| 09:32 - 29/11/2010 | 
A
 arte sacra tem a tarefa de servir com a beleza à sagrada liturgia. Na 
Sacrosanctum Concilium está escrito: “A Igreja nunca considerou um 
estilo como próprio seu, mas aceitou os estilos de todas as épocas, 
segundo a índole e condição dos povos e as exigências dos vários ritos, 
criando deste modo no decorrer dos séculos um tesouro artístico que deve
 ser conservado cuidadosamente” (n. 123). 
A Igreja, portanto, não elege um estilo. Isso quer 
dizer que não privilegia o barroco ou o neoclássico ou o gótico. Todos 
os estilos são capazes de servir ao rito. Isso não significa, 
evidentemente, que qualquer forma de arte possa ou deva ser aceita 
acriticamente. De fato, no mesmo documento, afirma-se com clareza: “A 
Igreja julgou-se sempre no direito de ser como que o seu árbitro, 
escolhendo entre as obras dos artistas as que estavam de acordo com a 
fé, a piedade e as orientações veneráveis da tradição e que melhor 
pudessem servir ao culto” (n. 122). Torna-se útil, portanto, 
perguntar-se “que” forma artística pode responder melhor às necessidade 
de uma arte sacra católica, ou, o que é o mesmo, “como” a arte pode 
servir melhor, “desde que sirva com a devida reverência e a devida honra
 às exigências dos edifícios e ritos sagrados”. 
Os documentos conciliares não desperdiça palavras, e 
elas dão diretrizes precisas: a arte sacra autêntica deve buscar nobre 
beleza e não mera suntuosidade, não deve contraria a fé, os costumes, a 
piedade cristã, ou ofender o genuíno sentido religioso. Este último 
ponto vem explicitado em duas direções: as obras de arte sacra podem 
ofender o sentido religioso genuíno “pela depravação da forma, que pela 
insuficiência, mediocridade ou falsidade da expressão artística” (n. 
124). Requer-se da arte sacra a propriedade de uma forma bela, “não 
depravada”, e a capacidade de expressar de forma apropriada e sublime a 
mensagem. Um claro exemplo está presente também na Mediator Dei, em que 
Pio XII pede uma arte que evite “o realismo excessivo por um lado e, por
 outro, o exagerado simbolismo” (n. 190). 
Essas duas expressões referem-se a expressões 
históricas concretas. Encontramos de fato “excessivo realismo” na 
complexa corrente cultural do Realismo, nascido como reação ao 
sentimentalismo tardio romântico da pintura de moda, e que podemos 
encontrar também na nova função social assinalada ao papel do artista, 
com peculiar referência a temas tomados diretamente da realidade 
contemporânea, e também a podemos relacionar com a concepção 
propriamente marxista da arte, que conduzirão as reflexões estéticas da 
II Internacional, até as teorias expostas por G. Lukacs. Além disso, há 
“excessivo realismo” também em algumas posturas propriamente internas à 
questão da arte sacra, ou seja, na corrente estética que entre finais do
 século XIX e inícios do XX propôs pinturas que tratam de temas sagrados
 sem enfrentar corretamente a questão, com excessivo verismo, como por 
exemplo uma Crucifixão pintada por Max Klinger, que foi definida como 
uma composição “mista de elementos de um verismo brutal e de princípios 
puramente idealistas” (C. Costantini, Il Crocifisso nell’arte, Florença 
1911, p. 164). 
Encontramos em contrapartida “exagerado simbolismo” 
em outra corrente artística que se contrapõe à realista. Entre os 
precursores do pensamento simbolista podem-se encontrar G. Moureau, 
Puvis de Chavannes, O. Redon, e mais tarde aderiram a essa corrente 
artistas como F. Rops, F. Khnopff, M. J. Whistler. Nos mesmos anos, o 
crítico C. Morice elaborou uma verdadeira e própria teoria simbolista, 
definindo-a como uma síntese entre espírito e sentidos. Até chegar, 
depois de 1890, a uma autêntica doutrina levada adiante pelo grupo dos 
Nabis, com P. Sérusier, que foi seu teórico, pelo grupo dos Rosacruzes, 
que unia tendências místicas e teosóficas, e finalmente pelo movimento 
do convento beneditino de Beuron. 
A questão se esclarece mais, portanto, se se enquadra
 imediatamente nos termos histórico-artísticos corretos; na arte sacra, é
 necessário evitar os excessos do imanentismo por um lado e do 
esoterismo por outro. É necessário empreender o caminho de um “realismo 
moderado”, junto a um simbolismo motivado, capazes de captar o desafio 
metafísico, e de realizar, como afirma João Paulo II na Carta aos 
Artistas, um meio metafórico cheio de sentido. Portanto, não um 
hiper-realismo obcecado por um detalhe que sempre escapa, mas um sadio 
realismo, que no corpo das coisas e rosto dos homens sabe ler e aludir, e
 reconhecer a presença de Deus. 
Na mensagem aos artistas, diz-se: “Vós [os artistas] 
ajudastes [a Igreja] a traduzir sua divina mensagem na linguagem das 
formas e das figuras, a fazer perceptível o mundo invisível”. Parece-me 
que nesta passagem toca-se no coração da arte sacra. Se a arte, da forma
 à matéria, expressa o universal mediante particular a arte sacra, a 
arte a serviço da Igreja, realiza também a sublime mediação entre o 
invisível e o visível, entre a divina mensagem e a linguagem artística. 
Ao artista se pede que dê forma à matéria, recriando inclusive esse 
mundo invisível mas real que é a suprema esperança do homem. 
Tudo isso me parece que conduz para uma afirmação da 
arte figurativa – ou seja, uma arte que se empenha em “figurar” como 
realidade – como máximo instrumento de serviço, como melhor 
possibilidade de uma arte sacra. A arte realista figurativa, de fato, 
consegue servir adequadamente ao culto católico, porque se funda na 
realidade criada e redimida e, precisamente comparando-se com a 
realidade, consegue evitar os escolhos opostos dos excessos. 
Precisamente por isso, pode-se afirmar que o mais próprio da arte cristã
 de todos os tempos é um horizonte de “realismo moderado”, ou, se 
queremos, de “realismo antropológico”, dentro do qual se desenvolveram, 
no tempo, todos os estilos próprios da arte cristã (dada a complexidade 
do tema, remeto a artigos posteriores).  
O artista que queira servir a Deus na Igreja não pode
 senão medir-se como a “imagem”, a qual faz perceptível o mundo 
invisível. Ao artista cristão se pede, portanto, um compromisso 
particular: o de representar a realidade criada e, através dela, esse 
“mais além” que a explica, funda, redime. A arte figurativa não deve 
tampouco temer como inatual a “narração”, a arte é sempre narrativa, 
tanto mais quando se põe a serviço de uma história que sucedeu em um 
tempo e um espaço. Pela particularidade desta tarefa, ao artista se pede
 também que saiba “o que narrar”: conhecimento evangélico, competência 
teológica, preparação histórico-artística e amplo conhecimento de toda a
 tradição iconográfica da Igreja. Por outro lado, a própria teologia 
tende a se fazer cada vez mais narrativa. 
A obra de arte sacra, portanto, constitui um 
instrumento de catequese, de meditação, de oração, sendo destinada “ao 
culto católico, à edificação, à piedade e à instrução religiosa dos 
fiéis”; os artistas, como recorda a já muitas vezes citada mensagem da 
Igreja aos artistas, “edificaram e decoraram seus templos, celebraram 
seus dogmas, enriqueceram sua liturgia” e devem continuar fazendo isso. 
Assim também hoje nós somos chamados a realizar em 
nosso tempo obras e trabalhos dirigidos a edificar o homem e a dar 
Glória a Deus, como recita a Sacrosanctum Concilium: “Seja também 
cultivada livremente 'na Igreja a arte do nosso tempo, a arte de todos 
os povos e regiões, desde que sirva com a devida reverência e a devida 
honra às exigências dos edifícios e ritos sagrados. Assim poderá ela 
unir a sua voz ao admirável cântico de glória que grandes homens 
elevaram à fé católica em séculos passados” (n. 123). 
* Por Rodolfo Papa que é historiador da arte, 
professor de história das teorias estéticas na Universidade Urbaniana, 
em Roma; presidente da Accademia Urbana delle Arti. Pintor, autor de 
ciclos pictóricos de arte sacra em várias basílicas e catedrais. 
Especialista em Leonardo Da Vinci e Caravaggio, é autor de livros e 
colaborar de revistas. 
Fonte: Zenit 
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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
A autêntica arte sacra
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