Os
8 milhões de estudantes brasileiros matriculados no ensino médio
passaram a receber neste ano aulas de sociologia e filosofia -
disciplinas que, por lei, se tornaram obrigatórias em escolas públicas e
particulares. Com base nas diretrizes estabelecidas pelo Ministério da
Educação, cada estado fez o seu currículo, no qual a maioria dos
colégios privados também se espelha em algum grau. A leitura atenta
desse material traz à luz um festival de conceitos simplificados e de
velhos chavões de esquerda que, os especialistas concordam, estão longe
de se prestar ao essencial numa sala de aula: expandir o horizonte dos
alunos. Não faltam exemplos de obscurantismo. Para se ter uma ideia, no
Acre uma das metas do currículo de sociologia é ensinar os estudantes a
produzir regimentos internos para sindicatos de trabalhadores -
verdadeiro absurdo. Um dos explícitos objetivos das aulas em Goiás, por
sua vez, é incrustar no aluno a ideia de que "a constante diminuição de
cargos em empresas do mundo capitalista é um fator estrutural do sistema
econômico" (visão pedestre que desconsidera o fato de que esse mesmo
regime resultou em mais e melhores empregos no curso da história). Sem
dar às questões a complexidade que elas merecem, as aulas abrangem de
tudo: no Espírito Santo, por exemplo, a filosofia abarca da culinária
capixaba aos ritmos indígenas. Conclui o sociólogo Simon Schwartzman:
"Tratadas com superficialidade e viés ideológico, essas disciplinas só
tendem a estreitar, no lugar de ampliar, a visão de mundo". [Não deixe de ler a crítica de Simon Schwartzman sobre o currículo de sociologia para o ensino médio no Rio de Janeiro]
O
viés presente nas aulas de sociologia e filosofia tem suas raízes
fincadas nas faculdades de ciências sociais - de onde saíram, ou a que
ainda pertencem, os professores responsáveis pela confecção dos atuais
currículos. Desde a década de 70, quando se firmaram como trincheiras de
combate à ditadura militar nas universidades, tais cursos se ancoram no
ideário marxista, à revelia da própria implosão do comunismo no mundo -
e estão cada vez mais distantes do rigor e da complexidade do
pensamento do alemão Karl Marx (1818-1883). Diz a doutora em ciências
sociais Eunice Durham, da Universidade de São Paulo: "Boa parte dessas
faculdades propaga apenas panfletos pseudomarxistas repletos de clichês e
generalizações, sem se dar sequer ao trabalho de consultar o original".
Isso se reflete agora, e de forma acentuada, nos currículos escolares
de sociologia e filosofia, criticados até mesmo por quem participou da
feitura deles. À frente da equipe que compôs os do Rio de Janeiro, a
educadora Teresa Pontual, subsecretária estadual de Educação, chega a
reconhecer: "Se criássemos diretrizes distantes demais da realidade dos
professores, eles simplesmente não as aplicariam na sala de aula - fomos
apenas realistas".
Sob
a influência francesa, a sociologia e a filosofia começaram a ganhar
espaço no ensino médio brasileiro no fim do século XIX, até se tornarem
obrigatórias, ainda que com pequenas interrupções, entre 1925 e 1971.
Seu retorno definitivo ao currículo, sacramentado por uma lei aprovada
no Congresso dois anos atrás para entrar em vigor justamente agora, era
um pleito antigo dos sindicatos dos profissionais dessas áreas. Em 2001,
projeto de lei com o mesmo propósito havia passado pelo Congresso, só
que acabou vetado pelo então presidente (e sociólogo) Fernando Henrique
Cardoso. À época, um parecer do MEC afirmava que os gastos para os
estados seriam altos demais e que não havia no país professores em
número suficiente para atender à nova demanda. Desta vez, o próprio
ministro Fernando Haddad, filósofo de formação, empenhou-se para aprovar
o texto. Daqui para a frente, de acordo com um levantamento do
Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, serão recrutados mais
20 000 professores no país inteiro. Trata-se de algo temerário, segundo
alerta o sociólogo Bolívar Lamounier: "Não há tanta gente qualificada
para desempenhar tal função no Brasil". A experiência recente das
próprias escolas já sinaliza isso. "Está sendo duríssimo achar
professores dessas áreas que sejam desprovidos da visão ideológica",
conta Sílvio Barini, diretor do São Domingos, colégio particular de São
Paulo.
Ao
obrigar as escolas a ensinar sociologia e filosofia a todos os alunos, o
Brasil se junta à maioria dos países da América Latina - e se distancia
dos mais avançados em sala de aula, que oferecem essas disciplinas
apenas como eletivas. Deixá-las de fora da grade fixa é uma decisão que
se baseia no que a experiência já provou. Resume o economista Claudio de
Moura Castro, articulista de VEJA e especialista em educação: "Os
países mais desenvolvidos já entenderam há muito tempo que é
absolutamente irreal esperar que todos os estudantes de ensino médio
alcancem a complexidade mínima dos temas da sociologia ou da filosofia -
ainda mais num país em que os alunos acumulam tantas deficiências
básicas, como o Brasil". Em outros países da América Latina, esse tipo
de iniciativa também costuma resvalar em aulas contaminadas pela
ideologia de esquerda, preponderante nas escolas. Não será desse jeito
que o Brasil dará o necessário passo rumo à excelência.
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