Para Jorge Caldeira, a história brasileira do período colonial precisa ser recontada, para dar conta da existência de um mercado interno pujante e dominado por um personagem até hoje negligenciado: o empreendedor
Carlos Graieb
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Um engenho de cana, retratado pelo pintor alemão Rugendas: nem toda a economia era voltada para a exportação |
O novo livro do historiador Jorge Caldeira, História do Brasil com Empreendedores
(Mameluco; 336 páginas; 49 reais), tem vocação para pôr em rebuliço,
como fazia tempo não se via, os intelectuais nativos. Ele assesta os
seus canhões contra um dos monstros sagrados de nossas ciências sociais,
Caio Prado Jr. (1907-1990), celebrado como pioneiro do uso do marxismo
na interpretação do país. Não há motivação ideológica nessa crítica. Não
se trata de lançar ao chão, pelo gosto de fazê-lo, um ícone da intelligentsia
de esquerda. O que irrita Caldeira é a percepção de que a avassaladora
influência de Caio Prado tornou impossível enxergar a importância que os
empreendedores tiveram, desde a colônia, na formação da economia e da
sociedade brasileiras (a palavra empreendedor, aqui, não aponta apenas
para os casos de sucesso, mas, como diz o autor, para “todos aqueles que
tentaram”). Se fizesse apenas isso - demonstrar, com firmeza, como um
conjunto de textos clássicos impede a adequada interpretação do passado
-, o livro já seria de valor. Mas a releitura que Caldeira faz desses
textos produz uma surpresa. Ele mostra que a armação teórica de Caio
Prado deve muito menos ao marxismo que à obra de Francisco José de
Oliveira Vianna (1883-1951). Caio Prado ocupa um lugar diametralmente
oposto ao do conservador Oliveira Vianna no espectro político. A ideia
de que existe uma ligação umbilical entre esses dois nomes é
verdadeiramente iconoclasta.
Caio Prado Jr. é um personagem
intrigante: um militante do Partido Comunista Brasileiro que nasceu no
seio de uma das mais ricas e poderosas famílias brasileiras do começo do
século XX. Sua conversão ao comunismo se deu em algum momento nos
primeiros anos da década de 30. Em 1933, ele publicou Evolução Política do Brasil,
considerado o marco zero da abordagem marxista da história brasileira.
Mostrar mais precisamente como o método marxista é empregado nessa obra,
no entanto, sempre levou os especialistas a contorcionismos. Na
verdade, diz Caldeira, qualquer tentativa nesse sentido só pode dar com
os burros n’água. À época em que escreveu Evolução Política do Brasil,
Caio Prado ainda tinha um conhecimento rudimentar do marxismo. Caldeira
documenta isso consultando, inclusive, os arquivos pessoais de Caio
Prado, hoje depositados na Universidade de São Paulo. A tese de que
Oliveira Vianna serviu de inspiração ao jovem historiador, por outro
lado, não se ampara somente no fato de que ambos circulavam na mesma
roda nessa época. Ela ganha incrível consistência quando o livro de Caio
Prado é lido em paralelo com Evolução do Povo Brasileiro, de
Oliveira Vianna. Caldeira contrapõe dez trechos dos dois livros. Não
apenas as semelhanças de raciocínio são espantosas, como também aparece
ali, em toda a sua glória, o conceito de latifúndio, fundamental para a
argumentação de Caio Prado. Aqui
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