A pedagogia dos jesuítas é inseparável do ambiente cultural da contra reforma e do percurso espiritual de Inácio de Loyola (1491-1556). A passagem de Loyola pelas Universidades de Alcalá, Salamanca e Paris deram-lhe a conhecer a necessidade de a ordem por ele fundada centrar o esforço de evangelização na criação de escolas católicas em todo o lado onde a ortodoxia estivesse em perigo ou a ignorância da fé católica fosse um facto.
A estada de Loyola na Universidade de Paris, onde o movimento reformista era forte e se fazia sentir a influência ideológica de Calvino, levou o fundador dos jesuítas a meter mãos á obra na criação de uma rede de instituições educativas capazes de combaterem o novo movimento, pugnando, em contrapartida, por uma reconciliação entre o pensamento de Erasmo e a filosofia de S. Tomás de Aquino. Após a sua passagem por Paris, Loyola conseguiu que o Papa Paulo III aprovasse, em 1541, a regra de quarenta e nove pontos que previa a constituição de seminários, chamados colégios, nas cidades que possuíssem universidades e onde os futuros jesuítas seriam formados. A partir de 1540, Inácio de Loyola começou a enviar, para a Universidade de Paris, os primeiros dirigentes da Companhia recém-criada e que iriam ser os futuros directores dos colégios a criar. E os primeiros colégios abriram as portas, entre 1541 e 1546, em Lisboa, Pádua, Coimbra, Lovaina e Colónia.
À medida que o protestantismo alastrava a sua influência pela Europa, mais sentido ia ganhando a frase do Padre Bonifácio: "a educação das crianças é a renovação do mundo". Um momento importante na expansão dos colégios jesuítas foi "a criação, em 1550, do colégio romano, cujo primeiro reitor foi o padre Pelletier. Tal colégio chegará a ser, não somente o que Paris foi para a primeira geração de jesuítas - a escola normal onde se formaram os futuros professores -, e ainda mais: o centro onde desembocam, para serem submetidas a uma confrontação fecunda, todas as experiências instituídas nas diferentes casas da ordem" (1).
A partir daqui, estava lançada uma semente que iria estar na base do sucesso educativo e cultural dos jesuítas durante dois séculos. "No final do pontificado de Gregório XIII (1585), os jesuítas já possuíam, em França, quinze colégios com muitos alunos: 1300 alunos em Paris (1581), 1500 em Billom (1581), 800 em Dôle (1585). Pese embora os esforços dos protestantes que tinham criado, na Segunda metade do século XVI, os colégios de Metz, Chatillon, Montargis, Montpellier, Tours, La Rochelle, Castres, Montbéliard, Montauban, Orthez, Pau, Niort, Nérac e Bergerac, a balança começava a inclinar-se a favor dos jesuítas" (2).
A expansão dos colégios foi tão grande que, em 1626, já havia 444 colégios espalhados pela Europa. Antes de morrer, Loyola escreveu uma carta ao rei Filipe II, dando conta do reconhecimento da importância dos colégios jesuítas: "vê-se diariamente quanto é difícil aos que envelheceram no vício e nos maus costumes converterem-se num novo homem e consagrarem-se a Deus, e até que ponto todo o bem da cristandade e da sociedade depende de uma boa educação da juventude; esta macia como a cera, recebe a impressão da forma que se quer. Mas, como para procurá-la se encontram muito poucos professores virtuosos e letrados que sigam o exemplo da doutrina, a Companhia, com o zelo que Cristo nosso Redentor nos inspirou, resolveu assumir essa parte menos honrosa mas não menos frutuosa, da instrução das crianças e dos jovens. Assim, entre os outros ofícios que exerce, não é o menor dos seus deveres manter colégios nos quais, não somente os seus, mas também os de fora, recebam gratuitamente, os conhecimentos necessários a um cristão, as ciências humanas, dos rudimentos da gramática até às mais altas faculdades, segundo os recursos que podem oferecer os distintos colégios".
A organização pedagógica dos colégios jesuítas foi influenciada pela cultura barroca. Ordem, disciplina e método constituíam as três características predominantes da pedagogia dos jesuítas. A gramática, a filosofia, a lógica, a teologia ocupavam lugar central no plano de estudos. A metodologia mais vulgar consistia numa subtil mistura de exposições do professor, leitura de textos, exercícios e disputas orais.
As famílias delegavam os seus poderes nos responsáveis pelos colégios: "pelo facto de levarem os seus filhos aos jesuítas, um pai de família compromete-se a aceitar os princípios e a disciplina do colégio. No que se refere ao internato, os jesuítas esforçar-se-ão até onde for possível para oferecer aos educandos uma atmosfera familiar e alegre; mas exercerão sobre a criança a autoridade do pai ausente. Encarregados pelos pais de darem aos alunos uma educação cristã, não toleram que esse fim seja comprometido pela dissolução - facto frequente na época - em certos ambientes aristocráticos. Assim, não queriam ver degradar-se, no curso das suas vocações, pela preguiça e má conduta, os bons costumes que souberam inculcar nos jovens. Muito generosos na liberdade concedida aos alunos no
interior do colégio (um dia de descanso por semana, dois recreios de uma hora depois das refeições, muitas distracções, jogos, desportos, conferências, teatro), reduziam ao mínimo o tempo passado fora do colégio. As férias anuais duravam um mês no Verão...Até os alunos externos eram objecto de uma vigilância discreta: deviam abster-se de participarem na vida mundana, e as famílias que esquecessem os seus compromissos eram advertidas com severidade" (3).
A disciplina era entendida como uma forma de envolvimento de todo o colégio num ambiente de respeito, ordem e hierarquia. Na base da disciplina, estava o regulamento do colégio, onde se estipulavam, com rigor, a missão, os objectivos, os direitos e os deveres. No topo da hierarquia estava o reitor, eleito pelos professores mais antigos. De seguida, vinha o perfeito dos estudos, em cujos ombros caía a responsabilidade pela inspecção do ensino, a socialização dos novos professores e a supervisão do trabalho dos professores. Por último, em cada classe havia um professor principal que seria o responsável pelos estudos de cada aluno, assumindo-se como um amigo de cada aluno, cheio de compreensão e de autoridade. Com um ambiente tão ordeiro e respeitador da hierarquia, não admira que os colégios jesuítas raramente recorressem aos castigos. Em contrapartida, a pedagogia dos jesuítas fazia apelo aos reforços positivos, nomeadamente os quadros de honra e às competições académicas.
O plano de estudos dos colégios jesuítas eram muito completos. A forte componente académica era complementada como uma igualmente forte componente recreativa e desportiva. Os jesuítas centravam o currículo numa formação académica, baseada no estudo dos clássicos. Nos primeiros anos de escolaridade, a ênfase era colocada no domínio da língua materna, da gramática e da escrita e só depois os alunos eram iniciados no estudo de um leque de disciplinas que incluía a filosofia, a teologia, a matemática, o latim, o grego, as ciências da natureza, a história e a geografia. "O que os jesuítas procuram alcançar, à saída do colégio, é formar jovens cultos, que possuíssem aquilo que Montaigne e Pascal chamavam de arte de dissertar, isto é, fossem capazes de um discurso brilhante e conciso acerca dos temas da condição humana...Os jovens formados desta maneira na cultura geral, através de um sólido ensino secundário, ficam aptos para entrar nas universidades e para prosseguir carreiras" (4).
O latim era, na época da contra reforma, a língua franca da Europa. Como língua erudita, tinha, na época, uma função idêntica á que o inglês tem hoje. Não admira, por isso, que o latim fosse a língua utilizada a partir do ensino secundário no estudo de todas as disciplinas. Devido à divisão da classe em decúrias, o jovem decurião recitava, todas as manhãs, a lição aos restantes companheiros. Durante esse tempo, o professor concluía a correcção das cópias. A aula começava com um ditado. Depois o professor fazia uma
prelecção com base num texto. De seguida, os melhores alunos faziam, para os colegas, a mesma prelecção.
A gramática tinha um lugar especial no plano de estudos, uma vez que os jesuítas pretendiam formar jovens eloquentes e capazes de escrever bem. Um bom conhecimento de gramática constituía a base dos conhecimentos superiores de retórica. A formação literária do jovem assentava na leitura dos grandes autores, com particular destaque para os gregos e os romanos. No final do ensino secundário, era dada uma grande importância ao estudo da retórica e da poética de Aristóteles. "Por último, como a retórica devia desembocar no mundo, o seu ensino acolhia a erudição cada vez mais copiosa sobre a história política e social dos povos, dos autores com verdadeira autoridade e de todas as ciências, mas sem esquecer a capacidade dos alunos" (5).
A prelecção (praelectio) era o exercício fundamental que coroava o estudo da gramática. Com a prelecção, o aluno mostrava dominar a complexidade da explicação literária. "Antes de tudo era necessário situar o texto (argumentum); depois, mediante uma explicação de palavras, precisa, profunda e reduzida, devia referir-se às expressões mais notáveis e difíceis (explanatio). Depois vinha a análise prpriamente técnica do texto, de acordo com as regras da retórica, da poética e da gramática (rethorica); depois, a elucidação histórica, geográfica e científica dos factos (eruditio). Por último, a transposição da exégesis literária do que o ramalhete espiritual constitui na meditação religiosa, a apreciação geral do trecho escolhido, mediante um cotejo com os demais textos do mesmo autor ou com o grandes modelos de Cícero (latinitas)" (6).
A pedagogia dos jesuítas partilhava com a cultura barroca o apreço pela teatralidade e pela realização cénica: "cada classe estava dividida em duas fracções, romanos e cartagineses: os melhores alunos estavam investidos com a magistratura soberana; outros postos menos importantes constituíam, dentro dos dois grupos, um valoroso estado maior que tomava parte na disciplina da classe (recordemos os decuriões). Em cada fracção os alunos estavam hierarquizados em ordem decrescente. Cada um deles tinha na coluna da outra fracção um homólogo de igual força, o seu émulo. Era o seu adversário oficial, cujas faltas e inexactidões deviam ser denunciadas. Assim, segundo os alunos de uma das duas fracções ganhasse ou não aos seus émulos, uma das partes era proclamada vencedora ou vencida e saía da luta coberta de honra ou de vergonha. Este método tinha como resultado eficaz manter a emulação, não só entre os melhores alunos, mas também entre os últimos da classe, porque a vitória sobre o émulo inimigo ou um desafio vitorioso com um companheiro melhor situado, podia levar a uma vantagem visível na classificação geral" (7).
A filosofia ocupava um espaço importante no plano de estudos do ensino secundário. Os estóicos, em particular Séneca e Cícero, Tomás de Aquino e, em lugar cimeiro, Aristóteles, eram os autores
mais apreciados. O estudo da Lógica, da Metafísica, da Alma e da Ètica de Aristóteles ocupavam grande parte do tempo do estudante de Filosofia. O ensino da Filosofia era simples e eficaz: consistia na leitura e na explicação dos textos dos filósofos. Era dado um grande realce à compreensão filológica dos textos e á realização de disputas sobre as teses dos autores.
O ensino da História dava uma grande importância à Antiguidade Grega e Latina. Apesar da erudição ser um objectivo importante a perseguir, havia uma preocupação de conhecer e comentar as obras dos grandes autores, conhecidos como grandes historiadores da antiguidade greco-romana, nomeadamente Heródoto, Tucídides, Tito Lívio, Floro, Valério Máximo e Salústio. A metodologia utilizada não se distancia da metodologia das restantes disciplinas: havia uma explicação dos autores (lectio), seguida de comentários e disputas.
As ciências físicas e matemáticas não tinham o mesmo espaço no plano de estudos que o latim, o grego, a gramática, a retórica, a história e a filosofia. A física era estudada a partir das obras dos autores clássicos, como se fosse uma filosofia natural ligada á história do pensamento grego. A Física e os tratados Do Céu e Dos Meteoros, de Aristóteles, ocupavam um lugar importante, sobretudo através do estudos dos comentários à obra do estagirita.
Vejamos, por último, os cuidados na formação dos professores.
Santo Inácio de Loyola teve sempre uma grande preocupação com a formação académica dos membros da Companhia de Jesus. Ao princípio, resolveu o problema enviando os jesuítas para a Universidade de Paris que ele conhecia bem por tê-la frequentado. À medida que a Companhia de Jesus se ia expandindo, apostou na criação de universidades na Europa central. Os jesuítas formados nessas universidades estiveram na base da criação de muitas centenas de colégios. Em 1579, havia 144 colégios jesuítas e em 1749, eram 669.
A Companhia de Jesus encarou de frente o problema da formação contínua dos professores destes colégios, com a criação de uma publicação, intitulada o Diário, onde eram publicados artigos em defesa da ortodoxia pedagógica, filosófica e teológica. Publicaram, nessa publicação, como membros correspondentes, alguns dos melhores intelectuais da Europa daquele tempo.
Notas
1) Mesnard, P. (1992). "La Pedagogia dos Jesuítas", in Jean Château. Los Grandes Pedagogos. México: Fondo de Cultura Económica, p. 61
2) Idem, p. 62
3) Ibid., p.67-68
4) Ibid., p. 70
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