Formação litúrgica - As imagens sagradas e o magistério da Igreja |
Escrito por Michel Pagiossi |
Ter, 11 de Janeiro de 2011 12:00 |
Por Rodolfo Papa*
“Caríssimos
irmãos e irmãs, em Cristo, hoje trazemos mais um texto sobre arte e
beleza a serviço da Santa Liturgia e da Santa Missa, desta vez,
focando-se nas imagens sagradas (ML)”
ROMA,
domingo, 12 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) – Um distante concílio, o
II Concílio de Niceia, no ano 787, definiu a correção do uso das imagens
na Igreja, colocando de forma autorizada fim às tendências
iconoclastas.
E
no entanto em nossa contemporaneidade, dominada pelo uso obsessivo do
que se vê, as igrejas frequentemente são projetadas e realizadas com uma
postura que, quando se olha de perto, parece novamente iconoclasta: as
paredes estão desnudas, não há imagens, quando muito, elementos
estilizados, que aplicam linguagens emprestadas de experiências
artísticas distantes do cristianismo, quando não inclusive contrárias a
ele.
É
oportuno portanto percorrer a antiga via da legitimação das imagens.
Partamos precisamente do II Concílio de Niceia, analisando suas
preciosas indicações: “nós definimos com todo o rigor e cuidado que, à
semelhança da representação da cruz preciosa e vivificante, assim as
venerandas e sagradas imagens pintadas quer em mosaico, quer em qualquer
outro material adaptado, devem ser expostas nas santas igrejas de Deus,
nas alfaias sagradas, nos paramentos sagrados, nas paredes e nas mesas,
nas casas e ruas”. As imagens sagradas se colocam no mesmo plano que a
representação da cruz, e à semelhança da cruz devem ser expostas em todo
lugar: no contexto da liturgia, nos lugares sagrados, mas também na
vida cotidiana, nos lugares privados como as casas, e nos lugares
públicos como as ruas. A universalidade da mensagem cristã indica a
medida dos lugares nos quais expor as imagens, quer dizer, todos os
lugares. As imagens sagradas devem além disso estar presentes nos
ornamentos sagrados e também nos paramentos. Não se detalha a técnica,
de fato, as imagens podem ser pintadas, em mosaico, ou em qualquer outra
técnica oportuna, mas se necessita do sujeito: “que sejam a imagem do
senhor Deus e Salvador nosso Jesus Cristo, ou da Imaculada Senhora
nossa, a Santa Mãe de Deus, dos santos anjos, de todos os santos e
justos”. Portanto, trata-se claramente de imagens que representam
prioritariamente Jesus Cristo, cuja encarnação é o princípio fundacional
da arte sacra figurativa, e também a Mãe do Senhor, os anjos, os santos
e os justos, quer dizer, todo o corpo da Igreja, seu mistério e sua
história.
O
Concílio precisa também os motivos e as finalidades das imagens
sagradas: “de fato, quando mais prudentemente estas imagens forem
contempladas, tanto mais aqueles que contemplam serão levados à
recordação e ao desejo dos modelos originais e a tributar-lhes,
beijando-as, respeito e veneração”. A contemplação das imagens induz à
recordação e ao desejo dos sujeitos representados; trata-se portanto de
uma dinâmica cognoscitiva e afetiva, que parte da imagem representada,
mas termina no sujeito real; é análoga, poderíamos dizer, à função que
as fotografias de nossos entes queridos têm, que nos recordam as pessoas
amadas. Manter viva recordação e o desejo constitui um cuidado
importante da própria fé, o cultivo da própria vida espiritual.
Trata-se
de uma relação não idolátrica, porque a finalidade da adoração não é a
imagem, mas o sujeito representado. De fato, o Concílio cuida em
prevenir e deixar à margem os excessos que tinham estado presentes no
Oriente cristão, e que tinham também induzido, em contrapartida, a
reação iconoclasta. Não se trata, certamente, de uma verdadeira adoração
(latria), reservada por nossa fé só à natureza divina, mas de um culto
similar ao que se faz à imagem da cruz preciosa e vivificante, aos
santos evangelhos e aos demais objetos sagrados, honrando-os com a
oferenda do incenso e de luzes segundo o piedoso costume dos antigos. A
honra feita à imagem, na realidade, pertence àquele que está
representado, e quem venera a imagem venera a realidade de quem nela
está reproduzido. Trata-se portanto de uma honra feita à realidade e não
à representação, mas que através do culto feito à imagem se alimenta e
se expressa a adoração por Deus, o único digno de ser adorado.
Observemos que o correto parâmetro do culto da imagem está constituído
pelo culto da cruz, preciosa e vivificante, e posto em analogia com o
culto que se dá ao Evangelho, que obviamente não significa adoração do
livro, mas da Palavra de Deus.
O
Concílio sublinha que o culto das imagens forma parte da tradição da
Igreja: “Assim se reforça o ensinamento dos nossos santos padres, ou
seja, a Tradição da Igreja universal, que de um extremo ao outro da
Terra acolheu o Evangelho. Assim nos tornamos seguidores de Paulo, que
falou em Cristo, do divino colégio apostólico e dos santos Padres,
mantendo a tradição que recebemos. Assim podemos cantar para a Igreja os
hinos triunfais à maneira do profeta: “Alegra-te, filha de Sião, exulta
filha de Jerusalém; goza e regozija-te com todo o coração; o Senhor
tirou de teu meio as iniquidades dos teus adversários, foste libertada
das mãos dos teus inimigos. Deus é rei no teu meio, não mais verás o
mal”. O culto das imagens se legitima no ensinamento apostólico, na
tradição da Igreja universal. Não só, mas se afirma depois que “o que se
confiou à Igreja” é “o Evangelho, a representação da cruz, imagens
pintadas ou as sagradas relíquias dos mártires”; portanto, as imagens
pintadas formam parte do depósito da fé, do que foi “confiado” à Igreja,
fugindo portanto ao arbítrio dos homens: ninguém pode decidir que se
pode menosprezar o culto das imagens.
A
tradição do culto às imagens é ininterrupta na Igreja Católica que, ao
contrário, encontra nesta prática um sinal de distinção das tendências
iconoclastas próprias de muitas correntes protestantes. O Concílio
Vaticano II se coloca em continuidade com a tradição, e na Constituição
sobre a Sagrada Liturgia, Sacrosanctum Concilium, afirma: “Mantenha-se o
uso de expor imagens nas igrejas à veneração dos fiéis”. Analogamente
ao Concílio de Niceia, afirma que a devoção deve ser correta, e
sobretudo que o sentimento que se suscite não seja a admiração pela
imagem, mas a veneração dos sujeitos apresentados: “Sejam, no entanto,
em número comedido e na ordem devida, para não causar estranheza aos
fiéis nem contemporizar com uma devoção menos ortodoxa”.
Talvez
uma das reflexões mais claras e profundas sobre o uso das imagens
sagradas está na introdução ao Compêndio do Catecismo da Igreja Católica
(20 de março de 2005): [As imagens] “provêm do riquíssimo patrimônio da
iconografia cristã. A tradição secular e conciliar diz-nos que também a
imagem é pregação evangélica. Os artistas de todos os tempos
apresentaram à contemplação e à admiração dos fiéis os fatos salientes
do mistério da salvação, no esplendor da cor e na perfeição da beleza.
Indício de que, hoje mais do que nunca, na época da imagem, a imagem
sagrada pode exprimir muito mais que a palavra, pois é muito mais eficaz
o seu dinamismo de comunicação e de transmissão da mensagem evangélica”
(n. 5).
A
imagem, durante os séculos, conseguiu transmitir os fatos
sobressalentes do mistério da salvação, e muito mais hoje, na
civilização da imagem, deve saber recuperar sua própria importância
fundamental, enquanto que a imagem transmite mais que as próprias
palavras, em um dinamismo de comunicação e transmissão da Boa Notícia.
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Rodolfo Papa é historiador da arte, professor de história das teorias
estéticas na Universidade Urbaniana, em Roma; presidente da Accademia
Urbana delle Arti. Pintor, autor de ciclos pictóricos de arte sacra em
várias basílicas e catedrais. Especialista em Leonardo Da Vinci e
Caravaggio, é autor de livros e colaborar de revistas.
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