quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

G. K. Chesterton, o incomparável



Famosíssimo jornalista, novelista, poeta e crítico literário (1874-1935) é uma figura única e genial na literatura inglesa e um dos autores modernos mais freqüentemente citados. Sua perspicácia crítica era muito aguda, seu campo de ação universal, seu vigor invencível. Seu jornalismo exerceu uma atração magnética muito mais poderosa do que se poderia esperar de qualquer colunista ou apresentador de televisão hoje em dia.
O Popular
O sábio filósofo tomista Etienne Gilson gostava de relatar esta saborosa anedota: Dois personagens históricos apaixonaram o genial escritor inglês Gilbert Keith Chesterton: São Francisco de Assis e Santo Tomás de Aquino.
O "poverello", porque apelava à sua consciência social, e o santo dominicano porque para G.K. ambos compartilhavam em sua origem a mesma raiz normanda. Um dia decidiu escrever um livro sobre o Doutor "Angélico". Para isso, o prolífico autor, recorreu à sua técnica usual quando se tratava de redigir artigos sobre os temas mais díspares: puxava de sua extraordinária memória os conhecimentos necessários, e o resto deixar por conta de sua viva inspiração. Foi assim que Chesterton ditou a metade da anunciada obra.
Quando alguns alarmados amigos o advertiram de que conscientes eruditos haviam consumido suas vidas através dos séculos estudando Santo Tomás de Aquino, Chesterton fez um parênteses em seu ímpeto criativo e pediu a sua secretária que buscasse alguns livros especializados.
- Que classe de livros?, Perguntou sua colaboradora.
Chesterton respondeu despreocupado:
- Os que você quiser.
Com a ajuda de um sacerdote conhecido, a responsável secretária dedicou-se à busca de tratados e estudos sobre o Aquinate. Ao apresentar a Chesterton o fruto de suas pesquisas, G.K. inclinou seu jovial rosto, coroado de uma leonina melena branca, para permitir que seus olhinhos míopes os percorram à toda pressa, defendendo-se em algumas páginas. Ao dar-se por satisfeito após breve exame, os deixou de lado e terminou com o ditado.
Mais tarde um dos exemplares de "Santo Tomás de Aquino" chegou às mãos do reputado tomista.
- "Chesterton é desesperante" exclamou Gilson. "Estudei Santo Tomás toda minha vida, e nunca poderia ter escrito um livro como o seu. Só um gênio é capaz desta façanha".
"G.K" Chesterton - como ele gostava de assinar seus escritos - foi um dos mais extraordinários personagens que surgiram entre os católicos de fala inglesa neste século. E sem lugar á dúvidas, um dos menos convencionais. Polemista impetuoso e incansável, ensaísta, jornalista, poeta, dramaturgo, autor premiado e propagandista, passava de artigo humorístico, ao ensaio grave e erudito. De sua pluma saíram milhares de artigos e mais de noventa livros. Sua memória para reter os dados que lia tornou-se lendária. Um amigo relatava que podia absorver livros "como uma aspiradora".
"Sou acima de tudo um jornalista" escreveu em sua autobiografia. A este "jornalista" devem-se outras obras de extraordinária prosa como "Ortodoxia"; "Heréticos"; "O homem sempiterno"; "Magia"; "O julgamento do doutor Johnson"; "A pequena história da Inglaterra"; "O homem que era quinta-feira"; a série de aventuras e de mistérios na qual o principal protagonista é um sacerdote católico, o padre Brown; "O Napoleão de Nottin-hill" que se adianta às denúncias de Aldous huxley e George Orwell sobre uma sociedade dominada por um "superestado". Talvez a definição do Papa Pio XI seja a que melhor o classifique; quando o chamou de "defensor da fé" o primeiro inglês a receber tal título desde os escuros dias da reforma.
Chesterton não podia viver sem um constante fluir de idéias em sua cabeça. Inconformado e crítico de tudo o que via de negativo, seus escritos tentavam dar alternativas e soluções. O caso de sua inspiração para escrever "O Napoleão de Nottin-hill" é característico. Um dia estava passeando pelas ruas de um distinto bairro londrino, relatando-se mentalmente historietas de assaltos e assédios feudais, à maneira de Walter Scott, e tratar de aplicá-los vagamente ao "deserto de ladrilhos e concreto" que o rodeavam. Sua Londres natal havia se transformado em uma urbe despersonalizada, cheia de gente anônima.
Frente a seus olhos levantava-se um centro comercial vivamente iluminado que quebrava a monotonia. Uma pequena ilha que seguramente o imaginário inimigo devia conquistar. Alguns jogos de água próximos deveriam ser o alvo do ataque. "Ocorreu-me de repente -lembrará Chesterton mais tarde- que a captura desses jogos de água puderam significar, na verdade, e golpe militar de inundar o vale, e , com aquelas torrentes e cataratas de águas imaginárias, invadiu minha mente a primeira idéia de um conto chamado "O Napoleão de Nottin-hill".
Seus relatos expressam seus ideais, suas posturas políticas. "Nunca levei à sério meus livros; mas levo muito à sério minha opiniões", sentenciou em uma oportunidade.
G.K. Chesterton foi desde muito jovem um homem público. Sua pluma impetuosa, seu gosto pela polêmica e sua incomparável figura -pesava cento e vinte quilos e media 1.83 metros de altura- o transformaram em um dos personagens mais popular da Inglaterra.
Um testemunha presencial de seus debates com George Bernard Shaw, amigo íntimo mas com quem não concordava em nada, o descreve vivamente: "era um senhor gordo e de braço curto, abundante e franzido, que juntava as mãos sobre a barriga, retorcendo-as á medida em que ia se expressando, e que, entre lábios, borbulhava algo que se não chegava perceptivelmente aos demais, lhe produzia hilaridade de sobra ao emiti-lo para não poder sequer concluir as frases".
"Chesterbelloc"
Incrivelmente distraído para as questões práticas, nunca consegui (nem lhe importava muito) vestir-se com correção. Andava sempre desalinhada. Sua esposa Frances Blogg optou por cobri-lo com uma capaz e um chapéu de aba larga que, junto com seu sable-bastón, seu cachecol sobre os ombros e seus óculos de moldura metálica, tornaram-se sua marca registrada.
Foi justamente em uma polêmica onde conheceu outro personagem católico que seria decisivo em sua vida: Hillaire Belloc. Este já era famoso orador em Oxford. Depois de escutá-lo polemizar, ambos se retiraram a um pequeno e escuro café no Soho onde começou a amizade. Mais tarde publicariam juntos um jornal semanal de denúncias chamado "Eye Watch", o que para Chsterton revolucionou o jornalismo inglês.
Belloc e Chesterton formaram uma dupla de adailes em uma série de causas que iam desde a oposição sincera ás guerras dos ingleses contra os boers sul-africanos, uma diversidade de assuntos de tipo social e, quando este último se converteu ao catolicismo, a propagação da fé em um âmbito agnóstico e naturalista. Formaram um conjunto tão compacto na comunhão na das idéias, que o mordaz Shaw os batizou ironicamente "Chesterbelloc".
"Nada convencional"
Este personagem tão pouco dado ao formal nasceu, no seio de uma família ultra convencional, em 29 de maio de 1874. Seus pais pertenciam à classe média "um pouco antiquada", instalada em Kensing-ton onde seu pai dirigia um negócio de boas raízes.
O menino, vivia, aprendia rapidamente de memória as melhores páginas de literatura inglesa, tão extremamente que à idade de sete ou oito anos conhecia Shalkespeare sem entender bem o que significavam as palavras. Desde então, o costume de recitar ou contar de memória contos e relatos nos momentos mais inesperados.
Sua juventude está marcada por um percurso dos "ismos", sem maior convicção e quase à deriva. Aproxima-se ao socialismo, ao radicalismo, ao liberalismo. Seu inconformismo foi proverbial, "odiando o que a maioria das pessoas gostam" por convencionalismos vazios. Muito jovem iniciou como jornalista no "Daily News", carreira que lhe dará renome.
Descrente como a maioria dos jovens de sua geração, torna-se amigo do clérigo da "High Church" chamado Conrad Noel. "Havia - relata G.K. - certamente duas tendências no quel ele chamava emancipação da fé de credos e dogmas do passado". Este personagem, poeta e aristocrata excêntrico, se considerava "socialista cristão" e participava de um grupo chamado "Chritian Social Union", e apareceu quando Chesterton "não tinha religião".
Noel desperta no jornalista uma preocupação com o religioso e social que nunca o abandonará. Desde aquela plataforma anglicana se dirige aos operários de Nottingham tratando do que considerava o dever cristão ao problema moderno da pobreza industrial.
É uma etapa de busca para Chesterton. Estas indagações o conduzem ao deísmo, às sociedades teosóficas e éticas. Chega à conclusão de que não existiam as religiões novas. Somente "Israel esparramado pelos montes como borregos que perderam seu pastor, e vi um bom número de borregos sair correndo, balindo, veementemente para qualquer vizinhança onde acreditavam encontrar um pastor".
Caminho à Fé
O projeto religioso ia tomando forma em Chesterton. Começou a aprofundar na teologia cristã em geral, que muitos odiavam e poucos estudavam. Descobre que as teorias negativas e naturalista que estavam em moda naquela época, não encaixavam na experiência.
Publica nesta época "Heréticos", que reunia alguns estudos sobre escritores contemporâneos seus como Kipling, Shaw e Wells explicando como cada um deles "pecava por erro último ou religioso". As polêmicas se acirraram e Chesterton escreveu uma bem meditada explicação sobre a crença de que a doutrina cristã, resumida no credo dos Apóstolos "podia ser uma crítica melhor da vida que nenhum dos que eu havia criticado.
Chamou-se "Ortodoxia". Na sociedade moderna, refletia G.K., ralo de heresias inconsistentes, a única heresia imperdoável era a ortodoxia. "Uma defesa séria da ortodoxia era muito mais surpreendente para o crítico inglês que um ataque sério contra a ortodoxia para um censor russo".
O seguinte passo não foi surpreendente. Em 1922 G.K. Chesterton converteu-se ao catolicismo, associando seu nome a outros grandes conversos ingleses como Graham Greene e Christopher Dawson. Seu retorno ao seio da Igreja começou muitos anos antes, quando seu entusiasmo batalhador o levou a combater uma série de doutrinas que ele considerava repugnantes: o materialismo, a teosofia, os espíritas, o capitalismo plutocrata, o socialismo, o ceticismo e tudo aquilo manifestava a "desagregação espiritual e moral de nosso mundo".
Como ensaísta e pensador compreendeu que as verdades universais e perduráveis que ele buscava se encontravam no catolicismo. Depois, G.K. confessará, um tanto divertido, como se deu as tresloucadas buscas em clubes anarquistas ou babilônicos o que poderia ter encontrado no catecismo ou na paróquia mais próxima.
"Entre o Cardeal Newman e o Pe Brown"
Em suas idas e vindas o engenheiro escritor havia conhecido dois personagens que o ajudariam em sua conversão. O primeiro, o grande Cardeal John Henry Newman, quem o antecedeu na conversão e mostrou-lhe, através de suas obras, Santo Tomás. O outro foi um padre de um bairro pobre, o Padre John O´Connor, pároco de Bradford. G.K. o conheceu em 1907 quando visitou o povoado de Keghly.
Ao concluir uma conferência, o escritor foi abordado por um jovem sacerdote, jovial e comunicativo. A formosa campina convidada a dar um passeio. Enquanto caminhavam Chesterton foi narrando seus projetos para escrever uma obra crítica sobre as injustiças sociais. Enquanto isso o sacerdote o escutava pacientemente.
Ao concluir, o Padre O´Connor desaprovou várias de suas idéias por considerá-las muito vagas. "Foi para mim -narraria G.K. mais tarde- uma curiosa aventura a de encontrar-me com que aquele padre amável e tranqüilo havia sondado abismos mais profundos dos que eu conhecia, e havia descoberto no mundo ignomínias que eu jamais poderia imaginar".
Ao criar um personagem para sua série policial, onde tentava apresentar um sacerdote para quem cada caso significava, além de desmascarar o mal-feitor, um enfrentamento com a maldade e o engano representado pelo Maligno. G.K. pensou em O´Connor. Foi assim que nasceu este particular "Padre Brown", o detetive sacerdote a quem Chesterton descrevia como "um homem inteligentíssimo e humilde. Tão simples que um tonto pode tomá-lo como um tonto".
Quando lhe perguntavam por que tinha entrado para a Igreja Católica ele respondia: "Para desembaraçar-me de meus pecados. Pois não existe nenhum outro sistema religioso que faça, realmente desaparecer os pecados das pessoas". O perdão fascinava a este coração generoso. "Que eu saiba somente tenho uma virtude", explicou em certa oportunidade: "Eu poderia realmente perdoar até setenta vezes sete".
Promotor social
No ano de 1909 um grupo de sacerdotes fundou na Inglaterra a "Catholic Social Guild" a fim de despertar entre os católicos um maior interesse pelas questões sociais, chamando-os a cooperar na promoção de reformas a partir dos princípios católicos. A CSG não tinha planos tem programas detalhados.
Cada católico deveria promover o conhecimento dos princípios gerais e então aplicá-los situações concretas. G.K. Chesterton e seu amigo Hillaire Belloc participaram ativamente do movimento promovendo uma idéia que chamaram "Distributismo", a que se opunha ao Socialismo e ao capitalismo por igual, e pregava uma ampla distribuição da grande propriedade em favor da pequena, e a diminuição da concentração capitalista.
O ideal desta posição, promovida por Chesterton em seu próprio jornal chamado "G.K. Weekli", era um convite ao retorno a uma vida artesanal mais simples, afastada da extrema industrialização, onde o homem viveria em maior harmonia com a natureza. No fundo tudo partia de uma preocupação de G.K. pela pessoa concreta, pelos pobres e desvalidos. Um crítico diria dele: "Chesterton compreendia seu próximo".
A partida
Aquele 14 de junho de 1936 amanheceu triste e sombrio na casinha dos Chesterton em Beaconfield. G.K. havia partido para sempre. A Inglaterra perdeu uma de suas melhores plumas e com ela, algo de seu engenho e bom humor. Um dos melhores epílogos da vida de G.K. é uma frase de um latino-americano pouco formal como Chesterton, que teve a oportunidade de conhece-lo pessoalmente, o Padre Leonado Castellani: "Gritante proclamador da glória de Deus e da Santa Madre Igreja Romana, Chesterton abandona a glória terrena a seu contemporâneo e gêmeo espiritual Bernard Shaw, e prefere tranqüilamente servir com suas enormes faculdades à plebe de Cristo que não antes que o império ou a arte que pagam".

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