Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
D.  Estevão Bettencourt, OSB
Nº   254 – Ano 1981 – Pág. 65.
(via Prof. Felipe Aquino) 
O MÉTODO PAULO FREIRE EM DEBATE
Em síntese: O
 método Paulo Freire de  alfabetização é muito mais do que uma técnica 
de aprendizagem. Como o próprio  autor o reconhece, é uma forma de 
despertar a consciência da população simples  para a dualidade de 
opressores e oprimidos que caracteriza a sociedade atual,  segundo P. 
Freire e outros pensadores. Mediante palavras geradoras  o
 estudioso  visa a suscitar na gente oprimida a conclusão de que é 
necessária a luta de  classes. Assim a pedagogia se torna pregão 
político revolucionário. Ademais P.  Freire tenciona extinguir a 
diferença entre mestre e discípulos, pois “ninguém  educa ninguém nem 
ensina coisa alguma a alguém”. A escola passa,  consequentemente, a se 
chamar “círculo de cultura”. Neste a educação é  libertadora, 
problematizadora, e não domesticadora, bancária ou  alienante.
Ora
 tal sistema deve ser  reconhecido como politizante em sentido 
esquerdista. P. Freire, exilado do  Brasil, tem colaborado com Governos 
de tendência marxista. Além do quê, é de  notar que, embora professe não
 querer ensinar coisa alguma, o mestre, segundo P.  Freire, tem o 
objetivo predefinido de levar os educandos a posições  revolucionárias. 
Os textos citados no decorrer do artigo ilustrarão e  desenvolverão 
quanto é dito nesta síntese.
Comentário: Paulo
 Freire, pensador  pernambucano, ensinou na Universidade Federal de 
Pernambuco, onde dirigiu o  Centro de Extensão Cultural. Mais tarde 
desempenhou a função de Consultor para  Assuntos de Educação no 
Ministério de Educação e Cultura. Em 1962 fundou um  movimento de 
educação popular no Nordeste. A revolução de 1964 levou-o a deixar  o 
Brasil; foi então contratado pela UNESCO para servir em Santiago do 
Chile,  onde trabalhou a formulação do Plano de Educação em Massa 
durante o Governo  Eduardo Frey e sob Salvador Allende. Tornou-se membro
 da cúpula do Conselho  Mundial das Igrejas e professor visitante da 
Universidade de Harvard (U.S.A.).  Foi convocado pelo novo Governo de 
Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé como  assessor em assuntos de 
educação. Atualmente tenciona voltar ao Brasil, onde  exerce grande 
influência não somente através de suas obras, mas também através  de 
comentários dessas obras.
Tem-se
 discutido a respeito do  método de alfabetização concebido por Paulo 
Freire; especialmente a sua  filosofia tem sido controvertida. Eis por 
que proporemos abaixo as grandes  linhas do sistema Paulo Freire, às 
quais seguirão algumas  ponderações.
1.    O sistema Paulo  Freire
Examinaremos:
 1) a tese  fundamental de Paulo Freire; 2) as técnicas libertadoras dos
 “Círculos de  cultura”; 3) o papel atribuído por P. Freire à Igreja.
1.1. A tese fundamental de Paulo  Freire
O
 método de alfabetização de Paulo  Freire é muito mais do que uma 
técnica para ensinar a ler; é, sim, a transmissão  de uma filosofia de 
vida, que passamos a expor.
Parte
 da afirmação de que a  sociedade contemporânea se apresenta em 
permanente conflito de forças contrárias  umas às outras; a superação de
 cada atrito gera novo atrito. Essas forças  antagônicas são designadas 
pelos termos “opressores” e “oprimidos”, sendo, em  última instância, 
opressores os que possuem os meios de produção, e oprimidos os  que não 
os possuem, mas oferecem o trabalho.
A
 situação de conflito em que vive  a sociedade, não será superada por 
reformas ou por melhoramento das condições de  vida dos trabalhadores; 
as reformas, em última análise, atenuam as tensões e  diminuem as 
disposições de luta por uma transformação radical.
Ora,
 segundo Paulo Freire, a  almejada transformação radical da sociedade 
exige um processo de educação das  massas que as habilite a tomar 
consciência ou a conscientizar-se¹ da sua  condição de oprimidos e as 
leve a empreender a sua libertação. Tal educação  chama-se libertadora.
 Na educação libertadora, portanto, visa a despertar  as consciências 
para que se movam em prol de uma sociedade nova, isenta de  opressões.
A educação libertadora é,  essencialmente, problematizadora:
 não deve trazer certezas nem suscitar  segurança, mas, sim, levantar 
problemas e aguçar as tensões, a fim de provocar  conflitos 
transformadores. A educação que não seja problematizadora e  conflitiva,
 vem a ser puro assistencialismo, invasão cultural e alienação. – Sem  
educação libertadora torna-se inútil qualquer reforma das estruturas 
sociais,  ainda que violenta e armada, pois a antiga ideologia permanece
 latente e pode  ressurgir, restaurando as estruturas opressoras na 
sociedade.
É
 na base destas premissas que  Paulo Freire apregoa a alfabetização; 
esta é, como dito, mais do que um método  de aprendizagem da leitura, 
pois está inseparavelmente associada ao intuito de  fazer do 
alfabetizando um agente revolucionário.
É
 isto que leva a dizer que Paulo  Freire não tem apenas preocupações 
pedagógicas, mas é também movido por  intenções políticas. Aliás, um 
repórter do Jornal da República de Recife,  aos 31/08/79, 
interrogou Paulo Freire, de passagem pelo Brasil, a respeito de  
eventual filiação a partido político; ao que respondeu o mestre: “Faço 
política  através da pedagogia”.
Escreve também Paulo  Freire:
“A
 conscientização, associada  ou não ao processo de alfabetização,... não
 pode ser blá-blá-blá alienante,  mas um esforço crítico de desvelamento
 da realidade, que envolve necessariamente  um engajamento político” (Ação Cultural para a Liberdade,  p.  109).
“A
 educação libertadora não pode  ser a que busca libertar os educandos de
 quadros negros para oferecer-lhes  projetores. Pelo contrário, é a que 
se propõe, como prática social, a contribuir  para a libertação das 
classes dominadas. Por isto mesmo é uma educação política,  tão política
 quanto a que, servindo às classes dominantes, se proclama contudo  
neutra” (ib. p. 110).
Vejamos agora de mais perto em que consistem
1.2. As técnicas dos “círculos de  cultura”
O conceito de educação libertadora  derivado das premissas de Paulo Freire
-
 não significa transmissão de  hábitos bons ou virtudes pelas quais o 
homem faça reto uso das suas faculdades,  ordenadas segundo a razão, 
como propunha Aristóteles (+ 322 a.C.) em sua  Ética a Nicômaco...
- nem significa ensinar a  raciocinar e pensar, para que a criança, o adolescente e o adulto cresçam em  ciência e saber.
Estas diversas acepções de  educação, segundo Paulo Freire constituem o que ele chama “educação  domesticadora, bancária ou alienante”.  Supõem
 um mestre que  tenha conhecimentos verídicos e hábitos bons e comunique
 o seu cabedal ao  educando como sendo valores e padrões válidos para 
este. Tal tipo de educação,  diria o pensador pernambucano, é fruto das 
estruturas sociais de dominação e  opressão e só serve para consolidar e
 perpetuar esta realidade vigente. A  educação domesticadora mantém a 
diferença de classes, supondo que haja quem  tenha saber e quem não o 
tenha, quem deva falar para ensinar e quem deva ouvir  para aprender.
Paulo Freire explica em termos  veementes o adjetivo “bancária” aposto ao tipo de educação que ele não  aceita:
“Em
 lugar de comunicar-se, o  educador faz “comunicados” e depósitos que os
 educandos, meras incidências,  recebem pacientemente, memorizam e 
repetem. Eis aí a concepção bancária da  educação, em que a única margem
 de ação que se oferece aos educandos é a de  receberem os depósitos, 
guardá-los e arquivá-los. Margem para serem  colecionadores ou 
fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os  grandes 
arquivados são os homens, nesta... equivocada concepção “bancária” da  
educação. Arquivados, porém, porque, fora da busca, fora da praxis os homens não podem  ser.
Na
 visão “bancária” da educação, o  “saber” é uma doação dos que se julgam
 sábios aos que julgam nada saber. Doação  que se funda numa das 
manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a  absolutização 
da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro”  (Pedagogia do  Oprimido, p.  67).
A educação “bancária” ou  “domesticadora” desumaniza, segundo P. Freire.
Que
 vem a ser, pois, a educação  “libertadora” ou “problematizadora”, que 
P. Freire propõe em lugar da  clássica maneira de educar?
1.2.1.  Educador-educando
A
 educação, segundo o pensador  pernambucano, apaga a distinção entre 
educador e educando. Em vez de falar de  “educador do educando” e de 
“educando do educador”, falará de  “educador-educando” e “educando-educador”.
“O
 educador já não é o que  apenas educa, mas o que, enquanto educa, é 
educado, em diálogo com o educando,  que, ao ser educado, também educa. 
Ambos assim se tornam sujeitos do processo em  que crescem juntos e em 
que os “argumentos de autoridade” já não  valem...
Já
 agora ninguém educa ninguém,  como tampouco ninguém se educa a si 
mesmo; os homens se educam em comunhão,  mediatizados pelo mundo. 
Mediatizados pelos objetos cognoscíveis, que, na  prática “bancária”, 
são possuídos pelo educador, que os descreve ou os deposita  nos 
educandos passivos” (Pedagogia do Oprimido,  p.  78s).
1.2.2. Problemas e  crítica
Em vez de transmitir certezas ou  verdades seguras, a educação segundo P. Freire
-  levanta  problemas,  apresenta desafios, mostrando o homem inserido no  mundo e necessitado de acabamento;
-  suscita  atitudes críticas ou rebeldes  em relação à realidade  vigente:
“A
 educação  problematizadora ... é futuridade revolucionária.  Daí que 
seja  profética e, como tal, esperançosa.  Daí que corresponda à 
condição  dos homens como serem históricos e à sua historicidade...  Daí
  que se identifique com o movimento permanente em que se acham 
inscritos os  homens, como seres que se sabem inconclusos” (Pedagogia do
 Oprimido, p.  84).
1.2.3.    Círculo de  cultura
Por isto também Paulo Freire já  não quer usar a palavra “escola”, mas, sim, a expressão “círculo de  cultura”.
“A
 liberdade é um dos princípios  essenciais para a estruturação do 
“circulo de cultura”, unidade de ensino que  substitui a “escola” 
autoritária por estrutura e tradição.   Busca-se no círculo de cultura, 
peça fundamental no movimento de educação  popular, reunir um 
coordenador a algumas dezenas de homens do povo no trabalho  comum pela 
conquista da linguagem.  O coordenador, quase sempre um  jovem, sabe que
 não exerce as funções de professor e que o diálogo é condição  
essencial de sua tarefa – a de coordenar, jamais intuir ou impor” 
(Educação como  prática da liberdade, p. 5).
1.2.4.    Diálogo.   Conteúdo programático
A educação, segundo P. Freire,  recorre permanentemente ao diálogo.  É no diálogo que o  educador-educando e o educando-educador vão descobrindo os problemas e tentando  renovar a sociedade.
O
 diálogo compõe-se de  palavras.  Ora a palavra, para Paulo Freire, tem 
significado muito  especial.  Sim; há nela duas dimensões: a ação e 
reflexão,  solidárias entre si; não há palavra verdadeira que não seja praxis; daí  dizer-se que a palavra verdadeira seja transformar o mundo (cf.  Pedagogia do Oprimido, p. 91).
Estas
 afirmações de Paulo Freire  não podem deixar de recordar as de Karl 
Marx: “Até aqui os filósofos não fizeram  mais do que interpretar o 
mundo; trata-se agora de transformá-lo” (Tese sobre  Feuerbach).
É
 através do diálogo que se  elabora o conhecimento programático da 
educação; este não é concebido e  formulado previamente pelo mestre, mas
 é descoberto mediante o intercâmbio  realizado no grupo.  Escreve P. 
Freire :
“Para
 o educador-edicando, dialógico,  problematizador, o conteúdo 
programático da educação não é uma doação ou uma  imposição – um 
conjunto de informes a ser depositado nos educandos, mas a  devolução 
organizada, sistematizada, e acrescentada ao povo, daqueles elementos  
que este lhe entregou de forma inestruturada” (Pedagogia do Oprimido, p.
  98).
E. P. Freire, a propósito, cita  Mao-Tsé-Tung:
“Você
 sabe que, há muito, venho  proclamando: Temos que ensinar às massas com
 precisão o que delas recebemos com  confusão” (ib. p. 98).
1.2.5.    Palavras  geradoras
Para
 elaborar com o povo o  programa de educação, o educador revolucionário 
procurará com o povo palavras  geradoras, isto é, palavras mais usuais, 
relevantes e evocadoras na linguagem  popular; são palavras carregadas 
de experiência vivida e decisivas, como, por  exemplo, favela, tijolo, 
trabalho, roupa, feijão, jarro, latifúndio ... Estes  vocábulos são 
úteis não apenas à análise das letras e dos fonemas, mas também à  
reflexão sobre a realidade cotidiana em que está imerso o povo, pois 
geram  aspirações, decepções e expectativas.
Estas
 palavras geradoras são  escritas em cartazes ou apresentadas em 
dispositivos; os membros dos círculos de  culturas, reunidos 
eventualmente em uma casa de família, discutem tais vocábulos  para 
decodificar a situação existencial que eles codificam, e para descobrir 
as  causas e as conseqüências sócio-políticas de tal situação.
As
 palavras geradoras tornam-se,  nos cursos mais evoluídos, temas 
geradores de debates para todos os  participantes do círculo de 
cultura.  Mais importante do que a  decomposição analítica das sílabas e
 letras que constituem a palavra geradora, é  a discussão sobre a 
situação desafiadora que tal palavra  exprime.
1.2.6.     Revolução
O
 fruto dessa educação dialógica e  crítica há de ser, segundo P. Freire,
 uma revolução cultural, revolução que se  oporá à invasão cultural.  
Com efeito, os opressores tendem a impor  a sua cultura aos oprimidos, 
praticando assim uma invasão cultural, que, aliás,  os próprios 
oprimidos tendem inconscientemente a aceitar; sim, os oprimidos têm,  
não raro, medo da liberdade; por isto tendem a conservar os padrões 
culturais e  os mitos que os opressores lhes incutem.
Em
 conclusão, verifica-se que o  método educacional de Paulo Freire está 
essencialmente vinculado a uma  ideologia, isto é, a uma visão 
filosófica que tende a transformar a sociedade,  induzindo nesta uma 
autêntica subversão.  É o próprio Paulo Freire  quem o afirma numa 
entrevista publicada em “Veja” (20/06/79); o repórter aventou  a 
hipótese de que a educação de Freire fosse um método “assexuado”, 
neutro,  descomprometido com qualquer ideologia.  Ao que P. Freire 
respondeu  :
“Quem
 disse isso, ou não entendeu  nada ou está de má-fé.  Em meu método, 
parte-se do conhecimento do  meio em que se vai desenvolver a 
experiência de educação.  Toma-se  em consideração o universo vocabular 
do grupo em questão, as palavras que são  utilizadas todos os dias e que
 exprimem a vida cotidianas daquelas  populações.  Desse universo 
vocabular são escolhidas as palavras  geradoras.  Estas palavras 
encontram em si os temas de discussão  que deverão corresponder aos 
interesses dos alfabetizados e deverão constituir o  primeiro passo, por
 meio da discussão em grupo, em direção a uma tomada de  consciência 
individual e coletiva dos problemas discutidos.  Esse  aspecto puramente
 mecânico poderá ser utilizado por qualquer pessoa: tirar uma  palavra 
geradora de um universo vocabular também pode ser feito por alguém que  
pretenda mistificar a realidade e a consciência dessa realidade.   De 
minha parte, o conhecimento de uma realidade, que vai sendo construído  
pouco a pouco a partir da experiência dos alfabetizandos, está 
intimamente  ligado à consciência crescente da capacidade de mudar essa 
realidade.   Conhecer para transformar,  é este o objetivo.   O que 
ficou sendo conhecido como Método de Alfabetização Paulo Freire,  não é 
algo que se possa reduzir a um aprendizado meramente lingüístico.   
Trata-se de aprender a ler a realidade – conhecê-la – para em seguida  
poder reescrever essa realidade – transformá-la”.
1.3.      Paulo Freire e a  Igreja
Paulo
 Freire não é hostil ao  Cristianismo em seus escritos.  Ao contrário, 
apregoa a  participação da Igreja Católica no processo educacional 
problematizador.   Para tanto, distingue três tipos de Igreja :
1) A Igreja  tradicionalista,
 que, segundo Freire, está associada às camadas  dominantes.  O pensador
 pernambucano desfigura a Igreja no sentido  clássico, fazendo eco, de 
certo modo, aos dizeres de Karl Marx sobre “a religião  ópio do povo’  
Cf. Pedagogia do Oprimido, pp.  116s.
2)  A Igreja  modernizante, 
 adepta do desenvolvimento econômico.   Esta, embora pareça diferir da 
anterior, entretêm a dependência dos  oprimidos e não se empenha pela 
real libertação das massas, isto é, não colabora  com os movimentos de 
revolução social; defende as reformas estruturais e não a  transformação
 radical das estruturas; fala em “humanização do capitalismo”, e  não em
 suta total supressão.  Cf. Pedagogia do Oprimido, pp.  118-124.
3)  A Igreja  profética. 
 Esta “recusa os paliativos assistencialistas, os  reformismos 
amaciadores, e se compromete com as classes sociais dominadas para a  
transformação radical da sociedade” (Pedagogia do Oprimido, p. 124).   
Rejeita toda forma estática de pensar; sabe que, para ser, tem de estar 
 sendo; sabe igualmente que não há um “eu sou”, um “eu sei”, um “eu me 
liberto”,  um “eu me salvo”, como não há um “eu te dou conhecimento, um 
“eu te liberto”, um  “eu te salvo”, mas pelo contrário um “nós somos”, 
um “nós sabemos”, um “nós nos  libertamos”, um “nós nos salvamos”.  Este
 tipo de Igreja propugna a  chamada “teologia da libertação, profética, 
utópica, esperançosa”, optando pela  transformação revolucionária da 
sociedade e não pela conciliação dos  inconciliáveis.
Para
 Paulo Freire, a única atitude  autêntica do cristão é a profética, pois
 quem não se compromete com os oprimidos  se compromete com os 
opressores.
Perguntamo-nos  agora:
2.    Que dizer ?
Não
 podemos salientar a intenção  fundamentalmente reta de Paulo Freire, 
que se preocupa com as massas e o  proletariado, visando à promoção 
dessa parte das populações do Terceiro  Mundo.
Também
 não desconhecemos o valor  do respeito à liberdade que Paulo Freire 
propugna, rechaçando qualquer tipo de  sufocação da personalidade e dos 
direitos das pessoas mais  humildes.
A
 defesa de valores humanos torna  certas páginas de Paulo Freire 
simpáticas a quem as aborda pela primeira  vez.  Todavia uma leitura 
mais atenta dos seus escritos evidencia,  nos mesmos, traços 
incompatíveis com as autênticas concepções  cristãs.
2.1.                           Os princípios de  Freire
Merecem atenção especial os  seguintes princípios de Paulo Freire:
1) O pensador pernambucano  professa a subordinação do conhecimento e da palavra à transformação do mundo ou  à praxis:
“A
 mera captação dos objetos como das  coisas é um puro dar-se conta deles
 e não ainda conhecê-los” (Extensão ou  Comunicação, p. 28).
“O
 homem não pode ser compreendido  fora de suas relações com o mundo ... O
 homem é um ser da praxis ... Não há  possibilidade de dicotimizar o 
homem do mundo, pois que não existe um sem o  outro” (ib.)
Tais
 frases lembram os princípios  do marxismo, que limitam as aspirações do
 homem à transformação deste mundo e  ignoram o valor do conhecimento 
como apreensão da verdade, qualquer que seja a  índole desta.  Não se 
pode dizer que a eficácia transformadora do  conhecimento seja o 
critério da autenticidade do conhecimento.  Nem  se pode fazer da 
repercussão política e social de determinada proposição o  critério do 
valor de tal proposição.
A
 realidade ou a extensão do ser é  mais ampla do que o âmbito do 
sócio-econômico-político.  Por  isto há enorme valor em conhecer também 
as verdades que não se prendam  diretamente ao político; há verdades de 
ordem especulativa, que não alienam  necessariamente o homem, mas o 
podem habilitar a ser mais sábio transformador  deste mundo.  A 
filosofia cristã sempre professou o primado do  Logos (do conhecimento como tal, teórico ou prático).  Sobre  a praxis; esta decorre daquele, e não vice-versa.
2)
 A crítica ou a  problematização não pode ser o primeiro passo da 
inteligência.   Esta foi feita para a verdade como tal, ou seja, para 
reconhecer e  afirmar a verdade; foi feita, antes do mais, para o Sim.  O  Não
 ou a contestação só tem sentido se proferido em função de um Sim  
anterior.  É preciso, pois, antes do mais, que a inteligência se  
disponha a apreender a verdade como tal numa atitude otimista e 
confiante; só  depois disto poderá ela com fundamento dizer Não à 
Não-verdade ou à  Não-autenticidade.  A problematização como princípio 
de  “educação” pode deformar os hábitos do educando; é não raro a 
expressão de  neurose mórbida, que leva a atitudes doentias.
2.2.                           Educação domesticadora x Educação  libertadora
A antítese acima, estabelecida por  P. Freire, é artificial por três motivos:
2.2.1.        Memorização x conhecer
Conforme
 P. Freire, a educação  domesticadora se identifica com memorização, ao 
passo que a libertadora propicia  conhecimento (cf. Pedagogia do 
Oprimido, p. 79).  Ora tal antítese  é insustentável, porque o ser 
humano, dotado de inteligência como é, é sempre  propenso a raciocinar e
 mesmo a criticar as noções que receba dos  mestres.
Note-se
 também que será sempre  necessário decorar tabuada, nomes de capitais, 
rios, datas da história ...  (infeliz o cidadão que não saiba de cor 
tais elementos!), P. Freire o reconhece,  mas julga que, além da 
memorização, deve haver na escola uma doutrinação  filosófica de ordem 
politizante e marxista, de modo a atirar classe social  contra classe 
social.  E nesta doutrinação que consiste a novidade  da educação 
libertadora ou problematizadora.  E é precisamente esta  doutrinação que
 faz do método P. Freire algo mais do que um sistema educacional,  
tornando-o instrumento de política partidária ou de infiltração 
esquerdizante  nas massas populares.  Quem aceitou o método Paulo 
Freire, aceitará  consequentemente a luta de classes na sociedade e a 
revolução armada de  inspiração marxista.
Note-se
 também que em nossos dias  os métodos de aprendizagem recorrem às 
técnicas audiovisuais, à análise e à  indução.  O aluno é chamado a 
participar de seminários e fazer  pesquisas (na medida em que ele o 
possa e queira).  Os responsáveis  pela educação em alguns lugares 
costumam também ouvir os alunos (ou os pais dos  alunos) a respeito de 
grandes decisões a ser tomadas na  escola.
2.2.2.                  Educação libertadora também é  domesticadora
A educação libertadora proposta  por Paulo Freire não deixará de ser também domesticadora1
 .   Com efeito, diz o próprio mestre que não há ciência nem técnica 
assexuada  ou neutra, mas que tanto a ciência quanto a técnica estão 
condicionadas  histórico-socialmente (cf. Extensão ou Comunicação?, p. 
34).   Isto significa que na educação libertadora o educador não pode 
deixar de  dirigir e manipular; ele tem um objetivo pré-definido e se 
empenha por  atingi-lo, pois quer que a turma chegue a atitudes críticas
 e acirradas. A  escolha das palavras geradoras, embora se faça por 
sugestão do grupo, não pode  deixar de estar sob a responsabilidade 
última do coordenador; o mesmo se diga em  relação ao debate sobre tais 
palavras, que, em última instância, é conduzido  pelo mestre para que 
chegue à conclusão de que tal grupo é explorado e oprimido  a ponto de 
ter que se insurgir violentamente contra os seus opressores. Em  outras 
palavras: o sentido da conscientização já está de antemão  definido.  
2.2.3.                  O nivelamento de educador e  educando
Não
 há dúvida de que todo mestre  há de ser aberto à aprendizagem de novas e
 novas verdades, como também à  reformulação de seus conceitos; o 
progresso no saber é-lhe muitas vezes  ocasionado pelo convívio com os 
próprios alunos.
Isto,
 porém, não quer dizer que o  professor se deva julgar tão educando 
quanto o próprio discípulo.   Um tal esvaziamento do conceito de mestre 
vem a ser nocivo aos alunos,  pois estes precisam de sentir firmeza e 
segurança no seu orientador.   A profissão da verdade deve ser efetuada 
com desassombro e sem  subterfúgio, mas também com humildade.  Pelo fato
 de ter descoberto  a verdade sobre tal ou tal assunto, o mestre é 
devedor em relação aos seus  alunos, e deve pagar-lhes a dívida, 
comunicando e demonstrando a verdade;  proponha os pontos certos e 
indubitáveis como certos, e os pontos ainda  discutíveis como 
discutíveis.  Esta oferta da verdade, longe de ser  desrespeito ao 
próximo, é precioso serviço prestado ao mesmo.
Por
 isto também não se pode  aceitar a frase: “Ninguém educa ninguém” 
(Pedagogia do Oprimido, p. 79).   Na verdade, os homens são dependentes 
uns dos outros para eduzir (educere  >
 educar) as virtualidades latentes  no seu íntimo.  Em geral, são os 
pais, no lar, e os mestres, na  escola, que educam os mais jovens; 
afirmar isto não significa “estar a serviço  de algum sistema político 
opressor”.  O desempenho da autoridade  não é algo de vergonhoso que se 
deva banir, mas, ao contrário, é um serviço que  não se pode extinguir e
 que faz eco às palavras de Cristo: “O Filho do Homem  veio não para ser
 servido, mas para servir” (Mc 10,45).
2.3.           Igreja e  libertação
P.
 Freire distingue entre Igreja  tradicional, Igreja modernizante e 
Igreja profética; só aceita esta última  porque toma o partido 
revolucionário dos oprimidos.
Na
 verdade, existe uma só Igreja,  embora possa haver diversas atitudes de
 cristãos.  A única Igreja  de Cristo interessa-se, sem dúvida, pela 
pólis e pela arte de a reger  (política), pois Cristo lhe confiou a 
tarefa de apregoar o Reino de Deus neste  mundo.  Todavia a Igreja não 
pode, como tal, exercer política  partidária ou participar de ação 
subersiva marxista.  O S. Padre  João Paulo II o lembrou sobejamente 
durante a sua estada no Brasil e de novo o  disse em carta escrita aos 
Bispos do Brasil em dezembro de 1980, carta da qual  extraímos os 
seguintes tópicos:
“Através
 de minha viagem pelo Brasil  eu quis reafirmar a convicção primeira, 
profundamente erraizada em meu espírito,  de que a Igreja é portadora de
 uma missão essencialmente religiosa, e cumprir  essa missão é seu dever
 prioritário ...
É certo que a missão da Igreja não se  confina nas atividades de culto e no interior dos templos  ...
Mas
 não é menos certo que a Igreja  perderia sua identidade mais profunda –
 e, com a sua identidade, a sua eficácia  verdadeira em todos os campos –
 se sua legítima atenção às questões sociais a  distraísse daquela 
missão essencialmente religiosa que não é primordialmente a  construção 
de um mundo material perfeito, mas a edificação do Reino que começa  
aqui para manifestar-se plenamente na Parusia ... A Igreja cometeria uma
 traição  ao homem se, com as melhores intenções, lhe oferecesse 
bem-estar social, mas lhe  sonegasse ou lhe disse escassamente aquilo a 
que mais aspira (por vezes até sem  o perceber), aquilo a que tem 
direito, que espera da Igreja e que só ela lhe  pode dar” (extraído do 
JORNAL DO BRASIL, 7/01/81, 1º cad.  P.4).
De
 resto, a divisão da sociedade  em duas classes – a dos opressores e a 
dos oprimidos – é artificial e  injusta.  Há muitos cidadãos que, numa 
perspectiva marxista, seriam  colocados entre os opressores, mas que 
nada fazem por oprimi; não é o fato de  não participar de movimentos 
subversivos que torna o cidadão  opressor.
São
 estas algumas ponderações que  desejamos propor à margem dos escritos 
de Paulo Freire, tentando evidenciar que,  apesar das aparências, servem
 a uma ideologia não cristã e, por isto, não são  cartilha para o 
educador católico. 
_________________
1
 Paulo Freire é o primeiro a aplicar as palavras  “conscientizar” e 
“conscientização” ao setor da pedagogia.   Com seu conteúdo vernáculo 
específico, tais vocábulos foram introduzidos  no vocabulário de idiomas
 como o francês e o alemão, tidos como intensos à  aceitação de 
neologismos.
1 Melhor seria não usar tal vocábulo, que é  pejorativo e caricatural. Preferimos dizer: “educação diretiva e  orientadora”.
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