domingo, 27 de fevereiro de 2011

História da Igreja: Clemente V - Avinhão e Viena




Morto Bonifácio VIII, foi logo eleito seu sucessor Bento XI, (1303-1304), que fora o Cardeal Nicolau Boccassini, Bispo de Óstia. Começou sua vida eclesiástica como frade dominicano, chegando a ser Mestre Geral da Ordem. Conservou-se sempre manso e pacífico e, embora fosse fiel a Bonifácio VIII julgou dever trilhar outras vias. Com efeito; recordando-se de que era o representante daquele "de quem é próprio compadecer-se e perdoar", absolveu o rei Filipe IV e seus cúmplices (exceto Nogaret) de todas as censuras; da mesma forma, os nobres Pedro e Tiago Colonna, que contudo não foram restaurados no Cardinalato. Rejeitou o pedido de adversários de Bonifácio VIII que queriam fosse aquele Papa condenado como intruso e herege num Concílio Ecumênico. Tendo intimado em vão os agressores de Anagni a comparecer diante de um tribunal, excomungou-os. Morreu, porém, em breve após oito meses e poucos dias de pontificado (22/10/1303 a 7/7/1304). A sua morte repentina ocasionou o rumor popular de que tinha sido envenenado. Na verdade, Bento XI deixava a seu sucessor uma difícil herança.
O Conclave subseqüente durou quase onze meses, pois os Cardeais estavam divididos em partido bonifaciano, que desejava um Papa italiano, e partido filipino, favorável a um Papa francês. Finalmente a vitória foi dos franceses, que elegeram o arcebispo de Bordéus, Bertrand de Got, com o nome de Clemente V (1305-14); na luta de Bonifácio com a França, fizera as vezes de intermediário. Foi coroado Papa em Lião (França). Repetidas vezes prometeu aos Cardeais transferir-se para Roma. Não o fez, porém, em parte por pressão de Filipe, em parte porque as facções na Itália agitada faziam-no recear por sua liberdade.
Desde 1309 fixou residência em Avinhão, dando. assim início ao chamado "Exílio de Avinhão", que durou quase setenta anos (1309-1376). Avinhão era uma cidade pequena, de ruas estreitas e sujas, na qual o séquito pontifício só dificilmente conseguia encontrar morada. Era um feudo do reino alem do que estava nas mãos da casa de Anjou de Nápoles. Clemente VI (1342-52) comprou Avinhão em 1348, tornando-a domínio papal, mas não conseguiu subtrai-la à influência francesa. Filipe IV o Belo dava-se por contentíssimo com o fato; o Papa, fraco de ânimo e doentio de corpo, caia cada vez mais sob o domínio do monarca. Não era intenção de Clemente V transferir definitivamente a sede do Papado para a França, mas criou-se uma situação de fato, sustentada por sete Papas consecutivos, todos franceses.
O Exílio de Avinhão foi grandemente pernicioso para a Igreja:
1) os Papas viram-se mais entravados em sua ação do que em Roma; tornaram-se maleáveis instrumentos da política francesa - o que suscitava a suspeita de partidarismo nos italianos e em outros povos, muito diminuindo o prestígio papal. O Pontífice era considerado responsável pelas discórdias crescentes entre as cidades italianas.
2) No Estado Pontifício a confusão aumentou; o poder temporal dos Papas decrescia, pois muitas cidades se declaravam Repúblicas autônomas. Isto acarretava diminuição de rendas papais e exigia novas despesas para debelar os revoltosos. Estas circunstâncias levaram os Papas a levantar novos impostos eclesiásticos e a cobrar taxas por serviços prestados - o que dava lugar a descontentamento entre os prelados.
3) O Exílio de Avinhão foi a preparação imediata do Cisma do Ocidente (1378-1417), pois a Igreja se "galicizou" por espírito nacionalista, faccioso, tornando-se instrumento da ascensão política francesa. Quando os Papas quiseram reagir contra este mal, já não o puderam, pois franceses e não franceses, movidos por nacionalismo, queriam um Pontífice que correspondesse às suas aspirações nacionais e, em caso de necessidade, o criaram. Dal o cisma ou a divisão da cristandade.
Todavia não se pode negar que o Exílio de Avinhão tenha tido seus aspectos positivos: o desenvolvimento da organização da Igreja e o progresso das artes. Estes méritos, porém, não atenuam os pontos negros, pois a Igreja é essencialmente uma instituição religiosa, o Papado é um Serviço pastoral e não um Ministério da Cultura.
O Papa e os Templários
A política de Clemente V foi a de ceder às exigências destemidas de Filipe o Belo. o número de franceses aumentou no Colégio cardinalício (na primeira nomeação foram nove entre dez designados). No caso do Papa Bonifácio cedeu o mais que pôde: aos Colonna Tiago e Pedro restituiu o cardinalato e os demais direitos; revogou a Bula Clericis laicos; mediante o Breve Meruit declarou que a Bula Unam Sanctam não prejudicava Filipe e seu reino, que não eram obrigados a maior obediência a Santa Sé do que antes
Na sua sede de vingança, Filipe o Belo, desde 1307, insistia na instauração de um processo contra o defunto Papa Bonifácio VIII. Esta exigência, além de finalidade vingativa, tinha um objetivo político muito concreto: se se demonstrasse, mesmo depois de morto, que Bonifácio fora intruso, todos os atos do seu pontificado seriam inválidos, inclusive as nomeações de cardeais italianos, antifilipinos, que havia feito. Clemente V, porém, não queria consentir na reivindicação do rei; foi fazendo outras concessões, entre as quais a de um processo contra os Templários.
Os Templários (Milites ou Equites Templi) constituiam uma Ordem de Cavaleiros militantes, sendo a mais antiga de todas. Foi fundada em 1119 por Hugo de Payens e oito cavaleiros franceses, que se uniram numa família religiosa, ligada pelos votos habituais de pobreza, castidade e obediência, além do voto especial de defender com as armas e proteger os peregrinos que se dirigissem a Jerusalém. O seu nome se deve ao fato de que o rei Balduíno II de Jerusalém colocou à disposição dos cavaleiros uma habitação no palácio real, que se achava na esplanada do Templo de Salomão. A Ordem dos Templários foi inicialmente muito pobre, mas em breve atingiu seu apogeu, especialmente depois que S. Bernardo demonstrou grande interesse por ela, tomando parte notável na redação da sua Regra. Os Cavaleiros foram favorecidos pelo Papa Inocêncio II, e altamente beneficiados por doações, que tornaram a Ordem muito rica. o seu hábito era um manto branco sobre o qual estava traçada uma cruz vermelha. Juntamente com os Joanitas ou Cavaleiros Hospitaleiros (porque tinham um hospital em Jerusalém dedicado a S. João Batista), os Templários se dedicaram com suma abnegação coragem a defesa da Terra Santa; mais tarde, porém, foram vítimas de discórdias entre si.
Ora Filipe IV, movido pela cobiça do poder e dos bens dos templários, queria provocar a extinção dos mesmos. Em vista disto, desde 1305 começou a propagar terríveis acusações contra os irmãos: dizia-se que, por ocasião da recepção na Ordem, os cavaleiros deviam cuspir e calcar a cruz, negar a Cristo, adorar um ídolo chamado Bafomet, obrigar-se à sodomia e a outras práticas vergonhosas.
Em 1307, Clemente V, instado por Filipe, prometeu a este fazer um inquérito a respeito dos pretensos crimes dos Templários. O rei, porém, não esperou o procedimento papal, e mandou prender aos 13/10/1307 todos os Templários da França, inclusive o seu grão-mestre Jaime ou Tiago de Molay (cerca de 2000 homens), confiscando todos os seus bens (fora da França ficavam uns 1000 ou 2000 Templários ainda). Filipe exortou outros reis a seguir o seu exemplo, e mandou aplicar a tortura aos irmãos para extorquir deles todas as confissões de interesse do rei. O próprio grão-mestre, alquebrado, e talvez sob a pressão da tortura, exortava por carta os seus súditos a confessar logo. Filipe dava a crer que essas medidas eram tomadas de acordo com o Papa, quando na verdade eram todas de iniciativa e responsabilidade do rei.
A princípio, Clemente V protestou e exigiu a libertação dos encarcerados. Deixou-se, porém, convencer pelas confissões extorquidas e, em fins de 1307, mandou aos outros soberanos que prendessem os Templários e confiscassem os seus bens em favor da Igreja. O próprio Papa em Poitiers (1308) ouviu o depoimento de 72 Templários, que Filipe Ihe mandara. Cada vez mais convencido da culpabilidade da Ordem, ordenou nova perseguição; em 1310 foram de uma só vez queimados como hereges 54 Templários em Paris; outros morriam no cárcere ou sob a tortura.
A decisão última foi confiada a um Concílio Ecumênico, que se reuniu em Viena (França) de outubro 1311 a maio 1312 (15º Concílio Ecumênico). Além da causa dos Templários, o Sínodo devia examinar as acusações contra Bonifácio VIII tratar das necessidades da Terra Santa e de uma reforma da disciplina da Igreja.
A figura de Bonifácio VIII defunto, apesar de todas as concessões feitas por Clemente V, ainda era objeto de rancor do rei. Em 1310 este começou a ouvir o depoimento de testemunhas. Todavia o Concílio de Viena rejeitou as acusações de heresia contra o falecido Papa; o rei, então, por conveniência própria, desistiu da perseguição difamatória. Em troca disto, Clemente, agradecido, o declarou inocente no atentado de Anagni, reconheceu que somente "zelo bom" o movera; o próprio Guilherme de Nogaret foi absolvido a pedido de Filipe. Assim terminava a triste história de Bonifácio VIII, com a vitória absoluta do rei.
Quanto aos Templários, os conciliares queriam que se continuasse o processo pois até então nada se havia encontrado que motivasse a supressão da Ordem. Todavia o Papa Clemente, premido pelo rei presente ao Concílio, houve por bem abolir a Ordem mediante a Bula Vox in excelso de 22/03/1312, "não em sentença judiciária, mas como medida de prudência administrativa baseada nas faculdades da Sé Apostólica". Com outras palavras: o Papa não quis julgar os Templários do ponto de vista ético ou disciplinar; julgou, porém, que a existência dos Templários era um foco de distúrbios no mundo cristão da época. Esta distinção obteve o consentimento da maioria dos conciliares. Os bens dos Templários foram, em parte, atribuídos a outras Ordens Religiosas, em parte caíram nas mãos dos príncipes. Filipe ainda conseguiu do Papa um processo especial contra alguns dignitários da Ordem: uma comissão de eclesiásticos, que eram do seu beneplácito, os condenou á prisão perpétua; o Grão Mestre da Ordem e o Grão-Preceptor da Normandia foram queimados vivos aos 11/03/1314 por terem retratado confissões anteriores e terem declarado a Ordem inocente.
A tragédia dos Templários é mais um testemunho do predomínio do poder régio sobre a Igreja; de modo especial evidencia que a Inquisição (a qual funcionou no caso) se foi tornando mais e mais um instrumento nas mãos do poder político para eliminar todos os adversários dos reis e príncipes (ver capítulos 32 e 33 sobre a Inquisição). Os Templários podiam apresentar suas falhas - o que é humano; mas certamente estas não eram tão graves nem universais quanto diziam os adversários; as confissões extorquidas nada significam. Nos países que não dependiam do rei da França as acusações colhidas contra os Templários foram insignificantes; na Espanha (Aragão, Barcelona) e em Chipre o processo demonstrou claramente a sua inocência. Embora tenha havido historiadores desfavoráveis à dignidade dos Templários, hoje em dia não resta dúvida de que foram vitimas de graves calúnias. Certas sociedades em nossos tempos dizem-se herdeiras dos Templários medievais, com os quais teriam uma vinculação secreta; teriam uma gnose ou conhecimentos esotéricos reservados aos iniciados. Ora estas afirmações são fantasiosas e alheias à verdade.
O Concílio de Viena ainda baixou outras determinações importantes: 1) relativamente a teoria de corpo e alma professada por Pedro João Olivi, chefe dos Franciscanos Espirituais no litígio sobre a pobreza; foi condenada qualquer teoria que admitisse intermediários entre a alma (forma) e o corpo (matéria); 2) mandou que se introduzisse nas Universidades o estudo das línguas hebraica, árabe e caldaica (o que era grande novidade na época); 3) Clemente V promulgou a Bula Exivi de Paradiso em favor dos franciscanos de observância mais rigorosa.
Finalmente, após triste Pontificado, o Papa veio a falecer aos 20/04/1314.
Para se entender a história dos Pontificados seguintes, devemos ainda referir a atuação de Clemente V na Alemanha:
Em 1308 foi eleito rei da Alemanha Henrique de Luxemburgo (1308-13). Este sofreu logo a oposição dos franceses, que queriam colocar sobre o trono alemão o príncipe Carlos de Valois, irmão de Filipe IV o Belo. Em particular, o rei Roberto de Nápoles, sucessor de Carlos II de Anjou, se insurgiu contra Henrique VII, quando este desceu a Roma para ser coroado Imperador por três Cardeais delegados do Papa em 1312. Henrique VII aliou-se a Frederico da Sicília, inimigo da casa de Anjou e da Cúria Papal; Clemente V, porém, favorecia a Roberto e aos franceses contra Henrique VII da Alemanha e Frederico da Sicília; antes que se chegasse a um conflito sério, Henrique VII morreu em 1313, ficando o trono alemão sujeito à disputa dos candidatos. O Papa então nomeou em 1314 Vigário do Império Alemão na Itália Roberto de Nápoles, fazendo uso de uma lei, segundo a qual a regência da Itália, em caso de vacância do trono alemão, tocava ao Papa.


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