Nos
 últimos  anos, um grupo de estudiosos (sendo que a maioria deles 
poderia ser  chamada de “católicos de direita”) decidiu revisar a 
interpretação  padrão sobre a ascensão da economia e do capitalismo. 
Essa interpretação  padrão diz que tanto o pensamento econômico como as 
políticas  econômicas laissez-faire, que estimularam o capitalismo,  
desenvolveram-se como fruto de uma rejeição aos grilhões do catolicismo 
 medieval. O espírito moderno das pesquisas científicas derrotou o  
dogmatismo escolástico e permitiu o surgimento de um espírito largamente
  individualista e racional; a rejeição à autoridade da Igreja levou a 
um  individualismo generalizado em todos os campos; a ética e o espírito
  calvinista, que enfatizava o valor positivo do trabalho árduo, da  
parcimônia, e da ação de ganhar dinheiro, levou ao florescimento do  
capitalismo, ao passo que os católicos reprovavam solenemente esta ação 
 de ganhar dinheiro. E, por fim, a interpretação padrão diz ainda que a 
 economia laissez-faire cresceu apenas na atmosfera protestante da  
Grã-Bretanha (Adam Smith, etc.)
Entretanto, 
há um outro lado da moeda, e  interpretações divergentes, 
particularmente nas áreas da filosofia  política (o direito natural, por
 exemplo) e do pensamento econômico, têm  surgido nos últimos anos. Para
 fins de leitura sobre essa Nova Escola,  eu sugeriria: Joseph A. 
Schumpeter, History of Economic Analysis (Nova York, 1954), especialmente as páginas 73-142; Marjorie Grice-Hutchinson, The School of Salamanca (Oxford, 1952); Emil Kauder, “Genesis of the Marginal Utility Theory,” Economic Journal (Setembro de 1953); Kauder, “Retarded Acceptance of the Marginal Utility Theory,” Quarterly Journal of Economics
 (Novembro de 1953), e “Comment” (Agosto de 1955); e Raymond de Roover, 
 “Scholastic Economics: Survival and Lasting Influence from the 16th Century to Adam Smith,” Quarterly Journal of Economics (Maio de 1955).
Esses revisionistas pouco fizeram diretamente contra um dos alicerces da abordagem tradicional – A Ética Protestante, de Max Weber – mas fizeram muito por vias indiretas. Recomenda-se as críticas à Weber feitas por H. M. Robertson, Aspects of Economic Individualism
 (Londres, 1933). Robertson e outros mostraram, por exemplo, que o  
capitalismo realmente começou a prosperar, não na Grã-Bretanha, mas nas 
 cidades italianas do século XIV, ou seja, em áreas decididamente  
católicas. De fato, o ponto principal da crítica revisionista, em todas 
 as áreas, é a coesão das idéias – que o capitalismo, o liberalismo, o  
racionalismo, o pensamento econômico, etc. começaram bem antes de Smith et al.,
  e sob auspícios católicos; e que os desenvolvimentos posteriores se  
baseavam em – e em alguns casos retrocediam de – posições católicas  
anteriores.
Emil Kauder, de fato, joga a tese de 
Weber[1] contra seus próprios seguidores ao atacar Smith e Ricardo, 
acusando-os  de terem sido influenciados pelo protestantismo ao 
desenvolverem a  “teoria do valor-trabalho”. Schumpeter também se 
inclinava para essa  direção. A força dessa nova e importante tese é a 
seguinte: ao invés de  dizer que Hume e Smith desenvolveram a teoria 
econômica quase que  partindo do zero, mostra-se que a ciência econômica
 começou a ser  realmente desenvolvida, lenta porém seguramente, ao 
longo dos séculos,  pelos escolásticos e por católicos italianos e 
franceses que foram  influenciados pelos escolásticos; que a abordagem 
econômica feita por  eles era, de maneira geral, metodologicamente 
individualista, e  enfatizava a teoria da utilidade, a soberania do 
consumidor e as  precificações via mercado, e que Smith acabou atrasando
 o pensamento  econômico ao injetar a doutrina puramente britânica da 
teoria do  valor-trabalho, jogando dessa forma a ciência econômica para 
fora dos  trilhos por cem anos. Nesse ponto, posso acrescentar que a 
teoria do  valor-trabalho gerou muitas conseqüências nefastas. Ela, é 
claro,  pavimentou o caminho, de maneira lógica, para Marx. Além disso, 
sua  ênfase na tese de que “custos determinam os preços” estimulou a 
idéia de  que são os empresários ou os sindicatos que aumentam 
determinantemente  os preços, e não a inflação da oferta monetária feita
 pelo governo. E,  ademais, a ênfase em “valor objetivo e inerente” dos 
bens levou a  tentativas “cientificistas” de se mensurar valores, 
estabilizá-los  através de manipulações governamentais, etc.
A interessante tese de Kauder está 
dividida em duas  partes: uma, que diz que o relato acima representa o 
curso histórico dos  eventos no pensamento econômico; e a outra, que diz
 que a razão para o  esquecimento da teoria da utilidade e sua 
conseqüente substituição por  uma teoria de custo-trabalho foi 
influenciada pelo protestantismo, em  oposição ao espírito católico.
Kauder afirma, primeiramente, que a 
teoria da  utilidade foi desenvolvida em grande escala primeiro por 
Aristóteles, e  depois pelos escolásticos, particularmente os 
negligenciados  escolásticos espanhóis de fins do século XVI e começo do
 século XVII. A  maioria dos historiadores tem ignorado esses 
escolásticos tardios e sua  influência, ao menos até recentemente. A 
idéia dominante é a de que os  escolásticos desapareceram junto com a 
Idade Média, e o intervalo de  tempo entre esse período e o atual foi 
preenchido apenas pelos  mercantilistas. Os mercantilistas, no entanto, 
eram estatistas  panfletários sempre que julgavam conveniente, e 
contribuíram menos para a  economia e para o liberalismo do que os 
escolásticos tardios. (Ver  DeRoover)
A ênfase aos valores subjetivos dos 
indivíduos e da  utilidade também foi continuada pelos grandes filósofos
 políticos  protestantes (Hugo) Grócio e (Samuel) Pufendorf, que foram 
diretamente  influenciados pelos escolásticos espanhóis (e também, como 
veremos  abaixo, no campo do direito natural), e pelos economistas 
italianos de  Volterra (meados do século XVI), Davanzatti (fins do 
século XVI),  Montanari (Fins do século XVII), e principalmente Galiani 
(por volta de  1750). A teoria foi posteriormente desenvolvida por 
Turgot e Condillac,  católicos franceses (meados do século XVIII). Na 
época destes três  últimos, Kauder afirma que o “paradoxo do valor” 
(ouro vs. ferro) havia  sido resolvido pela teoria da utilidade 
desenvolvida por eles. No  entanto, a dupla Smith-Ricardo jogou fora a 
conclusão e restabeleceu o  problema do paradoxo do valor. (Posso 
acrescentar que a resultante  abordagem holística feita por Smith e 
Ricardo era sutilmente socialista,  uma espécie de quarta via: ela 
estabeleceu o costume de se separar a  Distribuição da Produção, e de se
 falar apenas em grupos de fatores, e  não em fatores individuais – ou 
seja, trabalho ao invés de  trabalhadores).
E Kauder vai em frente e mostra que os 
teóricos do  valor e utilidade subjetivos eram católicos 
franco-italianos, enquanto  que os teóricos do valor-trabalho – Petty, 
Locke e Smith – eram  protestantes britânicos. Kauder atribui esse fato 
precisamente à ênfase  calvinista na divindade do trabalho, em 
contraposição ao pensamento  católico, que considerava o trabalho apenas
 como um meio de ganhar a  vida. Os escolásticos, então, estavam livres 
para concluir que o “preço  justo” era essencialmente o preço 
competitivo definido pelo mercado, ao  passo que os britânicos, 
influenciados pelos protestantes, tinham a  dizer apenas que o preço 
justo é o preço “natural” em que “a quantidade  de trabalho trocada por 
cada bem é a mesma”. Já De Roover mostra que  ambos os escolásticos 
tardios espanhóis Domingo de Soto e Luis de Molina  denunciaram como 
falaciosa a máxima do beato (John) Duns Scot, que  dizia que o preço 
justo é igual ao custo de produção mais um lucro  razoável. É fato que 
Smith e Locke foram influenciados tanto pela  corrente escolástica, que 
eles adquiriram através de seus treinamentos  filosóficos, como pela 
ênfase calvinista na divindade do trabalho.  Também é verdade que Smith 
acreditava que a livre concorrência  eventualmente levaria os preços de 
mercado para perto do “preço justo”,  mas é evidente que um perigo já 
havia sido introduzido – perigo esse que  foi totalmente explorado por 
Marx (e que, de fato, ainda perdura nas  teorias de concorrência 
imperfeita, que são similares à crença em algum  mundo mais justo onde 
reinam os preços “naturais” e “ótimos”). Por outro  lado, os discípulos 
de São Tomás de Aquino, os tomistas, sempre  centraram seus estudos 
econômicos no consumidor, considerando-o a “causa  final” aristotélica 
do sistema econômico, e que o objetivo final do  consumidor é a 
“moderada busca pelo prazer”. Já no século XIX, diz  Kauder, as 
influências religiosas sobre o pensamento econômico não eram  
importante. No entanto, ele aponta a importância das estritas raízes  
evangélicas de Alfred Marshall. O pai de Marshall era um evangélico  
rigoroso, e os evangélicos eram severos calvinistas-revivalistas. Talvez
  seja por isso que Marshall resistiu à teoria da utilidade, e insistiu 
 em reter ao máximo a teoria ricardiana do custo, a qual perdura até 
hoje  como resultado.
Contudo, gostaria de adicionar alguns 
comentários. Os  mais “dogmáticos” adeptos do laissez-faire no século 
XIX não foram os  economistas britânicos, mas sim os economistas 
(católicos) franceses.  Bastiat, Molinari, etc. foram muito 
mais rigorosos do que os sempre  pragmáticos liberais ingleses. Ademais,
 a fina-flor da teoria  laissez-faire foi desenvolvida pelos católicos 
fisiocratas, que foram  influenciados diretamente pelo conceito das leis
 e dos direitos  naturais.
E isso me leva à segunda grande 
influência dos  católicos escolásticos – a teoria das leis e dos 
direitos naturais.  Certamente o direito natural era um grande obstáculo
 ao absolutismo  estatal, e começou com o pensamento católico. 
Schumpeter mostrou que o  direito divino dos reis era uma teoria 
protestante. A teoria das leis e  dos direitos naturais também fluiu dos
 escolásticos até os filósofos  morais franceses e britânicos. A conexão
 foi obscurecida pelo fato de  que muitos dos racionalistas do século 
XVIII, sendo amargamente  anti-catolicismo, se recusaram a reconhecer 
seu débito intelectual para  com os pensadores católicos. Schumpeter, de
 fato, afirma que o  individualismo começou com o pensamento católico. 
Assim: “a sociedade  foi tratada (por Santo Tomás de Aquino) como uma 
questão completamente  humana, e mais ainda, como uma mera aglomeração 
de indivíduos que ocorre  por causa de suas necessidades mundanas… o 
poder do monarca  derivava-se do povo… por delegação. O povo é soberano e
 um monarca  indigno poderia ser deposto. Duns Scot chegou ainda mais 
perto de adotar  uma teoria do contrato social do estado. Este… 
argumento é  notavelmente individualista, utilitarista e racionalista 
…”[2] Schumpeter também enfatiza a defesa da propriedade privada feita 
por  Tomás de Aquino e menciona em particular o espírito 
anti-estatizante do  escolástico Juan de Mariana, 1599. Ainda sobre 
eles, Schumpeter também  fala sobre a adoção do preço de mercado como 
sendo essencialmente o  preço justo, a teoria da utilidade, o valor 
subjetivo, etc. Ele diz que,  enquanto Aristóteles e Scot acreditavam 
que o preço normal de  concorrência era o preço justo, os escolásticos 
tardios espanhóis  identificavam os preços de mercado com qualquer preço
 concorrencial,  como no caso de Luis de Molina. Eles também tinham uma 
teoria para o  padrão-ouro, e se opunham ao enfraquecimento da moeda. 
Schumpeter ainda  diz que de Lugo desenvolveu uma teoria sobre os riscos
 dos lucros  empresariais, a qual, é claro, só foi completamente 
desenvolvida na  virada do século XX e depois.[3]
Apesar de que a teoria dos direitos 
naturais, do  século XVIII, era muito mais individualista e libertária 
do que a versão  escolástica, há definitivamente uma continuidade. O 
mesmo vale para o  Racionalismo, sendo a razão o principal artifício 
usado por Tomás de  Aquino, e sendo essa mesma razão combatida pelos 
protestantes, que  colocavam suas ideologias – e sua ética – em uma base
 mais emocional,  encarando-a como sendo uma Revelação direta.
Podemos resumir o Argumento pelo 
Catolicismo da  seguinte maneira: (1) o laissez-faire de Smith e as 
idéias do direito  natural advêm dos escolásticos tardios e dos 
fisiocratas católicos; (2)  os católicos desenvolveram a utilidade 
marginal, a economia do valor  subjetivo e a idéia de que o preço justo 
era o preço de mercado, ao  passo que os protestantes britânicos 
desenvolveram uma perigosa e  altamente estatista teoria do 
valor-trabalho, influenciados pelo  calvinismo; (3) alguns dos mais 
“dogmáticos” teóricos do laissez-faire  foram católicos: desde os 
fisiocratas até Bastiat; (4) o capitalismo  começou nas cidades 
italianas católicas do século XIV; (5) direitos  naturais e outras 
visões racionalistas descenderam dos escolásticos.
Também recomendaria, como um exemplo um 
tanto  assustador de como uma influência protestante-calvinista pode 
levar a  uma filosofia de socialismo altruísta, a leitura do ensaio “T. 
H. Green  and His Audience: Liberalism as a Surrogate Faith”, Review of Politics (Outubro, 1956), de Melvin Richter.
Conquanto seja algo tangente a este memorando em particular, também recomendaria fortemente Erik von Kuehnelt-Leddihn, Liberty or Equality
 (Caldwell, Id., 1952), sendo que o ponto principal do livro é a tese de
  que o catolicismo promove um espírito libertário (ainda que  
“anti-democrático”), ao passo que o protestantismo promove o socialismo,
  o totalitarismo e o espírito coletivista. Um exemplo é a afirmação de 
 Kuehnelt-Leddihn de que a crença católica na razão e na verdade tende 
ao  “extremismo” e ao “radicalismo”, enquanto a ênfase protestante na  
intuição leva a uma crença em concessões, em pesquisas de opinião, etc.
A opinião do Professor von Mises sobre a
 tese de Max  Weber deve ser mencionada: Weber inverteu o verdadeiro 
padrão causal,  isto é, que o capitalismo veio primeiro e que os 
calvinistas adaptaram  seus ensinamentos à crescente influência da 
burguesia. Weber relatou que  os fatos ocorreram em ordem contrária.
Não estou preparado para dizer que a 
causa  protestante deve ser descartada completamente e que a visão 
católica  deve ser adotada completamente. Mas parece evidente que a 
história é bem  mais complexa do que a versão padrão nos faz crer. 
Certamente, os  Revisionistas oferecem uma excelente corretiva[4].  
Quanto às questões específicas sobre a teoria da utilidade e Adam  
Smith, posso fazer um endosso aos revisionistas. Por muito tempo tenho  
sentido que Adam Smith tem sido consideravelmente sobreestimado como  
sendo um inflexível adepto do laissez-faire.
__________________
Notas (todas fornecidas pelo editor)
[1].    Consulte 
Randall  Collins, um sociólogo weberiano, que também inverteu a tese de 
Weber ao  mesmo tempo em que usava os métodos de reconstrução histórica 
do prórpio  Max Weber; ver Weberian Sociological Theory 
(Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1986), onde Collins  
escreve: “A cristandade foi a principal revolução weberiana, que criou  
as formas institucionais pelas quais o capitalismo pôde surgir. A  
reforma Protestante representou apenas uma crise particular ao fim de um
  ciclo de longo prazo; ela deu início a um segundo movimento, que nós erroneamente vemos como sendo o primeiro.” (pág. 76)
[2].    Joseph A. Schumpeter, History of Economic Analysis (Nova York: Oxford University Press, 1954) pp. 91-92.
[3].    Ver principalmente, Alejandro A. Chafuen, Faith and Liberty: The Economic Thought of the Late Scholastics (Lanham, MD: Lexington Books, 2003).
[4].    Rothbard mais tarde desenvolveu essa linha de ataque em grandes detalhes; ver Murray N. Rothbard, Economic Thought Before Adam Smith: An Austrian Perspective on the History of Economic Thought, I (Cheltenham, UK: Edward Elgar, 1995), p. 31-175.
0 comentários:
Postar um comentário