sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Livros didáticos distorcem história do país


Antônio Gois
A história do Brasil ensinada para crianças e adolescentes nos bancos escolares e livros didáticos pode não ser a mesma que os principais historiadores contemporâneos conhecem.
Para historiadores ouvidos pela Folha, conteúdos desatualizados em relação em pesquisas acadêmicas e vícios como visões "engajadas" da história são comumente encontrados em livros didáticos e disseminados em sala de aula.
Para os historiador da UFRJ ( Universidade Federal do Rio de Janeiro) Manolo Garcia Florentino, autor de livros e pesquisas sobre o Brasil colonial, há uma praga do "politicamente correto" nos livros didáticos que, muitas vezes, acaba provocando efeito inverso ao pretendido pelo autor.
Florentino que ganhou prêmio do Arquivo Nacional de Pesquisa por suas pesquisas sobre escravidão no Brasil, cita como exemplo mais claro disso a forma como o negro é tratado em livros didáticos. Segundo ele, os livros, mesmo os mais politicamente corretos, acabam tratando o negro como objeto. "As figuras nos livros, salvo raríssimas exceções, mostram sempre o negro apanhando, em uma situação constrangedora em relação ao branco" diz.
Para Florentino, não se trata de "florear" a história da escravidão no Brasil. "O problema é que os livros ignoram os caso de ascensão social de negros. Há registros de negros que se tornaram livres e compravam escravos".
Apesar desses casos não serem regra no Brasil colonial, Florentino acha importante citá-los por uma questão de formação da identidade negra. "Que criança vai querer se identificar com uma figura que só apanha?"
O historiador Holien Gonçalves Beserra, coordenador da comissão técnica de avaliação dos livros didáticos de história do Ministério da Educação, concorda com Florentino, mas afirma que a situação vem melhorando. "Havia uma defasagem enorme, principalmente na história da escravidão brasileira, dos livros em relação às pesquisas acadêmicas. Os autores raramente tratavam o negro como agente social".
Para Luiz Felipe de Alencastro, professor-catedrático de história do Brasil na Universidade de Paris 4 ( Sorbonne ), na França, nem todos os defeitos dos livros didáticos são de responsabilidade de seus autores. "A sociedade é conservadora e antipobre e não se interessa em conhecer a situação de vida de um bóia-fria, por exemplo. Duvido que algum livro didático traga informações sobre empregadas domesticas exploradas em casas da classe média", diz.
Para Alencastro, o fato de livros didáticos não abordarem temas importantes - como a história da África, por exemplo - se deve ao desinteresse da academia por certos assuntos.
Vânia Leite Fróes, professora da UFF ( Universidade Federal Fluminense ) que presidiu o 21º Simpósio de História da Anpuh ( Associação Nacional de História ), afirma que, muitas vezes, a universidade falha na divulgação de suas pesquisas. "A universidade fica fechada como um gueto".
"Embora esteja tentando mudar, a universidade tem um processo de fechamento e de falha na divulgação de suas pesquisas para professores e autores de livros. Por políticas equivocadas, ela fica fechada como um gueto", afirma a Vânia.
Florentino cita também como explicação para esse fenômeno o preconceito dos pesquisadores: "Ele preferem publicar teses a trabalhar com livros didáticos".
A HISTÓRIA CONTADA NOS LIVROS DIDÁTICOS
Família Colonial
O que está nos livros:
Trecho de livro didático "História Integrada", da editora Scipione, para a 6º série do ensino fundamental:
"Durante o ciclo da cana-de-açúcar, (...) a autoridade do Senhor da casa-grande era absoluta, estando as mulheres submetidas a um papel subordinado"
Os fatos:
o modelo patriarcal, muito estudado pelo sociólogo Gilberto Freyre, não era regra, por exemplo, em São Paulo, onde há registros de mulheres que comandavam a família enquanto seus maridos, os bandeirantes, ficavam anos fora de casa.
Guerra do Paraguai
O que está nos livros:Trecho do livro "História e Reflexão", da editora Saraiva, para a 7º série do ensino fundamental, sobre a guerra do Paraguai: "Desde sua independência, em 1811, o Paraguai começou a se desenvolver de um modo diferente. Para isso, distribuiu terra aos camponeses, combateu a oligarquia rural improdutiva, construiu inúmeras escolas para o povo. Francisco Solano Lopez prosseguiu a obra de seu pai de construir no Paraguai um país forte e soberanos, livre da exploração do capitalismo internacional"
Os fatos:Otexto coloca os presidentes paraguaios Antônio Carlos Lopez e Solano Lopez como heróis que lutavam contra o imperialismo inglês. Para muitos historiadores, inclusive paraguaios, eles eram caudilhos e ditadores
Escravos
O que está nos livros:Na história do Brasil Colonial, o negro aparece nos livros, com raríssimas exceções, como escravos. Trecho do livro "História Integrada", da editora Scipione, para 6º série: "A vida do escravo é um inferno. Os africanos são arrancados de sua terra de origem e trazidos como gado em navios. Sua vida na colônia é ainda pior: têm uma existência amarga e penosa"
Os fatos:
Pesquisas mostram que havia negros que ascendiam socialmente e constituíam famílias estáveis mesmo no período da escravidão.
África
O que está nos livros:Em geral, os livros tratam os negros vindos para o Brasil por meio do tráfico de escravos como "africanos", sem diferenciá-los culturalmente e com poucas referências aos seus hábitos e maios de vida
Os fatos:O Brasil é considerado o segundo maior país negro do mundo, atrás apenas da Nigéria. No entanto, fala-se muito pouco da história da África e de sua influência

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