terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Le Goff vs. Vovelle

                            LE GOFF vs. VOVELLE
                         Um embate de longa duração



                                                                                                  Menotti Orlandi *



 RESUMO
   O artigo é um estudo comparativo tendo como referência dois autores/ representantes de uma das correntes historiográficas:Jacques Le Goff e Michel Vovelle. A Escola de Annales , história-problema e os dilemas do aparato intelectual das mentalidades lançando a semente da História Nova.




  Palavra-chave: Jacques Le Goff, Michel Vovelle, Escola de Annales, mentalidades











Aluno do Curso de História da Universidade Salgado de Oliveira, Belo Horizonte, MG, menottiorlandi@msn.com
                                                                             




 INTRODUÇÃO

        Não podemos comentar LE GOFF  e VOVELLE sem antes citarmos de  que escola vieram, tese que defenderam e suas origens. Isso se dá pela aproximação que se inscreve esses dois autores da historiografia, talvez por ambos serem fruto de um novo pensar historiográfico.

A Escola de Annales

       A “Escola de Annales” foi um movimento inovador  que surgiu na França em 1929, pelos historiadores franceses Lucien Febvre e Marc Bloch, dando origem ao que conhecemos hoje de Nova História. Tudo começou com a criação da revista Les Annales d' Histoire Économique et Sociale, a qual tinha como objetivo: eliminar o espirito de especialidade, promover a pluridisciplinaridade, favorecer a união das ciências humanas, passar da fase dos debates teóricos para a fase das realizações concretas, nomeadamente inquéritos coletivos no terreno da história contemporânea e como público alvo os grandes estudiosos das ciências sociais, a exemplo dos historiadores, sociólogos, geógrafos, etc. Embora tenha surgido na França o movimento dos Annales , conseguiu ao longo do século XX, expandir-se por todo o mundo adquirindo novos adeptos, os quais iriam contribuir para o crescimento dessa nova abordagem historiográfica.
     Define-se como Nova Historia  a história sobre a influência das ciências sociais e não mais sobre a influência das ciências naturais, isto é, até o surgimento dos Annales a história tradicional regia-se pela metodologia positiva, inspirada nas ciências naturais. Os Annales veio abrir os caminhos para a  evolução das diversas fases da vigente  ciência histórica. È neste contexto que MARTIN, Hervé e BOURDÉ, Guy, afirma o seguinte:
 “ Depois da fundação dos Annales..., o historiador quis-se e fez-se economista, antropólogo, demógrafo, psicólogo, linguista...,há uma história econômica..., uma maravilhosa história geográfica..., uma demografia histórica...; há mesmo uma história social... Mas se a história omnipresente põe em causa o social no seu todo, é sempre a partir deste movimento de tempo...A História dialética da duração... é o estudo do social, de todo o social; e portanto do passado e portanto também do presente”. ( MARTIN, 2000, p. 131).

História Nova
     
     A História Nova propõe uma compreensão dos fatos históricos na sua totalidade, não restringindo fontes ou abordagens, ampliando as possibilidades  de comprovações  a partir de documentos, sendo estes devidamente catalogados e questionados quanto á sua origem, contexto e onde foram redigidos. “Os documentos se referem á vida cotidiana das massas anônimas, á sua vida produtiva á sua vida comercial, ao seu consumo, ás suas crenças, ás  suas diversas formas de vida social “(Reis:1994,126)
   Portanto, a nova história privilegia  a documentação massiva e involuntária em relação aos documentos voluntários e oficiais. Nesse sentido, os documentos são arqueológicos, pictográficos, iconográficos, fotográficos, cinematográficos, numéricos, orais, enfim, de todo tipo. Todos os  meios são tentados para vencer as lacunas e o silêncio das fontes, mesmo, e não sem risco, os considerados como antiobjetivos. ” … ampliou-se a área dos documentos, que a história tradicional reduziu aos textos e aos produtos da                                                                                                                                             arqueologia, uma arqueologia muitas vezes separada da História. Hoje os documentos chegam a abranger a palavra, o gesto. Constituem-se arquivos orais; são coletados etnotextos.” ( Le Goff, 1990, p.10).
   

História-Problema
     
      A história-problema se caracteriza pela construção teórica, visto que o texto histórico é feito basicamente de teorias e não mais de forma narrativa, a base agora seria o problema, as hipóteses. Isso é o que vai marcar o rompimento da história narrativa com a história-problema, o fato de se despertar da objetividade para se prender á teoria, seguindo o caminho da ciência social. Nas palavras de Lucien Febvre: “... nunca se façam colecionadores de fatos, ao acaso (…) nos dêem uma História não automática, mas sim problemática .” ( FEBVRE, 1989, p.49)
      A história- problema construída pelo Annales é de fato uma “ nova história”. Houve uma inovação no trabalho do historiador,  nas condições e concepções, se antes ele escolhia mas não podia admitir, agora ele escolhe e expõe suas críticas, assim também, suas fontes e técnicas.

Mentalidades

     Antes de mais nada, esta modalidade historiográfica define-se por aquilo que examina em primeiro plano nas sociedades humanas: o modo de pensar e de sentir dos seres humanos. Busca-se, com a História das Mentalidades, identificar o que todos os seres humanos de uma mesma época teriam em comum. Haveria uma “ mentalidade coletiva” ?Lucien Febvre perguntava-se se existiriam modos de sentir e de pensar que fossem comuns a Cristóvão Colombo  e ao mais humilde marinheiro de suas caravelas. Esta pergunta foi retomada a partir dos anos 1960, e começa a se formar mais claramente esta nova modalidade da História a partir de autores como Philippe Ariès, Mandrou, MICHEL VOVELLE.
     Deve-se ainda ter em vista que a História associou-se também ao conhecido “ longa duração”, ou a “ tempo longo”.
     Objetos típicos da História da Mentalidades seriam as sensibilidades do homem diante da Morte ( Ariés, VOVELLE),  a história dos grandes medos dos seres humanos, a Feitiçaria ( Mandrou) e outras temáticas exóticas para os historiadores que se dedicavam a temas mais tradicionais.
     Os historiadores das mentalidades , vão encarar uma série de críticas nesse novo rumo que dão à sua prática historiográfica, já que a mesma apresentará uma série de imprecisões e ambiguidades , que segundo Vainfas “ contribuíram para o desgaste do próprio conceito” de mentalidades.
     Todo yin tem seu yang. Porem, é na nova história cultural que as mentalidade irão contribuir  e receber novas abordagens, novos desdobramentos, sem contudo, ser o fator determinante da pesquisa. Já que os historiadores da nova história cultural, como revela o Vaifas, não “ vão negar a relevância dos estudos sobre o mental, nem tão pouco renunciar a aproximação com outras disciplinas” - destaco isso pois uma das críticas á nova história e as mentalidades  foi a de quê , se abriu demais a novos saberes e questionamentos, e teria posto em “cheque” a legitimidade da própria disciplina.
    “ … a história das mentalidades não se define somente pelo contato com as outras ciências humanas e pela emergência de um domínio repelido pela história tradicional. È também o lugar de encontro de exigências opostas que a dinâmica
                                                                                                                                           

própria á pesquisa histórica atual força ao diálogo. Situa-se no ponto de junção do individual e do coletivo, do longo tempo e do quotidiano, do inconsciente e do intencional, do estrutural e do conjuntural, do marginal e do geral”. ( Le Goff, 1976, p.71).
      Os franceses LE GOFF e VOVELLE  influenciaram os não franceses, Eric Hobsbawm, Paul Veyne, Peter Burke, Ciro Flamarion Cardoso ( brasileiro)... e muitos outros.

Michel Vovelle

      Michel Vovelle è um historiador francês do século XX, especialista em séculos XVII e XVIII. Antigo aluno da  École Normale Supérieure de Saint-Cloud. A pesar de se aproximar do materialismo histórico de inspiração marxista, desde os anos 1990  tem contribuído a reabilitar o papel histórico do ator individual, até então pouco valorizado pela atenção que se dava as estruturas econômicas e sociais. Com Bernard Lepetit, foi o  precursor francês da microhistoria.
      Michel Vovelle é, talvez, a maior identidade em se tratando de mentalidades. Usando-se do conceito de Longa Duração, de Fernando Braudel ( historiador  francês , que compõe a Segunda Geração dos Annales), estudou  a mudança da mentalidade do homem perante a morte na França em um longo período através do levantamento que fez. Autor de , Ideologias e Mentalidades e Imagens e Imaginário na História, segundo Volvelle ( 1991) a história da morte continua uma história convulsiva, balançada por golpes brutais onde se cria uma série de sentimentos negativos com surtos na Idade Média da peste negra.
     Todavia é visto que as relações dos homens com a morte são sintetizadas conforme ideal coletivo ou individual.
     O estudo do medo da morte é um confronto com choque do silêncio; pois tal processo é tecido no silêncio involuntário. No entanto os pontos de atitude diante da vida e da morte dependem de motivações mais secretas, mais retrógrada nos limites entre a  biologia e a cultura, isto é uma inconsciência coletiva. A qual tem poder animador das forças psicológicas elementares que ajudam a superar o medo de morrer.
     Podemos assim afirmar que a história da morte se desenvolve em um processo coletivo e de longa duração que faz explodir os quadros de manifestações  onde se expressa o imaginário coletivo.

Jacques Le Goff

      Especialista na Idade Média, Jacques Le Goff costuma destacar tudo o que a Europa atual deve á cristandade medieval. Publicou uma obra volumosa em que se destacam, entre muitos outros : Les intellectuels au Moyen Âge ( Seuil, 1957), La civilisation de l'Occident médiéval ( Arthaud, 1964; EDUSC 2005) e Saint Louis ( Guillmard, 1996)
   Sobre as concepções de história, Jacques Le Goff, que marcou a historiografia com contemporânea com as suas idéias e com suas obras , explica o trabalho do historiador segundo as relações entre o que são a memória e as oposições passado/presente, antigo/moderno, progresso/reação.“O passado é uma construção e uma reinterpretação constante e tem um futuro que é parte integrante e significativa da história”. Isto é verdadeiro porque o progresso dos métodos e das técnicas  permite pensar que uma parte importante dos documentos do passado está ainda por descobrir.
    Jacques Le Goff pertence ao supra-sumo da elite intelectual francesa . Agnóstico , procurou formar uma posição equidistante entre os detratores e os apologistas Idade
Média, que viam-na como uma Legenda Dourada. Sua paixão pelo medieval o fez escrever seu maravilhoso livro “ O Purgatório”. Trata-se de um ensaio erudito de

sociologia histórico-religiosa. No final da década de 1960, quando Jacques Le Goff
assume a direção da EPHE, é o momento em que a História das mentalidades deixa de ser marginalizada e configura-se como paradigma hegemônico ( passando do “porão ao sótão”).
      Isto é o suficiente quanto á moldura, passemos então ao retrato.

Le Goff  vs. Vovelle

                                         Dilemas do aparato intelectual das mentalidades

                 Jacques Le Goof    ( J.G.)          vs.               Michel Vovelle   (M.V.)
Tempo das mentalidades: “ mentalidade é tudo aquilo que muda mais lentamente, história da lentidão na história
 Nem estudo do irrisório, nem “o essencial da história
Relativa autonomia
(*)Articulação a totalidades históricas explicativas
(1) Longa duração
Risco de fossilizar a história
(2) Resgatar  lado humano
(**)Explicar o sentido coletivo e global da história
(3)  Mentalidades e cotidiano
( revisão conceitual ).
A ) Combate a descrição de mentalidades: superficial e descritivo.
  B)  Vincular estudo do cotidiano a totalidades explicativas
(***) Longa duração sim ! Inércia, imutabilidade não!
 Compartilhar a curta com a longa duração.
 Fonte: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo ( org.) Domínios de História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro; Campus, 1997, p. 141-46 ).


           (*) ( M.V.) Volvelle admite que a análise da totalidade em uma ou outra camada, o    Popular ou a Elite, pode tornar o estudo histórico reducionista.

 (**) ( M.V.) Em suma, em termos de representações coletivas, o homem pode ser mais evoluído do que se supunha, considerando sua capacidade.

(***) (M. V.)... rejeita-se a idéia de uma passividade das massas conservadoras, ou receptoras á força, a uma mensagem imposta.

 (***)(M.V.) e (1)(J.G.).. história conjuntural, que segue um ritmo mais lento; em profundidade, uma história estrutural de longa duração, que põe em causa os séculos, ou seja, a nouvelle histoire.

(2) ( J.G.)...mesmo reconhecendo que a escola historiográfica  a que se filiava, a Escola dos Annales, não dava relevância á biografia , decidiu-se por publicar dois livros de ampla repercussão pública: A vida de São Luis e outra dedicada a São Francisco de Assis.
                                                                                                                                 

(2) (J.G.)... erigir um “ novo tipo de história” voltada á pesquisa interdisciplinar, á valorização de problemas exemplares, ao resgate de uma história das sensibilidades.

  ( 3) (J.G.) A história da história não se deve preocupar apenas com a produção        profissional, mas com todo um conjunto de fenômenos que constituem a cultura histórica ou, melhor, a mentalidade histórica de uma época.
 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

   Duas personalidades, dois temperamentos, duas maneiras de abordagem do homem, harmonizando-se numa combinação que possibilitou o franqueamento das fronteiras da história. A mais importante contribuição de ambos, foi expandir o campo da história por diversas áreas. Ampliou-se o território da história, abrangendo áreas inesperadas do comportamento humano, estando também associadas com outras ciências. Essa colaboração interdisciplinar manteve-se por mais de sessenta anos, um fenômeno sem precedentes na história das ciências sociais.
    Para finalizar, ficamos no aguardo do aparecimento da 4ª geração do Annales.

 “Sem a consciência da modernidade não haveria mais diferenças e, então, não haveria mais história, e até as não-diferenças, isto é, as permanências, não seriam  percebidas.”( Le Goff)





REFERÊNCIAS

Edusc – www.usc.br/edusc/colecoes/historia/resenha

Psicanálise e história das mentalidades – Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho

História – Voltaire Schilling – www.educaterra.terra.com.br/voltaires/cultura/2004/07/05.ht

História das Mentalidades- Wikipédia http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria

Apostila Produção Historiográfica Mundial- UNIVERSO- Universid. Salgado de Oliveira

O Positivismo, Os Annales e a Nova História -Angela Birardi, Gláucia Rodrigues Castelani, Luiz Fernando B. Belatto ( http://www.klepsidra.net/klepsidra7/annales.html )

História das Mentalidades e Micro-história – Izac Evangelista( http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/historia-das-mentalidades-e)

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