sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A voz da direita


Sem medo de ser feliz, o historiador Paul Johnson
cutuca ainda mais as feridas da esquerda, que perdeu
o rumo da História
Carlos Graieb
Prestes a completar 70 anos, o ensaísta Paul Johnson é o que se poderia chamar de católico britânico em estado puro. Formado na tradicional Universidade de Oxford, ele defende a monarquia, os dogmas da Igreja e a cultura clássica. Sempre atento à decadência dos valores morais, Johnson adora fustigar a esquerda e os artistas modernos. Faz isso toda semana na revista Spectator, uma trincheira da inteligência inglesa, da qual é colunista. Suas principais armas são o texto impecável e uma verve que mesmo os adversários mais ferrenhos respeitam. Em paralelo com o jornalismo, Johnson firmou uma brilhante carreira como historiador. É dono de uma bibliografia com dezesseis títulos. Três deles foram lançados no Brasil: Intelectuais, Tempos Modernos e História dos Judeus. A obra mais recente de Johnson é um catatau de 1.088 páginas, com o título de A History of the American People (Uma História do Povo Americano). Os Estados Unidos, descritos por Johnson como "a maior de todas as aventuras humanas", são um dos assuntos da entrevista abaixo:
Veja — Por que os Estados Unidos são um país digno de admiração?
Johnson — Há muita coisa errada nos Estados Unidos, mas os americanos são grandes "resolvedores de problemas". Veja o seu déficit orçamentário, que nos anos 70 e 80 parecia conduzir diretamente ao apocalipse. De repente, foi completamente domado: o país floresce e comemora superávit atrás de superávit. A esquerda vive chamando os Estados Unidos de império, mas não acho isso justo. Trata-se de um país que teve poucas colônias e que soube livrar-se delas assim que esses territórios mostraram capacidade para o autogoverno. Os EUA são apenas uma nação gigantesca, com interesses comerciais em todo o mundo, que exercem sua influência com força. Acho esse exercício absolutamente legítimo. Sou velho o bastante para lembrar do tempo em que os Estados Unidos tendiam para o isolacionismo. Foi um período terrível para a Europa. Gente da geração de meu pai implorou para que os EUA entrassem para a Liga das Nações e mantivessem o interesse na Europa, mas eles se negaram. Um dos resultados dessa omissão foi a II Guerra Mundial. Eu realmente espero que os Estados Unidos se interessem pelo resto do mundo e exerçam seu poderio bélico e econômico em favor da democracia.
Veja — Em seu livro Intelectuais, o senhor diz que a grande questão da vida intelectual é a posição a assumir diante do problema da violência. A violência pode ser moral e intelectualmente justificável?
Johnson — Nada me intriga mais na vida de pensadores renomados do que perceber que um grande número deles apoiou ou apóia a violência em diversas situações. O francês Jean-Paul Sartre, por exemplo, sustentava que a violência era tolerável em certas circunstâncias. Algumas das pessoas que seguiram seus ensinamentos foram ainda piores — basta pensar no grupo de intelectuais responsável pelos massacres no Cambodja, todos discípulos de Sartre. Outro caso de filósofo que deplorou a violência em certos casos e a endossou em outros foi o inglês Bertrand Russell. Ele chegou a sugerir um ataque nuclear preventivo contra a União Soviética. De minha parte, sigo um dos mandamentos da Igreja — "Não matarás". Acho, porém, que exista algo como a "guerra justa", no sentido descrito por Santo Tomás de Aquino no século XIII. Já a violência do dia-a-dia, que afeta a vida dos cidadãos, é um problema espinhoso. Combatê-la com a violência do Estado seria legítimo? A tão discutida pena de morte, por exemplo, é um desses casos sobre os quais pessoas de boa vontade, inteligência e educação terão sempre opiniões conflitantes.
Veja — Um ataque dos EUA ao Iraque seria um caso de "guerra justa"?
Johnson — Saddam Hussein é um ditador insano, com currículo assombroso de crueldade, vício e agressão. Regimes como o dele têm de ser mantidos sob controle e vigilância. Considero os Estados Unidos uma espécie de "polícia global" absolutamente necessária enquanto certos párias continuarem dispostos a quebrar a ordem internacional ou construir armas de destruição em massa.
Veja — Voltando aos intelectuais, o senhor escreveu recentemente um artigo reclamando da entrega de uma comenda real ao historiador Eric Hobsbawn, uma das mais eminentes figuras da esquerda. Por quê?
Johnson — Hobsbawn foi feito Acompanhante de Honra, uma distinção bastante elevada na Grã-Bretanha. Não reclamei por motivos pessoais, mas porque me parece inadequado que um stalinista não arrependido como Hobsbawn receba essa espécie de honraria. Ninguém que tenha apoiado o totalitarismo deveria ser homenageado com título.
Veja — O senhor não acredita que haja um legado de esquerda a ser explorado no presente?
Johnson — Não. Karl Marx foi um embusteiro intelectual que distorcia fatos. É claro que seu sistema não funcionou quando aplicado à União Soviética: estava todo embasado em falsidades. Seu único legado foi conduzir um país rico como a Rússia à pobreza. Não há qualidades redentoras, nenhuma que seja, no marxismo. Aqueles que discordarem de mim, que mostrem provas. Mostrem-me um regime que tenha empregado princípios marxistas e tenha melhorado a vida de seus cidadãos. Não há. Todos que enveredaram por esse caminho na Europa, América Latina, Ásia ou África falharam. Também não faço nenhuma distinção entre nazismo, comunismo e fascismo. Foram todos movimentos totalitários e radicais pertencentes à esquerda. Marx, afinal de contas, derivou todas as suas teorias de Hegel, assim como os nazistas. Todos os sistemas totalitários do século XX foram de esquerda: apenas na superfície pareceram pertencer à direita. Todos os sistemas radicais do século XX foram ruins segundo os mais retos padrões morais. São sistemas que não podem ser melhorados ou civilizados. É impossível um comunismo com face humana. O regime chinês não se humanizará. Com sorte, desaparecerá no tempo, e é tudo que podemos dizer.
Veja — O que pensa do papa João Paulo II?
Johnson — Ele é o maior papa do século XX. Fez um trabalho magnífico ao resgatar a Igreja Católica de uma espécie de liberalismo sem rumo. Restaurou a disciplina no clero. Como resultado, a Igreja Católica está mais saudável hoje do que nas últimas décadas. Além de suas qualidades de líder religioso e estadista, o papa tem uma personalidade admirável. Quem quer que tenha estado em sua companhia concordará com isso. Ele tem um carisma intenso e exala bondade.
Veja — João Paulo II é criticado pela rigidez de suas opiniões sobre temas como aborto, sexo e casamento. Ele não estaria em descompasso com a modernidade?
Johnson — É preciso lembrar que essas não são opiniões pessoais do papa. São opiniões da Igreja, fazem parte de sua doutrina. Dois mil anos de catolicismo condenam o aborto, o papa não pode alterar esse fato. João Paulo II simplesmente afirma — guiado pelo Espírito Santo, como toda vez que um papa se pronuncia — que os preceitos da Igreja sobre sexo e casamento devem ser estritamente seguidos. Numa época em que o comportamento sexual é irresponsável, acarretando um número crescente de nascimentos ilegítimos, mães solteiras e crianças abandonadas, ele está fazendo aquilo que é necessário — desse ponto de vista, portanto, ninguém é mais moderno.
Veja — O senhor também acha o aborto um crime?
Johnson — Sim, claro que sim. Trata-se de uma forma de homicídio. Talvez se devam fazer algumas ressalvas — quando a vida da mãe está em perigo, por exemplo —, mas como prática institucionalizada o aborto é perverso, errado e deveria ser banido. Essa é uma das grandes questões do nosso tempo. Acredito que os Estados Unidos mudarão sua legislação permissiva com relação ao aborto, como fizeram em relação à escravidão, e tomarão medidas para proteger a criança ainda não nascida. Uma vez tomada essa decisão, todos os outros países seguirão no mesmo caminho. Em 100 anos o aborto não será mais legal, em nenhuma circunstância.
Veja — Em artigos recentes o senhor criticou o sexo na TV. Não é um excesso de moralismo?
Johnson — Alguns meses atrás, chamei o diretor do Canal 4 inglês, Michael Grade, de "pornógrafo-mor" da televisão britânica. Ele entendeu a dica e pediu demissão, de modo que posso me gabar de uma pequena vitória. A televisão é inócua no melhor dos casos, destrutiva no pior. Creio que seria mais útil para as pessoas ler bons livros em vez de passar grande parte do dia na frente de uma caixa falante.
Veja — O senhor tem um livro chamado Para o Inferno com Picasso. Nos ensaios desse livro, também ataca o pintor francês Cézanne. O que lhe agrada nas artes plásticas?
Johnson — Quando eu era criança, costumava sair com meu pai, que era pintor, para desenharmos juntos. Passávamos horas diante de igrejas e catedrais, que eram seus motivos pictóricos preferidos. Um dia ele disse: "Bem, Paul, você é muito talentoso, mas não acho que deveria se tornar artista. Eu prevejo um tempo ruim para as artes plásticas. Fraudes como Picasso vão governar pelos próximos cinqüenta anos. Portanto, vá fazer outra coisa". Meu pai morreu quando eu tinha 13 anos e eu segui seu conselho, transformando-me em escritor. Mas nunca deixei a pintura e, nos últimos tempos, confesso que meu maior deleite vem dela. Em abril, tenho uma exposição agendada numa galeria de Londres. Além disso, transformei-me num colecionador e hoje sou dono de um acervo bastante razoável de 350 obras, mais uma enorme coleção de livros de arte. Como pintor e colecionador, gosto do tradicional e do realista. E não acho que esteja errado nisso. Suspeito que, no futuro, o século XX será visto como um período de aberrações. Um período em que a arte descarrilou por um desvio modernista antes de voltar à pintura tradicional. Nesse dia, talvez percebam que Picasso era um artista de talento, mas também um cínico, que percebeu que poderia ter imenso sucesso se fizesse concessões às modas estéticas. E que Cézanne era simplesmente um mau pintor, ainda que esforçado.
Veja — Sua opinião sobre pintura moderna também vale para a literatura?
Johnson — Acho que não é preciso tanta preocupação com a literatura quanto com a pintura. Obras literárias são escritas em linguagem que todo mundo pode entender e julgar autonomamente. Artes plásticas, por outro lado, intimidam um pouco. As pessoas acham que precisam de especialistas para explicar-lhes o que está acontecendo. Daí nascem as fraudes, como Picasso. De qualquer modo, não tenho lido muitos ficcionistas contemporâneos. O último romancista moderno que li com prazer foi Evelyn Waugh, e ele morreu nos anos 60. Talvez pudesse citar também meu amigo Kingsley Amis, morto há três anos — mas não seu filho, Martin, que é absolutamente ilegível. Entre os poetas, Auden não era ruim, e Stephen Spender é muito bom. Minha autora preferida, no entanto, é Jane Austen. Ela morreu há 200 anos.
Veja — A coroa britânica dá sinais de querer aproximar-se do povo. O que o senhor acha da idéia?
Johnson — A rainha está certa ao tentar uma melhor comunicação com seus súditos. Mas não acho que a coroa deva buscar popularidade, no sentido em que estrelas de cinema são populares. Seria terrivelmente indigno.
Veja — A comoção em torno da morte da princesa Diana pareceu-lhe de bom gosto?
Johnson — Sim, eu aprovei aquele rompante espontâneo de sentimento popular. A coroa tentou diminuir a importância daquela morte e foi corrigida pela população. Deram-lhe, então, um enterro adequado, que foi ao mesmo tempo uma grande demonstração democrática. Eu gostava muito de Diana. Era uma pessoa rara, com um único defeito grave: o pavoroso gosto para homens.
Veja — Logo depois da eleição do primeiro-ministro Tony Blair, a maioria dos intelectuais ingleses parecia bastante satisfeita, inclusive o senhor. A lua-de-mel continua?
Johnson — Sinto que surgiu uma ponta de ceticismo em muitos de meus amigos. Mas continuo otimista. Temos um ótimo primeiro-ministro: jovem, charmoso, inteligente e firme nos princípios. Prepara-se agora para apresentar seu plano de reforma do Estado de bem-estar, uma jogada política bastante ousada. Como sabemos, a Inglaterra foi pioneira na implantação de um Estado de bem-estar, mas depois viu esse aparato sair das proporções adequadas e se tornar excessivamente caro. Qualquer reforma nessa máquina será complicada e sofrerá oposição. Mas Blair é determinado e, se o plano for tão radical e ambicioso quanto espero que seja, poderá se tornar um modelo para todo o mundo, da mesma maneira que a fórmula de privatização da senhora Thatcher tornou-se universal.
Veja — As comparações freqüentes entre Tony Blair e Bill Clinton procedem?
Johnson — Não, de jeito nenhum. Clinton é um oportunista, um homem de moral muito duvidosa. Blair tem convicções, fé religiosa e princípios. Eles são antípodas.
Veja — O senhor votaria pelo impeachment de Clinton, caso fosse provado que ele realmente assediou sexualmente secretárias e estagiárias?
Johnson — Acho que preferiria outra solução. O impeachment só foi usado uma vez na História dos Estados Unidos, contra Andrew Johnson. Os resultados foram muito duvidosos. É um processo longo e trabalhoso, que tende a sofrer todo tipo de interferência política. Caso seja mesmo impossível provar a inocência do presidente, gostaria que ele nos oferecesse a solução mais fácil e saísse de fininho.

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