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Entrevista com Jaime Antúnez Aldunate, autor do livro sobre o filósofo da história
SANTIAGO DO CHILE, terça-feira, 18 de setembro de 2007 (ZENIT.org).- Trinta e sete anos depois de sua morte, Christopher Dawson, o filósofo da história, continua deixando lições, em particular aos crentes, constata o Dr. Jaime Antúnez Aldunate, que publicou um livro.
O diretor de «Humanitas» aprofundou em seu livro «Filosofia da história em Christopher Dawson» (Editora Encontro) na herança intelectual e espiritual deste anglicano britânico, nascido em 1889, que se convertera ao catolicismo em sua juventude.
Ao destacar a influência que este autor tem, Antúnez, em uma entrevista concedida à Zenit, constata que «é indicativo que um «best seller» no debate contemporâneo, como Samuel Huntington, dê início ao mais divulgado de seus ensaios –«The Clash of Civilizations» –, citando, entre outros autores modernos, Christopher Dawson».
Três são as obras fundamentais de Dawson: «Progress and Religion» (concebida originalmente como introdução a um longo projeto titulado «The Life of Civilizations», que não chegou a realizar-se em sua integridade); «Religion and Culture»; e «The Dynamics of World History» («A Dinâmica da História Universal»).
–Dawson é um puro historiador? Estamos frente a um filósofo da cultura? Trata-se sua obra de uma filosofia da religião? Ou de uma filosofia da história?
–Jaime Antúnez: Uma resposta ajustada obriga a afirmar, em primeiro lugar, que uma preocupação dessa índole estaria longe de inquietar o próprio Dawson. Ele se sentiria certamente incomodado e dubitativo quanto a que responder. Quem tiver lido sua obra verificará, em segundo lugar, que poderá perfeitamente dar-se inclusive uma resposta afirmativa às quatro possibilidades que me formula, pois no historiador Christopher Dawson faz, com efeito, ao mesmo tempo uma filosofia da cultura, uma filosofia da religião e, por certo, também uma filosofia da história. É verdade que em alguma ocasião nosso autor parece relutante a que o considerem primordialmente um filósofo. Desta forma, para alguns conhecedores de sua obra, o seu maior valor radica na inteligência e enorme amplitude panorâmica de suas percepções, mais que na estruturação rigorosa de uma filosofia ou em um estudo filosófico da história, como pode ver-se por exemplo em seu contemporâneo, também britânico, Arnold Toynbee. Se isso é efetivamente assim, ninguém entretanto poderá negar o valor, a profundidade e a originalidade de uma importante quantidade de intuições filosóficas suas, nascidas da meditação da história, assim como a consistência que se desprende do conjunto delas, ainda quando às vezes adoeçam de certa falta de sistematicidade.
–Precisamente você dedica o segundo capítulo de seu livro a confrontar o pensamento de Dawson com o de Spengler e o de Toynbee.
–Jaime Antúnez: Isso me pareceu uma tarefa útil e até necessária, que visa a aprofundar no significado e valor da obra de Dawson, pois introduz o leitor em seu horizonte filosófico próprio e, o mais importante, situa-o de entrada como um autor distante e contraposto às escatologias imanentistas ou intramundanas, e às filosofias da história impregnadas de idealismo hegeliano manifesto ou difuso, que tanto proliferaram no século XX... Dawson dedica ainda, a cada um dos dois autores mencionados, um capítulo especial de «A Dinâmica da História Universal», além de numerosos comentários espalhados em seus livros e artigos.
–Parece ficar assim respondido que no estudo da obra de Dawson, ainda pode-se fazer um enfoque centrado no historiador que ele foi, ou no filósofo.
–Jaime Antúnez: Sim. Por isso também tive a preocupação de destacar aquelas investigações e reflexões suas que contribuem para iluminar o horizonte de sentido dos fatos humanos. Deve-se dizer – a propósito da filosofia da história – que Dawson é um decidido defensor do que chama «meta-história» – seu próprio e mais genuíno campo de pensamento – âmbito no qual coabitam e se complementam desde a história até a teologia, passando pela sociologia, a ciência política, a antropologia, a arte e a filosofia.
Particular relevância tem no conjunto desta «meta história» dawsoniana, a concepção da cultura. Ela atravessa e enriquece toda sua obra e resulta de uma equilibrada equação de elementos materiais – «biologismo moderado» poderíamos chamá-la, que compreende desde o contexto geográfico até a conformação das raças – e elementos espirituais, fórmula que supera com vantagem os desequilíbrios produzidos por diferentes determinismos filosóficos. Em tal equação prevalece sempre o fator espiritual – garantia última da liberdade humana – pois a síntese de uma cultura se obtém para Dawson no plano da inteligência, sendo a mais alta expressão desta, postula, a inteligência da religião.
–Mas isso vai mais longe em Dawson, apontando para uma visão da história «sob a espécie do eterno»...
–Jaime Antúnez: Há efetivamente em tudo isso, como já se pode intuir, infinitamente mais. Pois em último termo, a luz aportada pelo judeu-cristianismo à intelecção da história, que Dawson assume, encontra sua natural culminação na própria presença do divino na história: Deus se revelou primeiro ao homem e mais tarde se fez homem pela encarnação da segunda Pessoa da Trindade. Encarnação e Trindade constituem assim o eixo da «meta-história» desenvolvida por Dawson. Fica posta assim ante nossos olhos, efetivamente, a história «sub specie aeternitatis», como ele o expressa.
–Você destaca que aquilo que definitivamente marca o caráter de uma cultura e de uma civilização e sua diferença com outra será, na perspectiva de Dawson, uma determinada visão do mundo, um certo conceito da realidade.
–Jaime Antúnez: Nem a região, nem a raça, nem sequer a língua – resultado de uma tradição racional – guardam para ele comparação em seus efeitos sobre a cultura, com aquele que tem o mundo interior próprio, que é o que a define. Poderá tal visão ser o resultado de gerações de pensamento e ação comum ou brotar da repentina inspiração de um espírito iluminado. Entretanto, praticamente sempre, seu efeito sobre a «materialidade» da cultura será infinitamente mais apreciável que o que tal «materialidade» pudesse em alguma circunstância chegar a ter sobre o espírito da cultura. Esta preeminência da inteligência na concepção da cultura não implica, como é fácil advertir, que Dawson esteja de algum modo comprometido com o ponto de vista intelectualista dos filósofos dos séculos XVIII e XIX. Enquanto estes negam à religião sua influência vital no plano do progresso humano – não seriam as religiões mais que estados no paulatino autodesenvolvimento do Espírito puro, afirmam – nosso autor amplia o conceito de mente humana, considerando nele todo o profundo espaço da consciência. Analisa o desenvolvimento das mais diversas sociedades, desde as primitivas até as de nosso tempo, indagando as características das grandes crises da história e na reação que têm ante elas as diferentes forças vitais que dão suporte às sociedades, e conclui que, no curso dos séculos, pode comprovar-se que a religião é a maior «força coesiva» da cultura e que constitui um «pilar» de toda a grande civilização, isso até o ponto que quando uma sociedade perde sua religião, cedo ou tarde perde sua cultura.
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