Resumo do livro Pensando a Revolução Francesa, de François Furet
“E a história que se escreve é também história dentro da história.”
Furet
1º. Biografias
François Furet (1927 - 1997): foi
membro da resistência durante a guerra e membro do Partido Comunista
por mais de dez anos, quando iniciou os estudos de história; rompeu
primeiro com o stalinismo, e em seguida com toda a esquerda; a partir da
década de 60 inicia os estudos da Revolução Francesa, e vai se
converter num crítico ferrenho das interpretações marxistas e
esquerdistas do fenômeno. Isso dará origem a um debate ácido em que será
muitas vezes taxado de inconsistente.
Aléxis de Tocqueville
(1805 – 1859): escritor e historiador francês, célebre pela análise que
faz da Revolução Francesa; oriundo de família aristocrática, seu avô
foi guilhotinado durante o Terror e sua família esteve exilada na
Inglaterra. Foi deputado e em 1849 chefiou a pasta de Negócios
Exteriores.
Augustin Cochin
(1876 – 1916), historiador vindo de uma tradicional família católica e
pouco conhecido antes de Furet, faz uma análise histórico-sociológica da
Revolução Francesa, usando conceitos de Durkheim; a maior parte de sua
obra foi publicada postumamente, tendo ele falecido combatendo na I
Guerra Mundial.
2º. Análise da Obra
Como
explica o próprio autor em seu prefácio, a obra é composta de duas
partes: a primeira é uma síntese sobre como pensar um evento como a
Revolução Francesa; na 2ª. Parte ele apresenta as etapas de sua
pesquisa, sobretudo o estudo das obras de dois historiadores franceses,
Aléxis de Tocqueville e Augustin Cochin, que ele considera
complementares e na qual baseou seu sistema de interpretação.
Furet é um crítico feroz da historiografia clássica da Revolução
Francesa, sobretudo os chamados jacobino-marxistas; os historiadores
marxistas do século XX , sobretudo, ao apontar a Revolução Francesa como
o berço da Revolução de 1917, tornam-se teleológicos; a revolução deixa
de ser um campo aberto de possibilidades, e o único futuro possível é a
revolução soviética.
Denuncia o que ele classifica de mito das origens,
de ver em 1789 o ano zero da atual sociedade. Para Furet isso é
resultado de uma construção ideológica dos próprios revolucionários, em
busca de legitimar o movimento; eles se apresentam como as forças do
futuro e da modernidade em ação.
Também refuta a idéia habitual de que o período jacobino teve grande
participação popular, apoiando-se nos trabalhos de Cochin para afirmar
que o respeito à vontade popular era algo apenas do imaginário
social, sobretudo com o advento do Terror; essa é, em sua opinião, a
grande característica do movimento jacobino: a apropriação simbólica da
vontade do povo.
Furet discorda da chamada teoria das circunstâncias, de que a
radicalização do discurso revolucionário é uma resposta à crescente
reação dos conservadores; isso, segundo ele, estaria transferindo a
iniciativa histórica aos inimigos da revolução, o que é um engano. Para
Furet o discurso das circunstâncias é uma importante justificativa para o
inevitável banho de sangue necessário para uma radical transferência de
poder de uma classe aristocrática para os burgueses. Idéias como a da
conspiração aristocrática, com a fuga do rei, são trabalhadas e
arranjadas para produzir um imaginário revolucionário, uma mentalidade
coletiva para alavancar o novo poder.
Furet propõe um modelo explicativo alternativo para o estudo do
fenômeno revolucionário francês, considerado ao mesmo tempo como processo e acontecimento, definindo a revolução como uma modalidade de ação social; o processo comporta continuidades e rupturas; ao lado da instauração de uma política democrática há a permanência da tradição absolutista (Gouveia, Maria. p.2)
Outra crítica controvertida de Furet é quanto à definição da Revolução Francesa como uma revolução burguesa;
acha mais apropriado falar nas várias revoluções em andamento,
sobretudo a revolução camponesa; enquanto os burgueses querem acelerar
as mudanças econômicas e sociais que estão ocorrendo na França desde
1750, os camponeses marcham no sentido contrário; aliados às classes
populares urbanas, desejam a volta das garantias feudais que gozavam no
passado; ou seja, a motivação dos camponeses é reacionária.
Ainda segundo Furet, a radicalização do movimento é fruto da atividade
camponesa e popular; a burguesia não desejava a guerra de 1793, seus
representantes tentaram impedi-la até onde foi possível; e ironiza: à
burguesia não interessava que camponeses armados marchassem por todo
continente.
E destaca outra contradição básica dos dois movimentos: a burguesia
quer um militar liberal para liderar um sistema representativo; as
camadas populares querem um general vitorioso instaurando um Estado
Absoluto.
A Evolução da Revolução
A Revolução não é um bloco, diz Furet; há contradições e rupturas fundamentais:
No primeiro momento temos o jacobinismo
e a democracia direta; a política democrática é visto como ideologia
nacional; todas questões morais e intelectuais tornam-se políticas, tudo
é passível de uma solução política. Forma-se um cenário maniqueísta de
luta entre o bem e o mal. Há um novo ator político (o povo) e um novo
imaginário social.
A Guerra de 1793 é o cimento necessário para unir os diferentes grupos;
a guerra torna-se o último critério de fidelidade à Revolução: fazer a
paz com os inimigos é trair a revolução. Ela perde a racionalidade
prática dos conflitos limitados do Antigo Regime; a primeira guerra democrática
busca a vitória ou a derrota total. Vai alimentar a paranóia do Terror e
a partir do Termidor ela se torna um investimento social, político e
ideológico; essa nova cruzada refunda as tendências seculares da
sociedade francesa e recria o poder central; purifica-os do passado e
restitui suas ambições históricas; o povo agora tem acesso às honras
militares antes exclusivas dos nobres.
O Terror atua
sobretudo no imaginário; a paranóia da traição é o exemplo máximo da
manipulação das idéias; a idéia se torna poder. Agora só há espaço para o
consenso ou a morte.
Com o Termidor
acaba a democracia direta, e a idéia de representatividade é
restaurada. A ideologia revolucionária deixa de ser coextensiva ao
governo da república. Furet considera que é o momento mais puro da
revolução, por devolver à sociedade sua independência sobre a ideologia.
As Idéias de Tocqueville
Para Tocqueville a chave da compreensão da Revolução Francesa está nos
conflitos internos da nobreza: a chamada nobreza de sangue perdeu seus
poderes locais e não tem forças para influenciar a política real.
Ao mesmo tempo a atividade econômica está provocando uma redistribuição
da riqueza em proveito do Terceiro Estado; os burgueses abastados agora
adquirem cargos no Estado; tornam seus filhos parlamentares e casam-nos
com filhas de duques, tornando-se assim nobres. Ou seja: há um conflito
intranobiliário opondo a antiga nobreza à nova nobreza de ascendência
burguesa.
Há ainda um terceiro personagem neste confronto: a cada vez mais
influente classe de funcionários reais, que se tornam nobres por
nomeação real. Assim temos a nobreza de sangue, a nobreza do dinheiro e a
nobreza por mérito disputando avidamente cargos e influência na Corte,
na Igreja e no Exército.
O conflito vai fazer com que parte da nobreza estimule a instabilidade
social para fragilizar o Estado, na esperança de que um estado
fragilizado faça concessões para obter o seu apoio.
E enumera as três conclusões fundamentais de Tocqueville:
A
significação histórica da Revolução Francesa não é econômica ou social,
é sócio-política: ela substitui as instituições herdadas do feudalismo
por instituições igualitárias; entendendo-se como instituições tanto a
ordem social como a ordem política.
A
causa mais geral da Revolução Francesa reside num processo dialético de
continuidade/ruptura (continuidade nos fatos, ruptura nos espíritos) em
que ela vai concluir o processo de centralização administrativa e a
modernização do aparelho estatal (através de uma classe de funcionários
administrativos e do desenvolvimento do poder público) iniciado pelo
Estado Absolutista.
As
causas mais imediatas da Revolução Francesa estão ligadas à intensa
circulação das idéias iluministas na 2ª. Metade do século XVIII,
produzindo uma transformação nas mentalidades e nos espíritos, uma
revolução cultural em que o foco nos sentimentos religiosos desloca-se
para um culto imaginário do Estado-modelo. A isso acrescente-se o boom
de desenvolvimento econômico que a França vive desde 1750, produzindo
uma insuportável pressão por mudanças político-sociais.
As Idéias de Cochin
Seu interesse fundamental é o jacobinismo. Segundo Furet, enquanto Tocqueville busca o segredo da continuidade, Cochin busca o da ruptura.
Ele
descarta as teorias então vigentes de que o jacobinismo é fruto de uma
conspiração maçônica. E apresenta a idéia original de o jacobinismo ser
originário da evoluções das sociedades de pensamento (círculos
literários, lojas maçônicas, clubes culturais e patrióticos); a
sociedade, e sobretudo a sociedade erudita, privada dos canais
tradicionais de comunicação entre sociedade e Estado (estados gerais,
parlamentos, corpos municipais) por Luis XIV, passa cada vez mais a
ocupar-se da filosofia e literatura; o debate desloca-se dos problemas
reais para os princípios, a discussão de valores. Essa nova
sociabilidade política vai formando a nova opinião; esta, alienada da
monarquia, logo começa a vê-la como inimiga do povo.
A
partir daí inicia-se um hábil jogo de manipulação de idéias, sempre
respaldadas pelo imaginário igualitário/democrático de que exprimem a
vontade do povo. Cochin o resume assim:
- O primeiro passo é a fabricação de uma idéia consensual.
- O consenso estende-se da sociedade de pensamento para a totalidade da sociedade.
- O consenso domina o Estado; o controle é exercido pelas minorias militantes, depositárias da nova legitimidade (a vontade do povo).
Para Cochin a Revolução Francesa não é fruto de contradições econômicas
ou sociais: ela tem sua origem numa manipulação política do corpo
social e na conquista do poder por pequenos grupos anônimos que o
exercem em nome da igualdade e do povo.
A
grande obra do jacobinismo foi criar uma nova legitimidade cultural (o
principio da igualdade de todos os homens) e uma nova regra do jogo
político, a democracia pura ou direta (o poder exercido diretamente pelo
povo, sem intermediação de representantes).
Essa
utopia inicia uma luta cada vez mais violenta para que os líderes se
legitimem como “porta vozes” do povo, que vai desembocar no Terror.
Bibliografia
GOUVEIA,
Maria de Fátima S. Revolução e Independência: notas sobre o conceito e
os processos revolucionários na América Espanhola. Estudos Históricos,
n. 20, Rio de Janeiro, 1997.
FURET, François. Pensando a Revolução Francesa. São Paulo, Paz e Terra, 1989.
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