sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Internação forçada em hospital psiquiátrico é estratégia para calar dissidentes na China


Folha de S. Paulo

Manifestantes e ativistas políticos chineses têm sido internados em um hospital psiquiátrico na cidade de Xintai, na Província de Shandong, numa política de calar a dissidência.

Uma reportagem do jornal estatal "The Beijing News" revela que o departamento de segurança pública de Xintai tem internado ativistas que protestam pelos mais variados temas - de moradores que foram desalojados para dar espaço a projetos imobiliários a gente que protesta pela corrupção local.

Alguns entrevistados dizem que ficaram internados por dois anos, outros que foram medicados à força - e só liberados após concordar em deixar seus pleitos de lado.

Um camponês de 57 anos, Sun Fawu, disse que foi internado quando tentava ir a Pequim atrás de indenização para sua terra desapropriada por uma mina de carvão. Antes de apresentar reclamação ao governo central, Sun foi detido em outubro por vinte dias. Lá ele foi amarrado a uma cama, levou injeções e tomou pílulas que o deixaram zonzo.

Ao reclamar para o médico que o medicava, que não tinha doenças mentais, ouviu: "Não ligo se está doente ou não, o governo local o mandou para cá, tratarei como doente mental".

O diretor do hospital, Wu Yuzhu, admitiu que alguns de seus 18 pacientes foram levados pela polícia nos últimos anos sem ter problema psíquico, mas precisou interná-los. "O hospital também tinha dúvidas".

Autoridades de Xintai alegaram economia de dinheiro com a tática (não precisam mandar homens a Pequim atrás dos manifestantes) e evitam "constrangimento" ao governo local.

Por Raul Juste Lores, Folha de São Paulo (11/12/2008)

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Comentário

Félix Maier

Hospitais psiquiátricos eram utilizados na antiga União Soviética para internar intelectuais que criticavam o regime comunista, a exemplo do Instituto Serbsky.

Em muitos julgamentos, o regime de Moscou declarava os réus de “irresponsáveis”, negando-lhes a permissão de estar presentes em seu próprio julgamento, para facilitar o envio dos dissidentes a clínicas psiquiátricas.

“O castigo psiquiátrico era dado principalmente a transgressores do capcioso artigo 58 do código criminal, que lidava com atos ‘anti-soviéticos’: entre os internos companheiros de Yarkov estavam incluídos cristãos, trotskystas sobreviventes, opositores a Lisenko (*), escritores heterodoxos, pintores e músicos, letões, poloneses e outros nacionalistas. (...) Em 1959, o Pravda publicou a seguinte citação de Kruschev: ‘Um crime é um desvio dos padrões de comportamento geralmente reconhecidos, com freqüência causado por distúrbios mentais. (...) Aqueles que começam a exigir a oposição ao Comunismo... é claro que o estado mental de tais pessoas não é normal. (...) A primeira vez em que o Ocidente ficou inteirado da psiquiatria penal soviética foi em 1965, com a publicação de ‘Ward 7’, de Valery Tarsis” (Paul Johnson, in Tempos Modernos, pg. 573-4) (**).

Centenas de pessoas perfeitamente sadias foram libertadas de clínicas psiquiátricas depois das denúncias de Kruschev, em 1956. Os responsáveis, porém, não foram punidos, permaneceram nos cargos para mais tarde, com a reabilitação de Stálin, voltar a agir contra os dissidentes.

(*) O Lisenkoísmo era a política oficial soviética do estudo da genética, que classificava as ciências como “burguesas”, de um lado, e como “socialistas” ou “proletárias”, de outro lado.

As teorias mendelianas de hereditariedade, adotadas pelo principal geneticista da União Soviética, Nikolai Vavilov, eram consideradas um anátema para os dirigentes soviéticos. Como os genes, àquela época, não podiam ser “vistos”, os lysenkoístas podiam acusar os mendelianos de os haver “inventado”.

O Lysenkoísmo confiava mais na criação do que na natureza, estava mais empenhado em moldar o “novo homem socialista” do que aceitar a realidade dos caracteres humanos geneticamente transmitidos e suas mutações ocasionais.

A teoria genética desenvolvida por Gregor Mendel, Thomas Morgan, Hugo de Vries, August Weismann, recebeu oposição na União Soviética dos geneticistas liderados por I. V. Michurin e T. D. Lysenko, que seguiam o lamarckianismo – a crença na hereditariedade dos caracteres adquiridos – e métodos de tentar mudar os caracteres por meio de mudança do ambiente, uma concepção que se encaixava melhor nas idéias marxistas-leninistas.

“A biologia soviética caiu nas mãos do extravagante e fanático T.D. Lysenko, que pregava uma teoria de caracteres adquiridos por herança, à qual chamou de ‘vernalização’: a transformação de trigo em centeio, pinheiros em abetos e assim por diante – essencialmente tolices medievais. (...) A genética foi atacada ferozmente como ‘uma pseudociência burguesa’, ‘antimarxista’, que levava à ‘sabotagem’ da economia soviética. (...) Na medicina, uma mulher chamada O.B. Lepeshinskaya pregava que a velhice poderia ser adiada graças a lavagens intestinais de bicarbonato de sódio” (Paul Johnson, in Tempos Modernos, pg. 381).

(**) JOHNSON, Paul. Tempos Modernos - O mundo dos anos 20 aos 80. Biblioteca do Exército Editora e Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1994 (Tradução de Gilda de Brito Mac-Dowell e Sérgio Maranhão da Matta).

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