Morto Bonifácio VIII, foi
logo eleito seu sucessor Bento XI, (1303-1304), que fora o Cardeal Nicolau
Boccassini, Bispo de Óstia. Começou sua vida eclesiástica como frade
dominicano, chegando a ser Mestre Geral da Ordem. Conservou-se sempre manso e
pacífico e, embora fosse fiel a Bonifácio VIII julgou dever trilhar outras
vias. Com efeito; recordando-se de que era o representante daquele "de quem é
próprio compadecer-se e perdoar", absolveu o rei Filipe IV e seus cúmplices
(exceto Nogaret) de todas as censuras; da mesma forma, os nobres Pedro e Tiago
Colonna, que contudo não foram restaurados no Cardinalato. Rejeitou o pedido de
adversários de Bonifácio VIII que queriam fosse aquele Papa condenado como
intruso e herege num Concílio Ecumênico. Tendo intimado em vão os agressores de
Anagni a comparecer diante de um tribunal, excomungou-os. Morreu, porém, em
breve após oito meses e poucos dias de pontificado (22/10/1303 a 7/7/1304). A
sua morte repentina ocasionou o rumor popular de que tinha sido envenenado. Na
verdade, Bento XI deixava a seu sucessor uma difícil herança.
O Conclave subseqüente durou
quase onze meses, pois os Cardeais estavam divididos em partido bonifaciano, que
desejava um Papa italiano, e partido filipino, favorável a um Papa francês.
Finalmente a vitória foi dos franceses, que elegeram o arcebispo de Bordéus,
Bertrand de Got, com o nome de Clemente V (1305-14); na luta de Bonifácio com a
França, fizera as vezes de intermediário. Foi coroado Papa em Lião (França).
Repetidas vezes prometeu aos Cardeais transferir-se para Roma. Não o fez,
porém, em parte por pressão de Filipe, em parte porque as facções na Itália
agitada faziam-no recear por sua liberdade.
Desde 1309 fixou residência
em Avinhão, dando. assim início ao chamado "Exílio de Avinhão", que durou quase
setenta anos (1309-1376). Avinhão era uma cidade pequena, de ruas estreitas e
sujas, na qual o séquito pontifício só dificilmente conseguia encontrar morada.
Era um feudo do reino alem do que estava nas mãos da casa de Anjou de Nápoles.
Clemente VI (1342-52) comprou Avinhão em 1348, tornando-a domínio papal, mas
não conseguiu subtrai-la à influência francesa. Filipe IV o Belo dava-se por
contentíssimo com o fato; o Papa, fraco de ânimo e doentio de corpo, caia cada
vez mais sob o domínio do monarca. Não era intenção de Clemente V transferir
definitivamente a sede do Papado para a França, mas criou-se uma situação de
fato, sustentada por sete Papas consecutivos, todos franceses.
O Exílio de Avinhão foi
grandemente pernicioso para a Igreja:
1) os Papas viram-se mais
entravados em sua ação do que em Roma; tornaram-se maleáveis instrumentos da
política francesa - o que suscitava a suspeita de partidarismo nos italianos e
em outros povos, muito diminuindo o prestígio papal. O Pontífice era
considerado responsável pelas discórdias crescentes entre as cidades italianas.
2) No Estado Pontifício a
confusão aumentou; o poder temporal dos Papas decrescia, pois muitas cidades se
declaravam Repúblicas autônomas. Isto acarretava diminuição de rendas papais e
exigia novas despesas para debelar os revoltosos. Estas circunstâncias levaram
os Papas a levantar novos impostos eclesiásticos e a cobrar taxas por serviços
prestados - o que dava lugar a descontentamento entre os prelados.
3) O Exílio de Avinhão foi a
preparação imediata do Cisma do Ocidente (1378-1417), pois a Igreja se
"galicizou" por espírito nacionalista, faccioso, tornando-se instrumento da
ascensão política francesa. Quando os Papas quiseram reagir contra este mal, já
não o puderam, pois franceses e não franceses, movidos por nacionalismo,
queriam um Pontífice que correspondesse às suas aspirações nacionais e, em caso
de necessidade, o criaram. Dal o cisma ou a divisão da cristandade.
Todavia não se pode negar
que o Exílio de Avinhão tenha tido seus aspectos positivos: o desenvolvimento
da organização da Igreja e o progresso das artes. Estes méritos, porém, não
atenuam os pontos negros, pois a Igreja é essencialmente uma instituição religiosa,
o Papado é um Serviço pastoral e não um Ministério da Cultura.
O Papa e os Templários
A política de Clemente V foi
a de ceder às exigências destemidas de Filipe o Belo. o número de franceses
aumentou no Colégio cardinalício (na primeira nomeação foram nove entre dez
designados). No caso do Papa Bonifácio cedeu o mais que pôde: aos Colonna Tiago
e Pedro restituiu o cardinalato e os demais direitos; revogou a Bula Clericis
laicos; mediante o Breve Meruit declarou que a Bula Unam Sanctam não prejudicava
Filipe e seu reino, que não eram obrigados a maior obediência a Santa Sé do que
antes
Na sua sede de vingança,
Filipe o Belo, desde 1307, insistia na instauração de um processo contra o
defunto Papa Bonifácio VIII. Esta exigência, além de finalidade vingativa,
tinha um objetivo político muito concreto: se se demonstrasse, mesmo depois de
morto, que Bonifácio fora intruso, todos os atos do seu pontificado seriam
inválidos, inclusive as nomeações de cardeais italianos, antifilipinos, que
havia feito. Clemente V, porém, não queria consentir na reivindicação do rei;
foi fazendo outras concessões, entre as quais a de um processo contra os
Templários.
Os Templários (Milites ou
Equites Templi) constituiam uma Ordem de Cavaleiros militantes, sendo a mais
antiga de todas. Foi fundada em 1119 por Hugo de Payens e oito cavaleiros
franceses, que se uniram numa família religiosa, ligada pelos votos habituais
de pobreza, castidade e obediência, além do voto especial de defender com as
armas e proteger os peregrinos que se dirigissem a Jerusalém. O seu nome se
deve ao fato de que o rei Balduíno II de Jerusalém colocou à disposição dos
cavaleiros uma habitação no palácio real, que se achava na esplanada do Templo
de Salomão. A Ordem dos Templários foi inicialmente muito pobre, mas em breve
atingiu seu apogeu, especialmente depois que S. Bernardo demonstrou grande
interesse por ela, tomando parte notável na redação da sua Regra. Os Cavaleiros
foram favorecidos pelo Papa Inocêncio II, e altamente beneficiados por doações,
que tornaram a Ordem muito rica. o seu hábito era um manto branco sobre o qual
estava traçada uma cruz vermelha. Juntamente com os Joanitas ou Cavaleiros
Hospitaleiros (porque tinham um hospital em Jerusalém dedicado a S. João
Batista), os Templários se dedicaram com suma abnegação coragem a defesa da
Terra Santa; mais tarde, porém, foram vítimas de discórdias entre si.
Ora Filipe IV, movido pela
cobiça do poder e dos bens dos templários, queria provocar a extinção dos
mesmos. Em vista disto, desde 1305 começou a propagar terríveis acusações
contra os irmãos: dizia-se que, por ocasião da recepção na Ordem, os cavaleiros
deviam cuspir e calcar a cruz, negar a Cristo, adorar um ídolo chamado Bafomet,
obrigar-se à sodomia e a outras práticas vergonhosas.
Em 1307, Clemente V, instado
por Filipe, prometeu a este fazer um inquérito a respeito dos pretensos crimes
dos Templários. O rei, porém, não esperou o procedimento papal, e mandou
prender aos 13/10/1307 todos os Templários da França, inclusive o seu grão-mestre
Jaime ou Tiago de Molay (cerca de 2000 homens), confiscando todos os seus bens
(fora da França ficavam uns 1000 ou 2000 Templários ainda). Filipe exortou
outros reis a seguir o seu exemplo, e mandou aplicar a tortura aos irmãos para
extorquir deles todas as confissões de interesse do rei. O próprio grão-mestre,
alquebrado, e talvez sob a pressão da tortura, exortava por carta os seus
súditos a confessar logo. Filipe dava a crer que essas medidas eram tomadas de
acordo com o Papa, quando na verdade eram todas de iniciativa e
responsabilidade do rei.
A princípio, Clemente V
protestou e exigiu a libertação dos encarcerados. Deixou-se, porém, convencer
pelas confissões extorquidas e, em fins de 1307, mandou aos outros soberanos
que prendessem os Templários e confiscassem os seus bens em favor da Igreja. O
próprio Papa em Poitiers (1308) ouviu o depoimento de 72 Templários, que Filipe
Ihe mandara. Cada vez mais convencido da culpabilidade da Ordem, ordenou nova
perseguição; em 1310 foram de uma só vez queimados como hereges 54 Templários
em Paris; outros morriam no cárcere ou sob a tortura.
A decisão última foi
confiada a um Concílio Ecumênico, que se reuniu em Viena (França) de outubro
1311 a maio 1312 (15º Concílio Ecumênico). Além da causa dos Templários, o Sínodo
devia examinar as acusações contra Bonifácio VIII tratar das necessidades da
Terra Santa e de uma reforma da disciplina da Igreja.
A figura de Bonifácio VIII
defunto, apesar de todas as concessões feitas por Clemente V, ainda era objeto
de rancor do rei. Em 1310 este começou a ouvir o depoimento de testemunhas.
Todavia o Concílio de Viena rejeitou as acusações de heresia contra o falecido
Papa; o rei, então, por conveniência própria, desistiu da perseguição
difamatória. Em troca disto, Clemente, agradecido, o declarou inocente no
atentado de Anagni, reconheceu que somente "zelo bom" o movera; o próprio
Guilherme de Nogaret foi absolvido a pedido de Filipe. Assim terminava a triste
história de Bonifácio VIII, com a vitória absoluta do rei.
Quanto aos Templários, os
conciliares queriam que se continuasse o processo pois até então nada se havia
encontrado que motivasse a supressão da Ordem. Todavia o Papa Clemente, premido
pelo rei presente ao Concílio, houve por bem abolir a Ordem mediante a Bula Vox
in excelso de 22/03/1312, "não em sentença judiciária, mas como medida de
prudência administrativa baseada nas faculdades da Sé Apostólica". Com outras
palavras: o Papa não quis julgar os Templários do ponto de vista ético ou
disciplinar; julgou, porém, que a existência dos Templários era um foco de
distúrbios no mundo cristão da época. Esta distinção obteve o consentimento da
maioria dos conciliares. Os bens dos Templários foram, em parte, atribuídos a
outras Ordens Religiosas, em parte caíram nas mãos dos príncipes. Filipe ainda
conseguiu do Papa um processo especial contra alguns dignitários da Ordem: uma
comissão de eclesiásticos, que eram do seu beneplácito, os condenou á prisão
perpétua; o Grão Mestre da Ordem e o Grão-Preceptor da Normandia foram queimados
vivos aos 11/03/1314 por terem retratado confissões anteriores e terem
declarado a Ordem inocente.
A tragédia dos Templários é
mais um testemunho do predomínio do poder régio sobre a Igreja; de modo
especial evidencia que a Inquisição (a qual funcionou no caso) se foi tornando
mais e mais um instrumento nas mãos do poder político para eliminar todos os
adversários dos reis e príncipes (ver capítulos 32 e 33 sobre a Inquisição). Os
Templários podiam apresentar suas falhas - o que é humano; mas certamente estas
não eram tão graves nem universais quanto diziam os adversários; as confissões
extorquidas nada significam. Nos países que não dependiam do rei da França as
acusações colhidas contra os Templários foram insignificantes; na Espanha
(Aragão, Barcelona) e em Chipre o processo demonstrou claramente a sua
inocência. Embora tenha havido historiadores desfavoráveis à dignidade dos
Templários, hoje em dia não resta dúvida de que foram vitimas de graves
calúnias. Certas sociedades em nossos tempos dizem-se herdeiras dos Templários
medievais, com os quais teriam uma vinculação secreta; teriam uma gnose ou
conhecimentos esotéricos reservados aos iniciados. Ora estas afirmações são
fantasiosas e alheias à verdade.
O Concílio de Viena ainda
baixou outras determinações importantes: 1) relativamente a teoria de corpo e
alma professada por Pedro João Olivi, chefe dos Franciscanos Espirituais no
litígio sobre a pobreza; foi condenada qualquer teoria que admitisse
intermediários entre a alma (forma) e o corpo (matéria); 2) mandou que se
introduzisse nas Universidades o estudo das línguas hebraica, árabe e caldaica
(o que era grande novidade na época); 3) Clemente V promulgou a Bula Exivi de
Paradiso em favor dos franciscanos de observância mais rigorosa.
Finalmente, após triste
Pontificado, o Papa veio a falecer aos 20/04/1314.
Para se entender a história
dos Pontificados seguintes, devemos ainda referir a atuação de Clemente V na
Alemanha:
Em 1308 foi eleito rei da
Alemanha Henrique de Luxemburgo (1308-13). Este sofreu logo a oposição dos
franceses, que queriam colocar sobre o trono alemão o príncipe Carlos de
Valois, irmão de Filipe IV o Belo. Em particular, o rei Roberto de Nápoles,
sucessor de Carlos II de Anjou, se insurgiu contra Henrique VII, quando este
desceu a Roma para ser coroado Imperador por três Cardeais delegados do Papa em
1312. Henrique VII aliou-se a Frederico da Sicília, inimigo da casa de Anjou e
da Cúria Papal; Clemente V, porém, favorecia a Roberto e aos franceses contra
Henrique VII da Alemanha e Frederico da Sicília; antes que se chegasse a um
conflito sério, Henrique VII morreu em 1313, ficando o trono alemão sujeito à
disputa dos candidatos. O Papa então nomeou em 1314 Vigário do Império Alemão
na Itália Roberto de Nápoles, fazendo uso de uma lei, segundo a qual a regência
da Itália, em caso de vacância do trono alemão, tocava ao Papa.
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