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Por Rodolfo Papa*
ROMA, terça-feira, 18 de janeiro de 2011 (ZENIT.org)
– A grande mística de São Francisco, no início do século XIII, dá uma
preciosa contribuição também ao âmbito artístico, revalorizando de forma
original e vigorosa, a experiência da vista como uma autêntica
experiência espiritual. Esta inovação forma parte da renovação
generalizada vivida e alcança pelo Santo de Assis. De fato, no contexto
da sobriedade austera da vida monacal, São Bernardo de Claraval, na
metade do século anterior, sabiamente expunha sua preocupação com a
possibilidade de que a beleza das imagens esculpidas, expostas nas
igrejas, pudesse distrair os monges da meditação sobre as Escrituras.
São Francisco, no entanto, escreve e prega dirigindo-se a todos, cultos e incultos. Propõe um tipo de meditação que parte da contemplação da criação para chegar às dores da cruz. Exatamente em tal meditação aparece a grande inovação artística e espiritual da sagrada representação do Natal: o presépio de Greccio. A proposta litúrgico-espiritual do presépio coloca no centro da experiência espiritual o sentido da visão, como meio eficaz para a contemplação. Ademais, o realismo representativo converte-se em uma forma de participação afetiva dos fiéis nos fatos narrados nos Evangelhos. A vista vem exaltada como um sentido espiritual e a representação artística como um instrumento de espiritualidade.
A questão das imagens se enfrenta explicitamente no Capítulo geral da ordem franciscana, presidido por Boaventura de Bagnoregio, em Narbona, 1260. Nas Constituições, vem afirmado que as pinturas e as esculturas que decoram as igrejas não devem possuir elementos “supérfluos” ou “insólitos”. A imagem não deve, portanto, incitar a fantasia, ou servir ao sentimentalismo, mas deve ser sóbrio instrumento de devoção, de meditação e de formação. Como confirmação disso, assistimos ao adorno, no interior das igrejas de toda a ordem, de obras artísticas de linguagem narrativa, rica em detalhes realistas: as imagens, assim como o presépio de Greccio, devem fazer presente o evento evangélico e, sobretudo, devem ajudar o fiel a estar presente, ele mesmo, no sagrado evento.
Uma consequência clara deste clima artístico é o retábulo do altar que representa São Francisco e seis episódios de sua vida, de Boaventura Berlinghieri, realizado em 1235 para a igreja de São Francisco em Pescia; vemos, portanto, que a característica narrativa é o centro da representação pictórica, assim como a descrição da natureza e dos animais. Este tipo de imagem se define em termos pictóricos como o “realismo” narrativo da Vita Prima, escrita por Tommaso da Celano, que invade as posteriores biografias. O sentido realista da narração se converte em uma característica da espiritualidade ocidental, e não só aparece no âmbito franciscano e nas artes figurativas: por exemplo nas Laudes do franciscano frei Jacopone da Todi ou também nas Meditationes Vitae Christi, texto amplamente distribuído, em que a vida de Cristo narrada nos Evangelhos se traduz em imagens ricas em detalhes; também a Legenda Aurea, escrita no século XIII pelo bispo dominicano Jacopo da Varazze, exprime a necessidade narrativa e se converte, por outro lado, em um instrumento de realismo artístico. De fato a Legenda Aurea é, sem dúvida, uma das maiores fontes iconográficas para os artistas durante todo o século XVII.
A exigência espiritual de representar a realidade corpórea e de contar os eventos históricos, de modo que sirvam para a pregação e a meditação, implicam uma lenta revalorização da arte a favor de uma maior capacidade mimética. Neste contexto artístico e espiritual, o fundo com pão de ouro, típico nos ícones bizantinos, destinado a fazer presente uma dimensão espiritual atemporal, está considerado menos adequado para a reprodução dos atos narrados nos textos sagrados. Aparece também a vontade de representar de maneira visível e efetiva a “contemporaneidade” dos fiéis com as narrações evangélicas; por isso Cristo e os santos aparecem presentes no meio dos fiéis, e, por sua vez, os fiéis vivem, através de uma dimensão espiritual “afetiva”, uma maior implicação contemplativa.
Este matiz espiritual está presente também nos textos devocionais, e está explicitamente abordado em trabalhos teóricos como o Mitrale, de Dom Sicardo, bispo de Cremona, que, refletindo sobre a tridimensionalidade das esculturas, conclui que estas, concretamente por seus grandes relevos, são percebidas como algo presente e familiar para os fiéis, convidando-os a ações virtuosas, graças a sua natureza. Também o dominicano Tomás de Aquino fomenta o uso das imagens, não só como instrumento de formação para os incultos, mas também para provocar nos fiéis uma maior devoção. No Rationale, escrito por um canonista da Cúria Romana, Dom Guillelme Durand, bispo de Mende, se explicita que a imagem é superior à escritura, porque implica a participação da vista.
A complexidade destes elementos, nascidos no âmbito espiritual e pastoral, é absorvida pelos artistas que colaboram na construção de novas igrejas e catedrais. A exigência de representar o mundo real com uma adequada capacidade mimética se traduz em uma maior atenção às luzes e sombras para representar melhor os volumes dos corpos; isso sucede por exemplo na obra de Giotto e de seus seguidores.
Sobretudo a espiritualidade do século XIII implica uma particular construção geométrica do espaço representado, capaz de fazer presente a cena. É nesse ponto que aparece a perspectiva. A prova desse fato histórico pode-se encontrar na Basílica superior de Assis, nos afrescos que se interpõem cronologicamente entre as decorações mais antigas e as intervenções decorativas de Giotto, como também os afrescos que reproduzem Le storie di Isacco.
O autor, conhecido como Maestro di Isacco, realiza, de fato, uma maravilhosa representação do espaço, demonstrando que possui uma técnica complexa de perspectiva. Só se encontra este modo de conceber o espaço em seu contemporâneo Arnolfo di Cambio. Uma hipótese fascinante e avançada para seu tempo (de A. M. Romanini), afirma que o Maestro di Isacco é o próprio Arnolfo, ou seja, o inventor da perspectiva moderna. Em todo caso, é evidente que a grande motivação que a perspectiva supõe aparece na pintura por motivos de ordem espiritual, para fazer presentes os eventos sagrados e para envolver os fiéis da época nos atos narrados.
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* Rodolfo Papa é historiador da arte, professor de história das teorias estéticas na Universidade Urbaniana, em Roma; presidente da Accademia Urbana delle Arti. Pintor, autor de ciclos pictóricos de arte sacra em várias basílicas e catedrais. Especialista em Leonardo Da Vinci e Caravaggio, é autor de livros e colaborar de revistas.
São Francisco, no entanto, escreve e prega dirigindo-se a todos, cultos e incultos. Propõe um tipo de meditação que parte da contemplação da criação para chegar às dores da cruz. Exatamente em tal meditação aparece a grande inovação artística e espiritual da sagrada representação do Natal: o presépio de Greccio. A proposta litúrgico-espiritual do presépio coloca no centro da experiência espiritual o sentido da visão, como meio eficaz para a contemplação. Ademais, o realismo representativo converte-se em uma forma de participação afetiva dos fiéis nos fatos narrados nos Evangelhos. A vista vem exaltada como um sentido espiritual e a representação artística como um instrumento de espiritualidade.
A questão das imagens se enfrenta explicitamente no Capítulo geral da ordem franciscana, presidido por Boaventura de Bagnoregio, em Narbona, 1260. Nas Constituições, vem afirmado que as pinturas e as esculturas que decoram as igrejas não devem possuir elementos “supérfluos” ou “insólitos”. A imagem não deve, portanto, incitar a fantasia, ou servir ao sentimentalismo, mas deve ser sóbrio instrumento de devoção, de meditação e de formação. Como confirmação disso, assistimos ao adorno, no interior das igrejas de toda a ordem, de obras artísticas de linguagem narrativa, rica em detalhes realistas: as imagens, assim como o presépio de Greccio, devem fazer presente o evento evangélico e, sobretudo, devem ajudar o fiel a estar presente, ele mesmo, no sagrado evento.
Uma consequência clara deste clima artístico é o retábulo do altar que representa São Francisco e seis episódios de sua vida, de Boaventura Berlinghieri, realizado em 1235 para a igreja de São Francisco em Pescia; vemos, portanto, que a característica narrativa é o centro da representação pictórica, assim como a descrição da natureza e dos animais. Este tipo de imagem se define em termos pictóricos como o “realismo” narrativo da Vita Prima, escrita por Tommaso da Celano, que invade as posteriores biografias. O sentido realista da narração se converte em uma característica da espiritualidade ocidental, e não só aparece no âmbito franciscano e nas artes figurativas: por exemplo nas Laudes do franciscano frei Jacopone da Todi ou também nas Meditationes Vitae Christi, texto amplamente distribuído, em que a vida de Cristo narrada nos Evangelhos se traduz em imagens ricas em detalhes; também a Legenda Aurea, escrita no século XIII pelo bispo dominicano Jacopo da Varazze, exprime a necessidade narrativa e se converte, por outro lado, em um instrumento de realismo artístico. De fato a Legenda Aurea é, sem dúvida, uma das maiores fontes iconográficas para os artistas durante todo o século XVII.
A exigência espiritual de representar a realidade corpórea e de contar os eventos históricos, de modo que sirvam para a pregação e a meditação, implicam uma lenta revalorização da arte a favor de uma maior capacidade mimética. Neste contexto artístico e espiritual, o fundo com pão de ouro, típico nos ícones bizantinos, destinado a fazer presente uma dimensão espiritual atemporal, está considerado menos adequado para a reprodução dos atos narrados nos textos sagrados. Aparece também a vontade de representar de maneira visível e efetiva a “contemporaneidade” dos fiéis com as narrações evangélicas; por isso Cristo e os santos aparecem presentes no meio dos fiéis, e, por sua vez, os fiéis vivem, através de uma dimensão espiritual “afetiva”, uma maior implicação contemplativa.
Este matiz espiritual está presente também nos textos devocionais, e está explicitamente abordado em trabalhos teóricos como o Mitrale, de Dom Sicardo, bispo de Cremona, que, refletindo sobre a tridimensionalidade das esculturas, conclui que estas, concretamente por seus grandes relevos, são percebidas como algo presente e familiar para os fiéis, convidando-os a ações virtuosas, graças a sua natureza. Também o dominicano Tomás de Aquino fomenta o uso das imagens, não só como instrumento de formação para os incultos, mas também para provocar nos fiéis uma maior devoção. No Rationale, escrito por um canonista da Cúria Romana, Dom Guillelme Durand, bispo de Mende, se explicita que a imagem é superior à escritura, porque implica a participação da vista.
A complexidade destes elementos, nascidos no âmbito espiritual e pastoral, é absorvida pelos artistas que colaboram na construção de novas igrejas e catedrais. A exigência de representar o mundo real com uma adequada capacidade mimética se traduz em uma maior atenção às luzes e sombras para representar melhor os volumes dos corpos; isso sucede por exemplo na obra de Giotto e de seus seguidores.
Sobretudo a espiritualidade do século XIII implica uma particular construção geométrica do espaço representado, capaz de fazer presente a cena. É nesse ponto que aparece a perspectiva. A prova desse fato histórico pode-se encontrar na Basílica superior de Assis, nos afrescos que se interpõem cronologicamente entre as decorações mais antigas e as intervenções decorativas de Giotto, como também os afrescos que reproduzem Le storie di Isacco.
O autor, conhecido como Maestro di Isacco, realiza, de fato, uma maravilhosa representação do espaço, demonstrando que possui uma técnica complexa de perspectiva. Só se encontra este modo de conceber o espaço em seu contemporâneo Arnolfo di Cambio. Uma hipótese fascinante e avançada para seu tempo (de A. M. Romanini), afirma que o Maestro di Isacco é o próprio Arnolfo, ou seja, o inventor da perspectiva moderna. Em todo caso, é evidente que a grande motivação que a perspectiva supõe aparece na pintura por motivos de ordem espiritual, para fazer presentes os eventos sagrados e para envolver os fiéis da época nos atos narrados.
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* Rodolfo Papa é historiador da arte, professor de história das teorias estéticas na Universidade Urbaniana, em Roma; presidente da Accademia Urbana delle Arti. Pintor, autor de ciclos pictóricos de arte sacra em várias basílicas e catedrais. Especialista em Leonardo Da Vinci e Caravaggio, é autor de livros e colaborar de revistas.
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