Dr.
Jaki, o senhor afirmou que em todas as salas de aula e em todos os
laboratórios deveria estar gravada a frase de Maxwell (1): “Uma das
provas mais difíceis para uma mente científica é conhecer os limites do
método científico”. Que limites são esses?
Os limites da Ciência (e ao falar
Ciência refiro-me à sua forma mais exata, a Física) são fixados pelo seu
próprio método. O método da Física versa sobre os aspectos
quantitativos das coisas em movimento. Só podemos aplicar legitimamente o
método da Física quando captamos aspectos quantitativos das coisas. Mas
se diante das coisas surgem questões como “Isso é bonito?” ou “Isso
existe?” ou “Isso é moralmente bom?”, então estamos fazendo perguntas
que o método da Física não permite responder. Hoje em dia – quando
muitos desejam respostas científicas para as suas perguntas – é muito
importante que essa limitação do método científico seja manifestada com
clareza por físicos de renome.
Os físicos têm uma grande autoridade
epistemológica. Qualquer coisa dita por um Prêmio Nobel de Física, mesmo
que não esteja relacionada com o seu campo específico de estudo, logo
aparece publicada pela imprensa: ele pode falar dos assuntos mais
variados, e até dizer bobagens. Não importa o que diga, é mais fácil ver
as pessoas duvidarem de si mesmas antes de duvidarem de um Prêmio Nobel
de Física. Alguns físicos têm abusado muito da confiança que as pessoas
depositam neles. De qualquer modo – e tendo em vista que esses abusos
acabaram tornando-se coisa de rotina –, descobrimos uma pista que nos
leva a um dos maiores males da cultura Ocidental contemporânea: um
interesse quase exclusivo por quantidades. Virou moda recorrer às
estatísticas para analisar questões morais: quantos agem desta maneira e
quantos agem daquela outra? Depois – nos raros casos em que se chega a
alguma conclusão –, afirma se que é preferível agir conforme a maioria.
Em outras palavras, o perigo “potencial”
que existe no método científico é o de que sob a sua influência podemos
acabar quadriculando a nossa sensibilidade em padrões previamente
fixados. Já que um padrão pode ser medido, podemos cair na tentação de
pensar que encontraremos a resposta para uma dada pergunta tão logo
obtivermos certos resultados quantitativos. Agindo assim, é possível que
estejamos eliminando justamente os aspectos mais interessantes da
própria pergunta, especialmente se ela for uma pergunta estética, moral
ou sobre a existência de algo.
Um cientista observa, por exemplo, uma
amostra no seu microscópio. Ao fazê-lo, aplica legitimamente o método
científico. Mas esse método não pode garantir-lhe nem mesmo o simples
fato de que o microscópio existe e está diante dele. Ponho ênfase nos
verbos existir, estar e ser, pois são os mais metafísicos de todos os
verbos: o método da Ciência não sabe lidar com eles.
“NINGUÉM DEVE UNIR O QUE DEUS SEPAROU”
Qual a sua opinião sobre unir os estudos humanísticos e os científicos num currículo universitário único?
Penso que os estudos humanísticos e os científicos devam estar separados. Não se deve tentar uni-los porque partem de diferentes pressupostos e têm métodos também diferentes. Nas Humanidades, quando estudamos Dante, por exemplo, não perguntamos quantas letras tem a Divina Comédia (ou qualquer outra obra sua). Tal pergunta no campo científico seria até cabível. Contudo, ao estudarmos obras literárias, o nosso propósito é bem específico, e para esse estudo o método científico é de escassa utilidade. As obras literárias geralmente trazem lições de moralidade e de Ética; versam sobre os desígnios humanos, sobre o destino, sobre as reações das diferentes pessoas perante dilemas de consciência. Nenhuma dessas questões pode ser resolvida empregando-se o método científico.
Penso que os estudos humanísticos e os científicos devam estar separados. Não se deve tentar uni-los porque partem de diferentes pressupostos e têm métodos também diferentes. Nas Humanidades, quando estudamos Dante, por exemplo, não perguntamos quantas letras tem a Divina Comédia (ou qualquer outra obra sua). Tal pergunta no campo científico seria até cabível. Contudo, ao estudarmos obras literárias, o nosso propósito é bem específico, e para esse estudo o método científico é de escassa utilidade. As obras literárias geralmente trazem lições de moralidade e de Ética; versam sobre os desígnios humanos, sobre o destino, sobre as reações das diferentes pessoas perante dilemas de consciência. Nenhuma dessas questões pode ser resolvida empregando-se o método científico.
Devemos cultivar tanto os aspectos
quantitativos das coisas quanto aqueles que não são mensuráveis, ou
seja, os seus aspectos qualitativos. O estudo dos aspectos quantitativos
pressupõe o método científico, mas as Humanidades partem de um método
distinto, e por isso devem ser tratadas de um modo diferente. O problema
da nossa cultura é que estamos condicionados por duzentos ou trezentos
anos de Ciência: por isso é tão difícil para nós tratar de questões
unicamente qualitativas. A grande importância que se dá à Ciência nos
tempos atuais torna ainda mais difícil a questão.
Gostaria de repetir uma coisa que já
ressaltei muitas vezes: nenhum homem deve unir as coisas que Deus
separou. E de que modo ou em que sentido Deus separou essas coisas? O
sentido é que existe uma irredutibilidade conceitual entre os aspectos
quantitativos e qualitativos das coisas. Como exemplo poderíamos pensar
na ação de assassinar. Essa ação – pegar uma faca e cravá-la nas costas
de alguém – pode ser corretamente descrita em termos quantitativos:
pode-se medir o tamanho da faca, a profundidade da ferida e o momento
exato em que a vítima expirou. Ainda assim, tais dados não nos
permitiriam descobrir se a pessoa assassinada era inocente ou não, nem
se a ação foi moralmente lícita ou ilícita, nem tampouco se a pessoa que
cometeu o crime sentiu ou não sentiu remorsos.
Os aspectos físicos e morais de uma ação
não podem ser equiparados conceitualmente. É isso que quero dizer
quando afirmo que ninguém deve unir o que Deus separou. Não é que esses
aspectos estejam separados no sentido de que nada têm a ver um com o
outro: simplesmente trata-se de que, ao tentarmos compreender esses
aspectos diferentes, devemos ter em conta que estamos manejando
conceitos totalmente distintos. Nesse sentido as Humanidades não podem
converter-se em Ciência, nem a Ciência converter-se num ramo dos estudos
humanísticos.
O senhor afirmou que o grande
“crime” da nossa época é dizer que o único conhecimento verdadeiro é
aquele que pode ser medido quantitativamente. Quais são as principais
conseqüências desse “crime”?
É um crime no sentido de que essas
aplicações unilaterais do método quantitativo privam o ser humano da sua
sensibilidade para aspectos incomensuráveis da existência. A principal
conseqüência é a relativização dos pontos de vista morais. Em vez de nos
movermos numa perspectiva moral – segundo a qual uma ação é
intrinsecamente boa, ao passo que outra é intrinsecamente má –,
caminhamos segundo um modelo behaviorista. Essa é a base do relativismo
moderno, fundamentado na crença de que existem vários padrões de
comportamento válidos (ou, como se diz na popular expressão americana,
vários “estilos de vida alternativos”). A partir daí, já não se fazem
mais perguntas.
Como o senhor descreveria a atitude da Igreja Católica para com a Ciência, ao longo da História?
A atitude da Igreja para com a Ciência
foi muito benéfica. Considerada em si mesma, essa atitude não tem porque
ser útil à Ciência como tal, uma vez que o campo da Igreja não é o
mundo da Ciência. Como se dizia no tempo de Galileu – e como ele próprio
afirmou, citando Santo Agostinho – “a razão de ser da Igreja não é
mostrar às pessoas como o Céu funciona, mas mostrar-lhes como chegar
lá”.
O que se deve fazer quando as conclusões à que chega a Ciência são contrárias aos ensinamentos da Igreja?
Toda conclusão científica é sempre quantitativa. Como tal, não tem conteúdo moral nem sequer ontológico: o estatuto ontológico está pressuposto (2). Quando um cientista ultrapassa o âmbito próprio da aplicação do método científico, é preciso chamar-lhe a atenção e adverti-lo de que ultrapassou os limites da sua competência. Em outras palavras, quando nos deparamos com conclusões científicas opostas aos ensinamentos da Igreja, não devemos jamais perder a calma. Devemos especificar a natureza das objeções, sejam elas quantitativas ou não. No primeiro caso, não é possível ir contra os ensinamentos da Igreja; no segundo caso, não são objeções científicas: são objeções filosóficas, éticas ou pseudofilosóficas, devendo ser tratadas como tais.
Toda conclusão científica é sempre quantitativa. Como tal, não tem conteúdo moral nem sequer ontológico: o estatuto ontológico está pressuposto (2). Quando um cientista ultrapassa o âmbito próprio da aplicação do método científico, é preciso chamar-lhe a atenção e adverti-lo de que ultrapassou os limites da sua competência. Em outras palavras, quando nos deparamos com conclusões científicas opostas aos ensinamentos da Igreja, não devemos jamais perder a calma. Devemos especificar a natureza das objeções, sejam elas quantitativas ou não. No primeiro caso, não é possível ir contra os ensinamentos da Igreja; no segundo caso, não são objeções científicas: são objeções filosóficas, éticas ou pseudofilosóficas, devendo ser tratadas como tais.
Temos, por exemplo, o caso do aborto. A
Medicina contemporânea chegou tão longe que é possível realizar um
aborto sem prejudicar a mãe, desde que seja feito nas primeiras semanas
da gestação. Isso é um fato médico comprovado. Pois bem, isso não
significa que o aborto seja moralmente lícito só porque se chegou a esse
ponto. Analisemos agora um caso de furto. Existem ladrões que agem com
tal perícia que ninguém percebe o que aconteceu. Será que nesses casos o
ato deixa de ser considerado um roubo só porque foi realizado com uma
esperteza exemplar?
Sempre é necessário recorrer a esta
distinção fundamental: ou falamos simplesmente de quantidades ou então
estamos fazendo referência a uma série de coisas não mensuráveis, e com
conteúdo moral.
A EXISTÊNCIA DE DEUS É CIENTIFICAMENTE DEMONSTRÁVEL?
O senhor afirma que as premissas
filosóficas que servem de partida para o uso criativo do método
científico são semelhantes às premissas filosóficas a partir das quais é
possível demonstrar a existência de Deus. É correta, portanto, a
afirmação de que essas premissas são próprias de ontologias realistas
(3) e que por isso a Ciência demonstra a existência de Deus?
O método científico não demonstra a
existência das coisas, muito menos a de Deus. Voltemos à base de tudo.
Como disse antes, tão logo um cientista afirme que “há um microscópio
diante de mim”, já está falando como um filósofo, tenha ou não
conhecimentos de Filosofia. A essência de toda prova da existência de
Deus está ligada à existência do Universo ou do Cosmos. Se existe um
Universo – como de fato existe – então a razão para a sua existência só
pode ser atribuída a um fator externo ao Universo. Esse fator é Deus.
(Gostaria de indicar que uso o termo Universo no sentido estrito da
palavra: a soma de tudo. Não pode haver dois Universos: a pluralidade de
Universos é contraditória em si mesma).
A Ciência moderna – mediante a Teoria da
Relatividade Geral de Einstein – dispõe de um método não contraditório e
compatível com a atração gravitacional que se observa em todos os entes
materiais. Daí segue-se que a noção de Universo, do ponto de vista da
Ciência, é uma noção legítima. Por que essa conclusão é tão importante?
Porque Immanuel Kant, em seu ataque ao argumento cosmológico (4),
declarou que ele não é concludente porque a noção de Universo é uma
noção falsa. De fato, Kant escreveu que o conceito de Universo é um
fruto ilegítimo dos desejos metafísicos do intelecto.
Mas os cosmólogos contemporâneos têm, no
entanto, que basear seus estudos na Teoria da Relatividade Geral de
Einstein e, portanto, admitir que o Universo é um conceito legítimo do
ponto de vista científico. Deste modo, a Cosmologia contemporânea
destrói a objeção de Kant. E mais: a Ciência atual apresenta-nos o
Universo como algo extremamente concreto, no espaço e no tempo.
Conseqüentemente – e ao contrário do que Kant afirmava – a Ciência não
põe dificuldades à formulação de uma pergunta tão própria da Metafísica
como esta: “Por que o Universo é assim e não de outra maneira?” Qualquer
pessoa minimamente informada sobre a História do pensamento nos últimos
séculos poderá perceber que essa contribuição da Ciência ao argumento
ontológico é de suma importância.
O senhor acredita que as idéias filosóficas de cada cientista influem, ainda que de modo inconsciente, no seu trabalho?
Em todas as épocas – seja no século XIX,
no século XVIII ou mesmo no século XIII – a maioria dos cientistas
sempre compartilhou os mesmos pontos de vista com os restantes grupos
profissionais. É também verdade que as hipóteses empregadas nos
trabalhos não são, na maior parte dos casos, um reflexo do próprio
trabalho científico. Quando o são, o que costuma acontecer é o
aparecimento de formulações muito primitivas das questões filosóficas. É
portanto difícil que se consiga aprender filosofia através das obras
dos Prêmios Nobel. Isso é quase tão perigoso quanto tentar buscar uma
melhor compreensão da obra de Goya num açougue, só porque nos açougues
podemos encontrar carne ensangüentada.
Hoje em dia poucas coisas são tão
perigosas ou nocivas como ler obras escritas por pessoas que ganharam o
Prêmio Nobel de Biologia, Química ou Física e que tentam fazer
divulgação científica. A leitura desse tipo de obras é ainda mais
prejudicial quando se procura aprender Ética com elas. Vejamos, por
exemplo, o livro O acaso e a necessidade, de Jacques Monod (5).
Nesse livro, o autor não define em nenhum momento o conceito de
“acaso”. Se o livro já manca, do ponto de vista filosófico logo no
título, por que lê-lo então? A mesma coisa ocorre nos livros de Ilya
Prigogine (6) sobre a Filosofia da Ciência. O autor afirma que, como a
Ciência não pode prever os estados ulteriores nos processos similares ao
fluxo turbulento, então estes não são produto de nenhuma causa. Esse é
um argumento filosófico muito pobre.
O livro Uma breve História do Tempo, de Stephen Hawking, teve grande sucesso em todo o mundo. A que isso se deve?
Provavelmente ao fato de que o ambiente
cultural contemporâneo está marcado pelo agnosticismo e pelo ateísmo. Em
ambientes assim, as pessoas buscam na Ciência a confirmação de que Deus
não existe. Afinal, se não há Deus, pode-se fazer o que quiser; e isso é
muito reconfortante para um agnóstico ou para um materialista. Quando
chegamos a esse ponto, só nos resta uma pluralidade de modelos ou
estilos de vida alternativos, que cada um escolhe conforme mais lhe
convenha.
A DIFERENÇA ENTRE O QUANTITATIVO E O QUALITATIVO
Qual a sua opinião sobre o fato de muitos cientistas aceitarem a interpretação de Copenhague (7) para a Mecânica Quântica?
Essa interpretação é uma falácia.
Baseia-se na premissa de que se uma ação intermediária não pode ser
medida com exatidão, então não pode produzir-se com exatidão. É uma
falácia porque na primeira parte da premissa a palavra exatidão é usada
em sentido operacional, e na segunda parte é usada em sentido
ontológico. Isso é errôneo, porque os dois campos não se relacionam.
Muito antes de Heisenberg (8) formular o
Princípio da Incerteza, em 1927, e de dar-lhe essa interpretação
anticausal, muitos físicos de renome, entre eles o próprio Heisenberg,
já haviam rejeitado o princípio da causalidade em outros campos. O que
aconteceu foi que, em vez de encontrarem na Ciência uma demonstração ou
refutação da causalidade, o que encontraram foi uma maneira de recobrir
de cientificismo a sua descrença na causalidade. Um disfarce como esse e
uma demonstração científica são coisas bem diferentes.
Procurou-se uma aparência científica
porque a mentalidade da cultura moderna está baseada no pragmatismo e no
relativismo. Tal mentalidade busca recompensas imediatas e tenta
ignorar as conseqüências a longo prazo (que inexoravelmente ocorrerão,
pois há causalidade) das ações individuais. Para poder sustentar essa
mentalidade é necessário adotar um ponto de vista segundo o qual as
coisas parecem não ter coerência. A aparência de cientificismo que
encobre a rejeição da causalidade é o sustentáculo dessa reivindicação
pseudocultural de incoerência entre as coisas e as ações.
Em outras palavras, segundo essa
perspectiva, a vida tem por fim passar por muitos momentos imediatamente
gratificantes, sem que seja preciso pensar na relação entre uns
momentos e outros, nem tampouco nas suas conseqüências. Dito de outro
modo: deve-se ter em conta que a mentalidade atual está doente por causa
do pecado original, como sempre esteve e sempre estará. Sejam quais
forem os argumentos que usemos, o mundo continuará a manter uma certa
mentalidade negativa diante dos argumentos filosóficos puros e da
religiosidade sincera.
Que diferença há entre a mente humana e um computador sumamente perfeito?
Se considerarmos que a mente humana
equivale ao cérebro – que é um conjunto de moléculas – então é possível
estabelecer um paralelismo entre o cérebro e um computador. Mas quem
demonstrou que a mente se reduz ao cérebro? Se “tudo” é assunto próprio
da mente humana, então como a mente pode chegar à idéia de “nada”? Ou
ainda, como a mente pode chegar a formular funções matemáticas que não
podem ser expressas em termos quantitativos exatos, tais como a
tendência ao infinito no cálculo integral, ou o reino dos números
irracionais e imaginários? Se a mente é meramente um conjunto de
moléculas, como se explica que chegue a tais noções, e de modo especial à
noção de nada? O nada é uma das mais espetaculares invenções do poder
metafísico da mente humana. Quando escrevemos essa palavra, ela
converte-se em algo, mas apesar disso continua a significar “nada”. Se a
mente humana reduz-se ao cérebro, fica impossível tratar de coisas tão
essenciais para a vida da mente como as abstrações (que estão implícitas
em todas as palavras) e os fatos da vida espiritual.
O que a Ciência tem a dizer sobre a Evolução biológica?
A Ciência pode declarar que houve um
passado biológico de pelo menos 3 bilhões de anos. Pode estabelecer que
há uma certa sucessão entre as várias espécies e gêneros. Mas quando a
Ciência emprega termos como “espécies”, “gêneros” e “filos”, traz à
baila os poderes metafísicos da mente. Ninguém pode ver os diferentes
reinos animais nem as espécies. Noções como essas, tão essenciais para a
Biologia evolutiva, são todas elas generalizações. A Biologia evolutiva
está repleta de conceitos metafísicos.
Mais ainda: a Ciência biológica não pode
dizer nada a respeito da finalidade da Evolução. Antes de mais nada, a
Ciência não demonstrou empiricamente a origem de uma espécie a partir de
outra. Quando eu aceito a Evolução, coisa que aliás faço partindo dos
poderes metafísicos da minha mente, considero-a como um reflexo
maravilhoso desses mesmos poderes metafísicos. O método científico de
modo algum pode me dizer qual é o rumo ou o propósito da Evolução. Além
disso, o que sem dúvida alguma não me interessa para nada é uma Evolução
baseada em probabilidades, pois probabilidade é um outro modo de dizer
ignorância. A palavra probabilidade já deveria ter sido há muito tempo
eliminada do vocabulário filosófico e científico.
Por que os teoremas de Gödel (9) sobre a inconsistência são tão importantes?
Considerados em si mesmos, tais teoremas
afirmam apenas que a Matemática não pode ser considerada como um
conjunto de proposições verdadeiras a priori e, portanto,
necessárias. Isso no entanto acarreta uma importante conseqüência para a
Cosmologia científica, que é em parte empírica e em parte teórica. Do
ponto de vista teórico, a Cosmologia científica tem muito de Matemática,
e por isso nenhuma expressão da Cosmologia científica pode ser tomada
como sendo necessariamente certa, com base em sua simplicidade
matemática. Apesar disso, alguns cosmólogos modernos (como Hawking, por
exemplo) têm esperanças de encontrar alguma teoria cosmológica que
demonstre que o Universo tem que ser necessariamente o que é e como é.
Um Universo que existe necessariamente não necessita de um Criador.
Agora já deve ter ficado clara a importância dos teoremas de Gödel, uma
vez que tornam impossível sustentar o principal princípio do paganismo
clássico e moderno, a saber: que o Universo é o Ser primordial.
Além do mais, se o Universo – que é a
totalidade das coisas – não pode ser considerado como a coisa mais
primária ou essencial, então fica aberto o caminho para a busca
filosófica e teológica desse Princípio, que é o Criador do Universo. Ou
existimos necessariamente ou somos criados. A terceira alternativa, a de
que somos fruto do acaso, não merece nem ser considerada. O acaso é
sinônimo da nossa ignorância: foi o que muitos sábios já apontaram,
entre eles o Cardeal Newman (no ano passado – 1990 – celebramos o
centenário da sua morte). Newman estava muito próximo ao núcleo central
dessa nossa conversa quando escrevia: “Só existe um pensamento maior do
que o próprio Universo, e esse pensamento é o do seu Criador”.
Notas
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(1) James Clerk Maxwell (1831-1879): físico escocês, um dos mais importantes do século XIX. Fez contribuições ao estudo dos gases, mas os seus trabalhos mais importantes concentram-se no campo do eletromagnetismo, em que desenvolveu as célebres equações para os campos magnéticos e a sua teoria eletromagnética da luz.
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(1) James Clerk Maxwell (1831-1879): físico escocês, um dos mais importantes do século XIX. Fez contribuições ao estudo dos gases, mas os seus trabalhos mais importantes concentram-se no campo do eletromagnetismo, em que desenvolveu as célebres equações para os campos magnéticos e a sua teoria eletromagnética da luz.
(2) Ontologia é a disciplina filosófica
que trata das questões relacionadas ao ser das coisas. O autor quer
dizer aqui que o método científico é incapaz de responder questões
morais (“Isso é bom ou mau?”) e ontológicas (“O que é isto na sua mais
profunda essência?”, “Por que isto existe, se é que existe?”).
(3) Ontologia realista é toda a ontologia que afirma que o homem é capaz de conhecer a essência
das coisas, ou seja, a realidade que está por trás dos seus aspectos
sensíveis, dando-lhe ordem. Em contraposição a ontologia realista,
existe a ontologia imanentista, cujo maior expoente é Kant.
Segundo esse tipo de ontologia, o homem é incapaz de conhecer a essência
das coisas, de dizer com precisão o que determinada coisa é.
(4) O argumento cosmológico é uma das
vias demonstradas por São Tomás de Aquino para provar a existência de
Deus através da razão. O argumento postula que as coisas que existem são
sempre efeitos de uma causa, como o homem pode perceber através da
contemplação do Universo. A procura das causas últimas de cada efeito
leva o homem necessariamente à descoberta de uma Causa Primeira, que não
é efeito de nada. Essa causa é Deus. Como o entrevistado menciona
acima, a impossibilidade de conhecer o Universo conduziria a uma
impossibilidade de conhecer Deus através da razão.
(5) Jacques Monod (1910-1976),
bioquímico francês, recebeu o Prêmio Nobel de Química por sua explicação
do mecanismo de regulação genética nas células. Argumenta na sua obra O acaso e a necessidade (1970) que o ser humano seria um mero fruto do acaso, rejeitando assim qualquer noção de um Deus Criador.
(6) Ilya Prigogine (1917): químico
belga, nascido na ex-União Soviética, recebeu o prêmio Nobel de Química
em 1977 por seus trabalhos em Termodinâmica.
(7) A entrevistadora refere-se à
interpretação da mecânica quântica formulada por Niels Bohr (1885-1962) e
seus companheiros da Universidade de Copenhague. Uma das bases dessa
interpretação é a idéia de que a observação de um experimento interfere
nos seus resultados. A mecânica quântica estuda o movimento dos átomos e
das partículas subatômicas.
(8) Werner Karl Heisenberg (1901-1976):
físico alemão, recebeu o prêmio Nobel de Física em 1932 por suas
contribuições à mecânica quântica. O seu Princípio da Incerteza
postula que não se pode medir simultaneamente e com exatidão a posição e
a velocidade de um átomo ou de uma partícula subatômica.
(9) Kurt Gödel (1906-1978), matemático
austríaco naturalizado norte-americano, célebre por ter provado que é
impossível realizar a completa axiomatização da matemática proposta por
David Hilbert. Os Teoremas da Indecidibilidade (também conhecidos como
Teoremas da Incompletude), provam que em todo sistema formal
suficientemente grande (a aritimética, por exemplo) sempre existirá uma
proposição bem formada para qual será impossível atribuir tanto o valor
de verdadeiro quanto o valor de falso. (N. do E.).
Fonte: Quadrante
*Extraído da entrevista originalmente publicada na revista Atlántida, janeiro/março de 1991, pp. 76-82.
Stanley L. Jaki nasceu na Hungria em 1924. É Doutor em Teologia (Istituto Pontificio di S. Anselmo) e em Física (Fordham University), professor Emérito da Universidade de Seton Hall (Nova Jersey), Doutor Honoris Causa por sete Universidades e membro da Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano. Recebeu por suas publicações os prêmios Lecomte de Nouy (1970) e Templeton (1987), além de distinções por parte de algumas das mais renomadas universidades do mundo, como Oxford e Yale.
Stanley L. Jaki nasceu na Hungria em 1924. É Doutor em Teologia (Istituto Pontificio di S. Anselmo) e em Física (Fordham University), professor Emérito da Universidade de Seton Hall (Nova Jersey), Doutor Honoris Causa por sete Universidades e membro da Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano. Recebeu por suas publicações os prêmios Lecomte de Nouy (1970) e Templeton (1987), além de distinções por parte de algumas das mais renomadas universidades do mundo, como Oxford e Yale.
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