terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O Cristianismo no mundo árabe



Brasileiro, de origem árabe, Roberto Khatlab é escritor, ensaísta e pesquisador. Estudou filosofia e teologia oriental, história das religiões e arqueologia. É autor dos livros Orar com Jesus – mística oriental cristã, As igrejas orientais, católicas e ortodoxas, tradições vivas e Maria no Islã, pela Ave-Maria, e agora lançou Árabes cristãos?, em que fala sobre a história do Cristianismo e a situação dos cristãos no Oriente Médio.
AM: Como o senhor enxerga a convivência de muçulmanos, judeus e cristãos no Oriente Médio?
Roberto Khatlab: Durante séculos estas três religiões monoteístas e outras na região do Oriente Médio convivem dentro da mesma sociedade. Em certos momentos da história, como nas Cruzadas, vindos do Ocidente, os cristãos causaram problemas na sociedade árabe, e passaram a ser vistos pelos muçulmanos como ocidentais, apesar de serem árabes como eles. Durante estes conflitos, a tendência é a emigração dos cristãos em direção ao Ocidente, onde se adaptam facilmente. Com esta emigração, os cristãos se tornam uma comunidade menor no Oriente Médio. Os cristãos que permanecem no Oriente sofrem certas pressões de grupos radicais, o que torna a convivência em certos locais muito difícil, em alguns casos, como no Iraque, há mesmo perseguições. Com os judeus, também número menor nos países árabes, ocorre o mesmo, ainda mais após 1948, com o nascimento do Estado de Israel. Os conflitos são contínuos entre a Palestina e Israel, região onde convivem mais próximos os adeptos das três religiões. Mas não podemos generalizar, pois existe uma convivência pacífica entre várias comunidades, pessoas que são vizinhas há gerações e que não se deixam ser vencidas pela política ou radicalismo.

AM: Qual a participação política dos cristãos nos países árabes?
Roberto Khatlab: O árabe cristão tem uma participação em alguns países árabes onde existe uma comunidade mais expressiva, como no Líbano, Síria, Egito, Palestina e Jordânia. Existem mesmo árabes cristãos que foram fundadores de grupos políticos. Muitas vezes eles estão na mídia, mas as pessoas em geral classificam todos como muçulmanos. Mas podemos ver nomes como Hanan Ashrawi, mulher palestina cristã ortodoxa, filha de  Daud Mikhael, um dos fundadores da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Boutros Boutros-Ghali, egípcio, ocupou vários cargos importantes no governo, foi ministro dos Negócios Estrangeiros do Egito, vice-primeiro-ministro do Egito, e nomeado secretário geral da ONU (1992-1996). O Líbano é o país com mais presença de cristãos na política, o presidente da república, hoje Michel Sleiman, é sempre um cristão da Igreja Maronita; há grande número de políticos cristãos e mesmo mulheres fazem parte do governo. Nos outros países é menor a participação, mas ao longo da história sempre os árabes cristãos foram ativos dentro da sociedade e política do Oriente Médio.

AM: Por qual razão o número de cristãos vem diminuindo na região?
Roberto Khatlab: Os constantes conflitos no Oriente Médio ocasionam a imigração, pessoas que procuram outros locais para sobreviverem, e os cristãos sempre partem em busca de novas terras. Veja que a grande emigração de árabes cristãos, particularmente libaneses e sírios, foi a partir de 1880. A emigração árabe no Brasil no fim do século 19 e início do 20 é maioria de cristãos. A partir dos anos 1980 é que começou um maior fluxo de emigrantes muçulmanos, que fogem também dos conflitos.
Outra questão é o fato do cristão ter menos filhos, geralmente dois ou três, enquanto a maioria muçulmana não tem menos de cinco.
Algo importante é dizer que os cristãos não são "minorias" no Oriente, pois entendo "minorias" grupos de estrangeiros emigrantes em um país. Os cristãos árabes não são emigrantes no Oriente Médio, eles são cidadãos árabes e estão em suas próprias terras, desde o século I.

AM: Há liberdade religiosa para os cristãos?
Roberto Khatlab: Em geral nos países árabes há liberdade religiosa, mas ao mesmo tempo existe um controle sobre a questão de conversões religiosas. Em alguns países árabes, como na África do Norte, existe a liberdade religiosa para os estrangeiros praticarem suas religiões, mas não para fazer missões juntos a cidadãos locais. No Oriente Médio, alguns países proíbem todo tipo de manifestação religiosa que não seja do Islã. Na Arábia Saudita encontros religiosos e construção de templos são proibidos, não importa qual religião. Alguns países do Golfo permitiram nestes últimos anos a construção de igrejas cristãs em seus países, como os Emirados Árabes Unidos e o Kwait, isto porque existe um grande número de trabalhadores estrangeiros (filipinos, sri lanqueses, libaneses, sírios, egípcios, cristãos) que residem no Golfo Árabe. No Líbano, a comunidade religiosa tem mais liberdade e representantes no parlamento, há várias universidades cristãs nos país, o que leva grande parte dos cristãos de outros países virem estudar no Líbano.

AM: Qual a importância da visita do Papa à região?
Roberto Khatlab: Nos últimos anos existe uma perseguição quase sistemática dos cristãos no Oriente Médio, mesmo sacerdotes, bispos estão sendo assassinados, famílias inteiras expulsas. A Igreja está preocupada com esta situação, pois estes cristãos não são estrangeiros e sim árabes, e estão sendo perseguidos em seu próprio país, e os governos não conseguem parar o conflito. A visita do Papa é mais um alerta à comunidade internacional para mostrar que existem cristãos na região, que passam por problemas e que os governos árabes devem protegê-los como cidadãos árabes antes de tudo. Uma forma de dar suporte é mostrar uma Igreja ocidental mais próxima destes cristãos orientais que vivem em países de conflitos. 

AM: Como a Igreja deve enfrentar os desafios para a universalidade do Cristianismo?
Roberto Khatlab: Existem vários desafios, e um deles creio que é este que o Papa começou, uma busca de união das comunidades cristãs do Oriente Médio com a Igreja latina, que por certo tempo ficou quase ignorada pelo mundo, por causa das diversas separações da Igreja oriental (católicos e ortodoxos). O diálogo com as outras religiões deve existir, mas primeiro a casa, a Igreja cristã, deve estar mais unida, ecumênica, aceitar as diferenças culturais, preocupar-se com a mensagem de Jesus e deixar os dogmas eclesiásticos em um segundo plano. Se todos cristãos têm como mestre Jesus, devem ao menos dialogar, e isto a Igreja está fazendo nos últimos tempos. Veja que o cristão no Oriente tem sua importância, em vários locais as comunidades são perseguidas, em pleno século 21, e os fiéis continuam em suas terras e guardam a Fé, que muitas vezes lhes custa a vida. Os cristãos árabes, orientais, são testemunhas da Fé, muitas vezes mártires, neste mundo em que a modernidade faz com que as pessoas não pratiquem mais a religião, ou somente pratiquem certos sacramentos como costume. A visita do Papa mostra o quanto as comunidades cristãs do Oriente guardam as tradições desde as primeiras comunidades cristãs que nasceram em Jerusalém e estão lá até hoje, tradições vivas e não arqueológicas como muitos pensam.

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