ZP07091910 - 19-09-2007
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Entrevista com Jaime Antúnez Aldunate, autor do livro sobre o filósofo da história
SANTIAGO DO CHILE, quarta-feira, 19 de setembro de 2007 (ZENIT.org).-
Trinta e sete anos depois de sua morte, Christopher Dawson, o filósofo
da história, continua deixando lições, em particular aos crentes,
constata o Dr. Jaime Antúnez Aldunate, que publicou um livro.
O
diretor de «Humanitas» aprofundou em seu livro «Filosofia da história em
Christopher Dawson» na herança intelectual e espiritual desse anglicano
britânico, nascido em 1889, que se converteria em sua juventude ao
catolicismo.
Ao destacar a influência que tem este autor,
Antúnez, em uma entrevista concedida à Zenit, constata que «é indicativo
que um «best seller» no debate contemporâneo, como Samuel Huntington,
dê início ao mais divulgado de seus ensaios – «The Clash of
Civilizations» –, citando, entre outros autores modernos, Christopher
Dawson».
–A história da cultura se desenha assim aos
olhos de Dawson como esses manuscritos antigos que conservam sempre as
marcas de escrituras anteriores, nunca inteiramente apagadas, e que se
conhecem com o nome de «palimpsestos», você recorda.
–Jaime
Antúnez: Nestes, nos traços deixados pelas culturas primitivas e também
pelas mais desenvolvidas, figura um mundo que jaz profundamente sob a
superfície da consciência, explica Dawson. Flui também desta concepção
da cultura o caráter eminentemente conetivo do conhecimento histórico,
da história como memória, tradição e conhecimento interior, sobretudo.
–Nesta
mesma linha de considerações, pode explicar por que a distância que
separa o religioso do não-religioso para Dawson, mais que em «níveis de
cultura», estriba em níveis de consciência?
–Jaime
Antúnez: Nosso autor demonstra, por exemplo, que quando o mistério
manifestado na natureza é adorado por si mesmo, se está ainda no estágio
do paganismo. Ao contrário, que quando as forças que governam a
natureza permitem entrever o Deus da alma, ainda que seja ainda nas
profundas escuridões da consciência, estão já outorgadas as bases para
uma evolução religiosa, tal como ela se aprecia nas religiões
históricas. Como se percebe, o mundo da cultura chega a existir pela
cooperação entre a psique e a razão e foi, afirma Dawson, função
histórica das religiões conseguir essa união. Daí suas formulações tão
substanciosas: «As religiões mundiais foram os pilares das culturas do
mundo, de forma que, se as eliminamos, os arcos caem e o edifício se
derruba». Torna-se, por conseguinte, necessário olhar para este âmbito
superior da realidade, nos dirá, para alcançar uma verdadeira
compreensão das formas internas de uma sociedade e de sua cultura.
–Contudo,
o próprio Dawson precisa que essa relação entre religião e cultura é
também tensa e ambígua, que sua influência é recíproca e que opera em
diferentes direções...
–Jaime Antúnez: Isso se observa
de modo muito evidente, por exemplo, em circunstâncias de grandes
mudanças culturais, pois, ainda que de modo geral a religião exerça uma
influência como força unificadora na criação de uma síntese cultural e
no suporte das tradições, oferece também fatores que facilitam ou
impulsionam o dinamismo transformador das sociedades, podendo inclusive
chegar a operar – o sentimento religioso – como força desintegradora em
momentos de auge revolucionário. É bem visível que esta ambigüidade nas
relações entre religião e cultura gerou fortes tensões ao longo da
história.
–Hoje «caíram as barreiras das
culturas-religiões e pela primeira vez na história, todo o mundo físico
chega a ser um só», escreve Dawson em 1945, prevendo um fenômeno que
considera anômalo e exclusivo desta época, e que a seu juízo ameaça a
sobrevivência da religião e também da cultura.
–Jaime
Antúnez: Essa inclinação da cultura observada por ele, originada na
Europa e inspirada, ainda que não em forma exclusiva, na filosofia do
Iluminismo, navega hoje mais que na força de estruturas ideológicas,
«nas técnicas científicas ocidentais que proporcionam a estrutura comum
da existência humana e a base sobre a qual se está formando uma nova
civilização científica universal», expressa nosso autor. Que desafio
adverte, no fundo, neste contexto – «unificado, organizado e controlado
pelo conhecimento e as técnicas científicas» – para a religião, e em
particular para as grandes religiões universais? Todas elas (as
religiões) sobrevivem e continuam influindo na vida humana, mas todas
elas perderam relação orgânica com a sociedade que se expressava na
síntese tradicional da religião e da cultura, tanto no Oriente como no
Ocidente, explica Dawson. A que temos ante nossos olhos é assim a
secularização mais completa, intensa e ampla que o mundo tenha
conhecido. Disso conclui que «uma cultura dessa classe não é de nenhum
modo uma cultura no sentido tradicional, ou seja, não é uma ordem que
reúne todos os aspectos da vida humana em uma comunidade espiritual
viva».
–Como Dawson aborda o tema da «filosofia do progresso»?
–Jaime
Antúnez: Já no prólogo de sua primeira obra publicada em 1928, «The Age
of Gods», Dawson manifesta uma preocupação precoce pelo tema do
progresso das culturas. Estabelece então que ao invés de uma lei
uniforme capaz de dar conta do progresso, é necessário distinguir o que
deve ser apreciado como «tipos principais de evolução social», matéria
na qual sublinha a importância de fatores como o meio geográfico e a
mestiçagem cultural. Não é este, contudo, o horizonte em que analisa o
tema em sua obra capital, «Progresso e Religião». Ele faz aqui relação
com a perspectiva ideológica que o conceito «progresso» assume na
cultura moderna, principalmente a partir do Iluminismo, e suas
conseqüências no campo da filosofia da história. Em coincidência com
outros autores que se ocupam da análise deste período na história do
pensamento – Berdiaev e Jean Guitton, por exemplo –, nosso autor observa
que no século XVIII, por obra dos filósofos iluministas, se produz um
tipo de suplantação do sentimento religioso de forma tal que,
conservando-se uma fé em um Criador benfeitor e providente e a aceitação
dos principais preceitos da moral cristã, estes conceitos são
«despojados de sua dimensão sobrenatural e adaptados ao esquema
utilitário racional da filosofia contemporânea». Deste modo, a lei moral
é privada dos elementos ascéticos e espirituais e equiparada a uma
filantropia prática, e a ordem providencial é transformada em uma lei
natural mecanicista. Isso sucede, muito particularmente, com a idéia do
progresso, conclui, em conseqüência do qual «a crença na
perfectibilidade moral e no progresso indefinido da raça humana tomou o
lugar da fé cristã na vida futura, como o fim último do esforço humano».
–Diríamos que a presença destas concepções chega até o nosso tempo...
–Jaime
Antúnez: Diversos acontecimentos ao longo do século XIX e, sobretudo,
as circunstâncias catastróficas que acompanharam o começo do século XX,
comoveram muito profundamente a estabilidade do credo do progresso. Não
resta a ele, contudo, atualidade e projeção ao problema aqui abordado.
Pois ainda que seja verdade que hoje não se aceitaria essa fé no
progresso nos termos formulados pelos filósofos do Iluminismo, ela
permanece ainda como uma atmosfera de fundo, impregnando em boa medida a
problemática de nosso tempo, «que se encontra como a meio caminho no
dilema entre irracionalidade milenarista e racionalista positivista sem
esperança», segundo observava o cardeal Joseph Ratzinger nos anos
oitenta. Isso coincide admiravelmente com a prévia previsão de Dawson,
expressa já em 1927, no sentido de que estava por nascer uma nova
cultura que não reconheceria hierarquia de valores e se abandonaria ao
caos das sensações, permitindo que «a mais assombrosa perfeição da
técnica científica esteja dedicada a fins puramente efêmeros».
–De tudo isso flui, constata-se, uma profunda visão crítica da modernidade como cultura.
–Jaime
Antúnez: Sim, porque à luz da análise que Dawson faz, é o homem e sua
construção no universo o que, como conseqüência do fenômeno antes
descrito, vem sendo alterado. Ainda que a nova síntese – diz em seu
livro «Progresso e Religião» – é superior no relativo ao mundo físico,
comparada com aquela do século XIII, no fundo é inferior, já que não
abarca a realidade como uma totalidade. O homem não só perdeu seu lugar
central no universo como o elo entre a realidade superior do espírito e a
realidade inferior da matéria, mas «ficou em perigo de ser expulso da
ordem inteligível, pois se o universo é concebido como uma ordem
mecânica fechada e governada por leis matemáticas, já não há lugar nele
para os valores espirituais e morais que anteriormente haviam sido
considerados como a realidade suprema», observa. A conseqüência no
âmbito da consciência moral e da epistemologia – considerado o homem
assim como um subproduto da vasta ordem mecânica revelada pela nova
ciência – seria, como o temos ante nossa vista, a ditadura do
subjetivismo e do relativismo.
–Como você se lembra, no
livro «Para a compreensão da Europa», Dawson dedica o capítulo X a
explicar o «tour de force» que Hegel provoca na cultura ocidental com
sua filosofia, cuja dinâmica parte precisamente de uma «filosofia da
história». Que importância tem isso na perspectiva de seu
estabelecimento «meta-histórico»?
–Jaime Antúnez:
Estamos aqui frente ao intento mais nítido de subjugar a realidade, diz
Dawson, «com o vigor do pensamento e incorpora-la com todas suas
contradições na totalidade de uma síntese absoluta», equivalente, neste
caso, ao reino definitivo do progresso. Para Maritain, Guitton e Joseph
Ratzinger, como se recorda em meu livro, se está frente ao paradigma da
gnose moderna. «Em última análise, a metafísica hegeliana e a filosofia
hegeliana da história são o gnosticismo moderno: são puro gnosticismo»
dirá sem titubeios Maritain. Esta mesma «idolização gnóstica», coincidem
estes autores, será a que encontraremos em Marx, e ao mesmo tempo, em
circunstâncias distintas, é a que inclusive acompanhará – explica Dawson
em «A Dinâmica da História Universal» – o próprio processo
contemporâneo de «ocidentalização» do mundo, com as características que
ele observou. Trata-se, em definitivo, da secularização radical do
estabelecimento trinitário iniciado por Joaquim de Fiore, e que por
exemplo lemos hoje como intento de explicação, mais literário que
metafísico, em um autor como Gianni Vattimo.
–Segundo a
teoria do tempo originada em Santo Agostinho – e assumida por Dawson –
se explica, você diz, uma concepção da história na qual o passado não
morre, mas se incorpora à vida da humanidade, a qual possui assim uma
continuidade e é dona de uma capacidade de progresso pessoal e social.
–Jaime
Antúnez: Nesta perspectiva, o homem não é fruto do tempo, mas assume
ante ele a função de amo e, em sentido mais amplo, de criador. Não há
meta mais libertadora da história, sublinhará Dawson, que aquela que
mostra em seu horizonte a escatologia cristã e a meta-história. A
hipótese imanentista de uma plenitude intra-histórica é reflexo, pelo
contrário, de uma compreensão reduzida ou reducionista do ser humano,
que necessariamente acarretará um sacrifício da liberdade. Nas antípodas
dessa perspectiva, que parte de uma visão gnóstica da história, nós
nos encontramos no caso de Dawson frente a uma harmônica compenetração
das noções de tempo e eternidade, apoiada em uma firme consciência
humana da mortalidade e do fim.
–A atual situação que se
observa no campo da cultura – não comparável com outros períodos de
civilização – mais que anti-religiosa, «sub-religiosa», marginalizando a
grande força dinâmica da história que é a religião, implicará como
conseqüência, opina Dawson, uma desvitalização radical da sociedade.
Nisso coincide com vários outros autores.
–Jaime
Antúnez: Convém, em todo caso, dizer que este destaque crítico da
cultura contemporânea iluminado pela obra de Dawson, não supõe um
processo irreversível nem predeterminado. Como tudo o que discorre no
plano do humano, sua persistência ou superação está em dependência da
vontade amorosa do homem, pedra de toque na direção que a cultura
adotar. Tampouco supõe, certamente, uma regressão no campo dos avanços
científicos e técnicos, mas pelo contrário: assumindo-os como frutos
positivos da civilização em que nascem, são estes, em sua perspectiva,
outros elementos a reintegrar em um esforço de unidade espiritual da
cultura. Em definitivo, no marco geral de uma cultura que vive o desafio
consistente no trânsito desde visões ideologicamente fechadas, ao
desvanecimento de seus fundamentos na renúncia a qualquer sentido
último, a filosofia e o estudo da história realizado por Dawson adquirem
um destaque muito singular. É justo inclusive dizer que se há um nome
que no século XX deva ser destacado por suas contribuições à filosofia
da história – e particularmente à filosofia cristã da história –,
compartilhando méritos com outros como, por exemplo, Maritan e Guitton,
esse é Christopher Dawson.
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