
dificuldade, notada já nos começos da teoria sintética, foi explicada
nos anos 1940 partindo do fato de que a diluição e desaparecimento da
nova característica não tem por que ocorrer se essa característica surge
em populações pequenas e de alguma forma isoladas. O caso mais simples é
o de uma ilha: de fato, é muito freqüente encontrar em ilhas uma flora e
uma fauna autóctones, o que parece apoiar essa hipótese.
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O lago Turkana, no Quênia (África) |
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Na
década de 1980, observações feitas com conchas de mexilhões no lago
Turkana ressaltaram a inexistência de formas intermédias nesse caso
concreto, minuciosamente analisado. Isso levantou dois sérios problemas:
em que consiste o isolamento nessas circunstâncias?; e por que em
alguns casos ocorrem saltos evolutivos e em outros as espécies
permanecem estáveis? Na época, a revista Nature comentou essas
experiências num artigo, fazendo uma pergunta retórica: a explicação
darwinista falhou? (obviamente a resposta era que não, bem de acordo com
a sua conhecida linha editorial).
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Embora o problema seja
mais complicado do que sugere o breve resumo apresentado aqui, tudo
parece indicar que a chamada especiação alopátrica não passa de uma explicação ad hoc
confeccionada para salvar ao mesmo tempo a explicação darwinista e os
saltos entre as formas nos registros fósseis suficientemente completos.
5.3. Observando e experimentando
É
óbvio que a evolução por saltos – para a qual a saída darwinista foi a
especiação alopátrica – é apenas uma das dificuldades enfrentadas pela
hipótese neodarwinista. A modo de exemplo, poderíamos citar mais algumas
outras.
Como
dissemos, para explicar a transformação de uma espécie em outra foi
necessário postular que parte da sua população ficou isolada. No
entanto, nunca foi possível relacionar um isolamento concreto com uma
especiação concreta: só existem suspeitas e dados sugestivos (como
aquele da fauna e da flora em ilhas). Em nenhum caso demonstrou-se que a
transformação de uma espécie em outra se deveria a uma determinada
circunstância de isolamento.
Outra
questão diferente e igualmente relevante: nunca foi possível
determinar, para uma espécie dada, nenhum fator concreto que estivesse
implicado na seleção que a consolidou.
Para
tentar contornar essas dificuldades, foram feitas muitas experiências
nas quais se procurou agir sobre a natureza para ver se o mecanismo da
seleção natural funciona mesmo. Uma das mais clássicas foi a de
Kettlewell com as formas escuras e claras da mariposa Biston betularia.
Kettlewell colocou pássaros, troncos de abeto e mariposas num recinto
fechado e observou que, quando os troncos estavam cobertos de fuligem,
os pássaros comiam mais mariposas claras do que escuras, já que as mais
claras eram mais visíveis. Embora o caso parecesse inquestionável,
observou-se posteriormente que na natureza as mariposas não pousam sobre
os troncos, e sim na parte de trás das folhas, onde não podem ser
vistas, quer sejam elas claras ou escuras. Isto sem entrar em detalhes
como o de que os pássaros da experiência estavam famintos e o de que as
mariposas estavam mortas e foram coladas sobre os troncos.
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A experiência de Kettlewell |
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Outra
linha de experimentação consistiu em submeter seres de ciclo vital
muito rápido, como bactérias ou moscas, a condições ambientais forçadas,
com a esperança de conseguir uma especiação num tempo relativamente
curto. Todos as experiências desse tipo fracassaram: só foi possível
obter variações sobre a espécie original, que sempre reaparecia após
cessarem os fatores externos de seleção artificialmente introduzidos no
ambiente. Isto aliás leva-nos a outro problema: não está demonstrado que
a evolução, como fenômeno global (macroevolução), seja resultado do
acúmulo de pequenas variações (microevolução): trata-se apenas de uma
suposição que os darwinistas teimam em manter.
De
qualquer forma, todas essas experiências e observações giram ao redor
da idéia darwinista, seja para comprová-la ou refutá-la. Mas o problema
não é esse, e sim o de explicar a origem das novas formas dos seres
vivos: sobre este assunto, a seleção natural não tem nada a dizer. O
importante é o que se afirme sobre a causa da origem das novas formas
(mesmo admitindo que depois tenham que passar pelo crivo da seleção
natural); o darwinismo, porém, nada diz sobre isso: limita-se a afirmar
que tudo acontece por acaso. Mas todos sabemos por experiência que o
acaso explica muito poucas coisas; não é uma causa como as outras, pois
nem sempre produz o seu efeito (nem mesmo na maioria das vezes).
Quando
procuramos uma explicação para a evolução, o que queremos é encontrar
uma causa autêntica, capaz de explicar o processo de um modo claro,
evidenciando uma lei interna. Atribuir a origem das formas ao acaso é
uma saída pela tangente.
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O biólogo americano Stephen Jay Gould e o seu livro The structure of evolutionary theory |
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6. OS DESDOBRAMENTOS MAIS RECENTES
O
predomínio absoluto do darwinismo, apesar das suas fraquezas internas,
obteve uma confirmação em 2003 com a publicação da obra póstuma de
Stephen Jay Gould, A estrutura da teoria da evolução. Faremos a seguir um resumo parcial da sua linha argumentativa.
Trata-se
de uma obra muito extensa (mais de 1.400 páginas), e era de esperar que
fosse uma revisão e uma refutação de todas as críticas feitas ao
darwinismo nas últimas décadas. Gould – um darwinista convicto e de
muito prestígio – propõe no entanto uma coisa muito diferente.
6.1. Premissas básicas
Logo
no início do livro, empregando o estilo ensaístico que o caracteriza,
Gould compara a teoria da evolução a uma árvore, com uma série de
elementos essenciais que não podem faltar: o tronco, os galhos, os
ramos. Se algum desses elementos falha, não é possível que a estrutura
se mantenha.
Na
teoria da evolução (na versão darwinista que ele defende), haveria
igualmente uma série de elementos que, se falhassem, fariam a teoria
desmoronar. Concretamente, os elementos seriam estes três: (1) as
variações espontâneas dos seres vivos (devidas a variações genéticas ao
acaso); (2) a seleção natural; e (3) a
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afirmação de que todo o processo evolutivo (macroevolução) se reduz à acumulação de pequenas variações microevolutivas.
Seria de esperar que logo a
seguir Gould passasse a defender essas teses das numerosas críticas que
receberam: (1) Reduzir toda a novidade biológica às mudanças ao acaso
não resiste a uma análise medianamente séria, nem biológica nem
filosófica; (2) a seleção natural – que concebe a Natureza como palco de
uma dura luta pela sobrevivência – não bate com o que se observa
espontaneamente, que mais parece uma explosão de vida, com muito poucos
obstáculos (isso sem falar que o significado de “seleção natural” nunca
foi estabelecido com precisão: cada autor tem uma interpretação
diferente para o que significa “mudança de espécie”, e nenhuma delas foi
comprovada); e (3) não está demonstrado – como já dissemos – que a
macroevolução é microevolução acumulada: isso não passa de mera
suposição.
6.2. Coisas indiscutíveis e problemas inexistentes
Gould,
porém, não faz nenhuma defesa desses pontos-chave. Simplesmente afirma
que, se não aceitarmos esses pontos básicos, ficaremos sem nenhuma
explicação para a evolução. É paradoxal que o principal sustentáculo das
atuais teses darwinistas seja uma afirmação tão insubstancial como
essa: a de que não existe nenhuma alternativa medianamente detalhada
para explicar a evolução.
Trata-se
de um problema basicamente psicológico: ninguém gosta de estar rodeado
de dados brutos para os quais não possui uma chave interpretativa. Para
quem está numa situação assim, agarrar-se a uma explicação “manca”
(melhor seria dizer falsa, pois não se ajusta aos dados observados) é
melhor do que ficar com os meros dados, à espera de que apareça alguém
com talento suficiente para indicar qual o caminho que uma explicação
adequada deve seguir.
Depois
dessa afirmação inicial, toda a obra se dedica a perfilar questões de
detalhe: os problemas de fundo (o acaso como causa das formas, a seleção
e a macroevolução como microevolução acumulada) são varridos para
debaixo do tapete. Essa atitude, que seria normal em um ou outro biólogo
– talvez até mesmo num especialista em evolução –, não deixa de chamar a
atenção em Gould, de quem se esperava uma visão científica mais crítica
e que possuísse conhecimentos suficientes para apontar alternativas
sérias para alguns dos pontos-chave do darwinismo. Fixação ideológica
nas teses darwinistas? É uma hipótese plausível.
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7. ERROS DE ABORDAGEM
Uma crítica
como a que fizemos pode ser válida no caso de Gould – possuidor de um
saber enciclopédico nesses temas -, mas não no da maioria dos outros
autores darwinistas, que têm uma enorme dificuldade para enxergar outra
solução diferente do darwinismo em virtude de uma série de idéias
preconcebidas em Biologia que gozam de excessiva difusão. Vejamos alguns
desses preconceitos, que me parecem ser os principais, embora seja
possível trazer à tona outros mais.
7.1. O paradigma genético
Como já mencionamos, quando Darwin escreveu A origem das espécies,
parte da sua explicação baseou-se nas observações que ele mesmo fez
sobre a variação espontânea: nem todos os exemplares de uma espécie são
iguais. Mas Darwin não aponta uma causa para essa variedade morfológica,
pois a Biologia da época ainda não tinha uma explicação para esse fato.
A
explicação do fenômeno só veio a ser formulada no começo do século XX,
quando Weisman sugeriu a idéia do “plasma germinal”, isto é: de que uma
certa parte do conteúdo líquido (o “plasma”) da célula seria a
responsável pela transmissão dos caracteres hereditários à descendência.
Apenas esse “plasma germinal” determinaria as características do
indivíduo: o resto não. Com o passar do tempo, essa noção foi sendo mais
perfilada: primeiro veio o conceito de gene (unidade de informação);
depois soube-se que o material genético está no núcleo da célula; mais
tarde (nos anos 1950), ficou conhecida a sua composição química e como a
informação é codificada.
Essas
descobertas iniciais legaram à Biologia o paradigma genético: cada
característica do indivíduo deve-se a um gene que a codifica. De acordo
com essa idéia inicial foi surgindo a mentalidade de que os genes dos
seres vivos têm a chave para podermos entender e dominar a Biologia. De
fato, a pesquisa biológica das últimas décadas direcionou-se para esse
terreno, movida em parte por essa suposição, que se tornou uma
mentalidade comum hoje em dia.
Uma vez que
os biólogos passaram a ter essa idéia em mente, foi possível
desenvolver a teoria sintética, que fornecia uma explicação muito
imediata para as observações de Darwin sobre as variações dos indivíduos
de uma população: se a forma é causada unicamente pelos genes, então as
variações das formas deverão ser produto das variações dos genes; e se
as variações das formas são aparentemente aleatórias, também deverão ser
aleatórias as variações dos genes que as causam.
Mas se
levarmos em conta os avanços da própria Biologia, esse paradigma, que
permitiu o atual florescimento da genética, é hoje em dia insustentável.
Mais adiante voltaremos ao assunto com outras detalhes.
7.2. A luta pela vida
O
indiscutido reinado das teses darwinistas por mais de meio século, e seu
ensino às crianças desde a mais tenra idade, contribuíram em boa medida
para que arraigasse um segundo preconceito entre os biólogos: a idéia
de seleção natural, que está associada à visão da Natureza como palco de
uma árdua luta pela sobrevivência.
É óbvio que
uma tal visão da Natureza é resultado de uma interpretação das
realidades observadas. Estas são muito mais modestas, e penso que
interpretá-las assim é forçar muito as coisas. Com isso não quero dizer
que a manutenção da vida careça de problemas: todas as atividades vitais
procuram manter a sua individualidade, e nisso o meio não ajuda, sendo
portanto necessário um esforço por parte do ser vivente. Não é preciso
ir muito longe para achar um exemplo: a própria homeostase, a
auto-regulação dos organismos, depende de que existam processos ativos
que mantenham o meio interno em condições razoavelmente estáveis,
independentemente de como está o meio externo. Mesmo assim, querer ver
uma “luta pela vida” até em realidades elementares como essa, e ainda
por cima afirmar que essa é uma boa descrição da Natureza parece-me um
exagero excessivo.
Contudo,
parece-me que essa extrapolação incorreta tem uma outra origem: a
observação da atividade predatória dos seres vivos uns sobre os outros.
Observam-se cenas de caça ou de alimentação, em que uns seres vivos
dependem da morte de outros para viver, e a seguir se extrapola dizendo
que a vida de ambos é uma luta pela sobrevivência: a do predador para
conseguir a sua presa, e a da presa para escapar e continuar a viver.
Pode até ser que para um indivíduo concreto isso seja verdade, mas como
diz o ditado, “uma andorinha não faz verão”: da observação de uma cena
de caça não se pode deduzir que a espécie predatória está nas últimas,
nem que a espécie caçada está em vias de extinção. Para fazer uma
afirmação dessas, é preciso observar ambas as espécies de um modo
completo e global.
Muitas das
espécies que se envolvem em caçadas e perseguições – como as sardinhas e
os bonitos ou as libélulas e as efêmeras – não têm o menor problema
para continuar a existir por muitas gerações. A vida de um de seus
indivíduos pode ver-se ameaçada por um predador concreto, mas isso não
significa nada para a espécie como um todo. Interpretar o cenário de uma
espécie inteira, ou até mesmo da Natureza em seu conjunto, como palco
de uma dura luta pela sobrevivência, só porque se observam cenas de
caça, é uma afirmação claramente desfocada.
O homem vê
caçadas e perseguições há milhares de anos, mas só muito recentemente –
depois que surgiram as teses darwinistas – isso foi interpretado como
luta pela vida. A interpretação de sempre, muito mais coerente com os
fatos observados, é a de que o mundo é um conjunto harmonicamente
ordenado: nele ocorrem cenas de violência, mas isso não implica que a
visão geral da Natureza precise ser modificada.
Seria
possível aduzir muitas observações em sentido contrário ao da
interpretação do mundo como luta. Os pássaros, por exemplo, na época do
acasalamento, mostram-se com a sua plumagem mais colorida, ficam muitas
vezes em lugares bem visíveis e se põem a cantar: se a sua vida
estivesse por um fio, condutas desse tipo seriam inviáveis. Resumindo: o
mundo é um lugar basicamente pacífico. Basta perguntar aos repórteres
do mundo animal: quando querem filmar cenas de caça, ficam sempre à
beira de desistir, de tão difícil que é.
7.3. A complexidade da vida
Outro
preconceito freqüente em Biologia é o abuso do método analítico, que
acaba por criar uma mentalidade mecanicista na interpretação da
realidade biológica. O método científico analítico isola artificialmente
as realidades que estuda, separando-as do resto, e tenta estabelecer o
seu modo de funcionamento. Quem começa por esse tipo de estudos termina
pensando que o ser vivo nada mais é do que a soma dos mecanismos
elementares que a Ciência vai descobrindo. E isso é um erro de
abordagem.
Vejamos,
por exemplo, a relação gene-forma: hoje está suficientemente esclarecido
que a relação entre a forma e a informação genética não é direta.
Embora a expressão de alguns genes influa decisivamente no aparecimento
das formas dos seres vivos, a forma só depende do código genético muito
indiretamente. Durante o desenvolvimento, a forma é determinada não
somente por aqueles poucos genes que controlam e determinam esse
desenvolvimento, mas também por todos os outros genes que se manifestam,
e além disso pela correta interação entre todos os elementos
componentes do ser vivo e os fatores externos correspondentes.
A forma é o
resultado de uma complexa interação entre todos os elementos do ser
vivo durante o seu desenvolvimento, e não apenas uma simples transcrição
de uma espécie de esquema contido na informação genética (mecanismo
elementar que parece ser o único alvo das pesquisas de muitos biólogos).
Afinal, os seres vivos são realidades complexas, unitárias, onde tudo
tem a ver com tudo em diferentes graus, e por isso a separação do fator
genético não deixa de ser uma deformação derivada da aplicação do método
científico analítico. O que é real é a complexidade orgânica do ser
vivo.
Portanto,
considerar as mudanças nos seres vivos como simples resultados de
mutações ao acaso é, no mínimo, uma simplificação excessiva. Para
encontrar a origem das variações interindividuais nos seres vivos,b será
preciso pesquisar o desenvolvimento embrionário e procurar nele todos
os fatores reais que intervêm na produção da forma de cada ser vivo (alguns desses fatores serão genéticos e muitos
serão não-genéticos). Além disso, será preciso considerar essa
realidade em cada um dos diferentes níveis possíveis de estudo: (1) o do
mecanismo básico (os genes e a sua expressão); (2) o das interações
bioquímicas de nível superior (entre as proteínas produzidas, umas com
as outras e com os genes e com as outras substâncias presentes na
célula); e (3) todos os outros tipos de interações (entre as células,
conjuntos de células e tecidos). Reduzir esse emaranhado a um só fator –
a simples expressão de um certo número de genes – é um erro de
perspectiva.
Podemos
acrescentar que a Biologia não está ainda em condições de dar uma visão
de conjunto do ser vivo que leve simultaneamente em conta os principais
níveis de interação: restam enormes lacunas em seus conhecimentos.
7.4. A miopia do darwinismo
Um último
tema merece ser tratado à parte, embora esteja relacionado com o
mecanicismo que acabamos de mencionar. Trata-se da maneira peculiar com
que o darwinismo encara a evolução, que tem muito de uma visão incorreta
da realidade.
A
explicação biológica que as teses darwinistas dão para a evolução é a já
mencionada combinação de variações e seleção natural. Embora essa
solução tenha numerosas dificuldades (como já vimos), sua virtude é ser
uma explicação muito simples que à primeira vista apreende bem os fatos
observados. Mas quando se tenta aprofundar nela, a questão complica-se,
multiplicam-se os significados heterogêneos e o panorama torna-se
bastante confuso e embaralhado.
É
justamente nessa aparente simplicidade (fator que favoreceu o seu
triunfo) que radica uma das suas dificuldades: partindo do
“descobrimento” desse mecanismo, o darwinismo anuncia que explicou a
evolução. Desse modo extrapola um único fator (que talvez até possa
existir realmente) e afirma que tudo na evolução se reduz a esse
mecanismo proposto ou dele deriva. Todos os outros possíveis fatores
causais passam para um segundo plano ou são considerados sem
importância, e no ensino básico sobre a evolução simplesmente
desaparecem, demonstrando até que ponto tais elementos são tidos como
relativamente acessórios.
Um estudo
científico que pretenda ser sério, porém, não pode limitar-se somente a
um dos elementos que descobre. A realidade é complexa, pode ser
observada em diferentes níveis, e cada um desses níveis deve ter as suas
próprias leis e explicações. O darwinismo esquiva-se dessa necessidade
simplesmente expandindo o mecanismo da seleção a todas as classes
possíveis de observação.
Se Darwin
afirmava que a seleção filtra os indivíduos menos aptos, agora se diz
que há seleção genética individual, reprodutiva, de gerações, etc.,
afirmações tão gratuitas quanto a da seleção de indivíduos e igualmente
baseadas em pequenas observações interpretadas como sendo o
comportamento global dos sistemas estudados.
Para poder
responder à pergunta sobre o por quê da evolução, é necessário abandonar
a atitude simplista de querer estabelecer apressadamente uma visão
sintética que explique razoavelmente a realidade, enquanto se foge da
tarefa de enfrentar os fatos em todos os níveis (genético, embriológico,
metabólico, de populações, etc.). Esta é a tarefa que ainda está por
fazer, e que a Biologia não está em condições de executar, nem agora nem
dentro de qualquer prazo previsível. Enquanto isso, o darwinismo fica
repetindo a sua cantilena: variações ao acaso e seleção natural.
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8. CONCLUSÃO
Chegados a
este ponto, resta formular a pergunta: se a explicação darwinista ou
neodarwinista não é correta, então como se explica a evolução? E a
resposta é sumamente simples: ainda não sabemos.
Com essa
afirmação, não se quer afirmar que não tenhamos nem a mais remota idéia
de onde possa vir a explicação. De fato sabemos muitas coisas soltas,
não somente de tipo paleontológico, como também a respeito de questões
genéticas, de parentescos entre as diversas espécies, de
paleometabolismo, etc. Embora não tenhamos ainda uma explicação que
reúna tudo isso num corpo coerente, não se pode dizer que não sabemos
nada.
Também
sabemos com bastante certeza que a explicação darwinista não é
verdadeira, quais são as observações que nos permitem refutá-la e quais
as dificuldades metodológicas envolvidas nesse assunto. Dizer que não
podemos ainda explicar a evolução pode parecer uma afirmação que nos
deixa no vazio, mas não é assim; não equivale a não saber nada: equivale
a dizer que se sabe, e muito! Mas trata-se de um conhecimento ao qual
nem todos os biólogos conseguem chegar, ou por causa dos defeitos de
método acima mencionados, ou porque foge em parte do seu campo de
atuação, ou ainda por outras razões. Todo esse conhecimento é orientador
de futuras pesquisas, e não uma porta fechada diante de nós.
O que está
claro é que o medo de ficar sem um marco de idéias em que encaixar os
dados que possuímos não nos deve inibir de repudiar o darwinismo, pois a
sua aceitação desorienta a pesquisa posterior: em questões de dinâmica
das populações, sobre a importância de outros fatores no processo
seletivo e em questões de genética. Tudo por causa da mentalidade
darwinista de considerar o acaso como causa. O neodarwinismo de fato
tende a concentrar o seu trabalho unicamente em desvendar como os genes
causam a forma (o que é uma visão parcial), em considerar a pressão
ambiental sobre as espécies e em tentar identificar quais condutas que
são favoráveis ou prejudiciais à sobrevivência.
Enquanto
predominar o darwinismo, uma questão básica permanecerá sem ser
investigada: por que aparecem novos padrões morfológicos nos seres
vivos? Do ponto de vista científico, tais padrões são a única coisa
tangível que pode ser verificada numa nova espécie, e é justamente este
ponto-chave que o darwinismo abandona e deixa de estudar, relegando a
sua causa ao simples acaso. Trata-se evidentemente de um ponto que
sugere muitas pesquisas importantes em embriologia e em outras
disciplinas, e é por isso que rejeitar o darwinismo não implica apenas
fechar certas portas: também abre muitas outras.
Uma vez
explicada a origem das novas formas dos seres vivos, será possível
abordar a questão da causa de que umas desapareçam e outras sobrevivam.
Mas essa é uma questão sobre o crivo posterior a que são submetidas umas
formas que já existem: o próprio crivo não explica de modo algum a
existência dessas formas. Ao estudar a evolução – insisto –, o que nos
interessa é a origem das formas: sobre isso o darwinismo nada disse
neste último século e meio.
Antonio Pardo
Professor-adjunto do
Departamento de Humanidades Biomédicas da Universidade de Navarra.
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