Por Martim Vasques da Cunha
Fonte: Dicta&Contradicta
Em
 uma época em que se discute se o livro como objeto físico irá  
permanecer ou não, eis que a Cosac Naify resolve provar que “yes, we  
can!”, com nada mais nada menos O outono da idade média, a obra-prima de Johan Huizinga.
Huizinga não brincava em serviço. Era um historiador que sabia pesquisar os documentos, sabia escrever e, sobretudo, sabia pensar.
  Não se intimidava por moldes ideológicos que deformavam a visão real 
do  que foi um determinado período na História. Podia ser acusado de  
esteticismo em alguns momentos, mas era um esteta de excelente gosto –  
e, de certa forma, isso é um pecado menor.
A edição da 
Cosac Naify vem com imagens fabulosas de quadros e  desenhos da época 
retratada, além de uma entrevista com o historiador  Jacques Le Goff, um
 ensaio correto de Peter Burke e uma qualidade  gráfica que faz qualquer
 editor brasileiro pensar duas vezes antes de  lançar o seu próximo 
livro.
Como se não bastasse, o livro em si é 
uma delícia de leitura. Talvez  os únicos que podem ser comparados a 
Huizinga na escrita da história  sejam Jacob Burckhardt, Edward Gibbon 
e, mais recentemente, Jacques  Barzun. O leitor não lê apenas sobre a 
Idade Média; ele vive a  Idade Média. Os capítulos sobre a 
importância da morte e da vida  religiosa no período calam a boca de 
qualquer idéologo que acusa os  medievais de viverem em uma Idade das 
Trevas. De fato, não era uma época  bonita de se viver – era 
extremamente violenta sob certos aspectos e  tinha uma certa morbidez 
rondando o ar que perturba os mais incautos -,  mas havia um espaço para
 a liberdade interior do indivíduo que,  atualmente, foi relegada ao 
esquecimento.
Além disso tudo, ter um Huizinga na 
estante, no começo deste século  XXI, é um privilégio para poucos. O 
historiador holandês quase nunca  aparecia nas prateleiras de língua 
portuguesa – havia uma tradução do  livro com o título O declínio da Idade Média,
 que era  para fazer-me rir. Quais os motivos desta lacuna? Não se sabe:
 talvez  Huizinga seja um autor muito sofisticado para a patuléia de 
intelectuais  que aplaudem o poder estatal como se estivessem na Idade 
Média  imaginada por eles próprios. O que importa é que a Cosac Naify 
rompeu  esta barreira e esperamos que não tenha sido um lapso e sim o 
início de  um bom e constante caminho editorial.
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