A CIVILIZAÇÃO DAS FEITORIAS COMERCIAISEsses estabelecimentos
muçulmanos contavam inicialmente somente cabanas cobertas de ramagens.
Mais tarde, enriquecem-se de fortalezas e casas de terra batida, grandes
palacios cercados de jardins. O mihrab da mesquita de Kizimkazi, na
ilha de Zanzíbar, que data de 1207, é o único vestígio arqueológico
importante conservado dos primeiros tempos da ocupação muçulmantí. Ibn
Battuta fornece todavia, em 1332, urna descrição entusiástica dos
monumentos de Kilwa, onde os persas haviam introduzido o gosto pelo
luxo, pelas sedas suntuosas.
Os Estados muçulmanos do mar, Estados
piratas e mercantis, fortes em arsenais alimentados pelas madeiras do
interior, tais como Mogadisque, Kilwa, Melinde, Mombosa, Pemba e
Zanzíbar, devem sua fortuna principalmente ao tráfico longínquo para a
Arábia, o Iraque e, mais ainda, para a Índia. Encontram-se, igualmente,
nessas feitorias muçulmanos da África, moedas chinesas que datam do
século VIII. Muito mais tarde, no inicio do século XV, expedições
marítimas chinesas atingem, varias vezes, no tempo da dinastia Ming,
essas costas da África oriental, comandadas alias por um muculmano do
Junan, familiar da corte imperial e grande mestre da frota. Tais
empreendimentos permanecen! porém sem conseqüências.
Do interior
africano, os mercadores árabes obtinham inestimáveis recursos.
Abasteciam os bantos de cereais, de carnes e de peixes secos; sua língua
comercial, o swaheli, era então falada até no coração do continente,
até no longínquo Congo. Eles traziam produtos da caca ou da pesca, o
açucar de cana, então de excelente qualidade, o ferro das minas das
montanhas de Sofala e dos planaltos de Melinde, as madeiras, as fibras
têxteis para tecer velas ou cordames, os óleos de coco ou de palmeira, o
ámbar cinzento, o marfim; mas principalmente o ouro e os escravos. As
mais ricas minas de ouro situavam-se no reino banto da regiao atual de
Vitoria, na Rodésia, não muito longe da célebre cidade de Zimbawe., Lá
se tinham instalado, por volta do século XI, os povos negros bantos,
provenientes do Oeste; eles trazem consigo urna nova cultura, chamada
dos construtores, que expulsa a antiga, dita dos mineiros, dos indígenas
de raça branca. Foi mais tarde o Monomatapa dos portugueses. Essas
minas de ouro conheceram então urna atividade considerável: as
escavações são ainda encontradas ao longo de mais de 600 quilômetros; a
profundidade de alguns poços ultrapassava 30 m (W. G. L. Randles).
Quanto
ao maléfico tráfico dos escravos, marcou ele profundamente, durante
mais de mil anos, toda a vida dos países negros da África oriental.
Antes mesmo do estabelecimento desses entrepostos comerciais, os árabes
do golfo Pérsico — os da ilha de Keich no mar de Orna — faziam incursões
desvastadoras ñas longínquas costas da regido dos Zendjs a fim de
aprisionar jovens e enancas. A expansáo mugulmana provoca um
considerovel aumento do tráfico desses escravos negros em direcáo a
todas as provincias do Imperio,, do Cairo ao Irá. Este tráfico é
constantemente alimentado por terríveis expedigoes dos mouros
escravistas que, bem aprofundados no interior, até a regiáo dos Grandes
Lagos, surpreendem as aldeias negras, massacram os defensores e levam os
cativos acorrentados, em longos comboios, para as cidades da costa. Ai,
os mercadores árabes em-barcavam homens e mulheres em seus navios,
amontoando-os sobre dois ou tres assoalhos superpostos, mantendo-os de
tal maneira apertados que só lhes era permitido conservarem-se deitados.
Tais navios só atingiam o golfo Pérsico depois de cinco ou seis semanas
de urna navegagáo me-donha; muitos dos cativos morriam de fome ou de
epidemias. Mas este tráfico deixava aos árabes lucros consideráveis. Por
causa disso despovoou essas provincias da África, tanto mais que
algumas tribos guerreavom entre si para venderem os prisioneiros aos
comerciantes.
Em recompensa, a ação civilizadora dessas feitorias muçulmanas no rumo do interior parece quase nula. (JACQUES HEERS, História Medieval)
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