quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Homenagem a Johan Huizinga


Em 1º de fevereiro de 1945, morria, na pequena cidade holandesa de De Steeg, confinado pelo exército nazista,
o grande historiador holandês Johan, Huizinga, nascido em 1872.
A entrevista que segue abaixo foi concedida pelo renomado historiador francês Jacques Le Goff a Claude Mettra, em 1980, quando uma outra edição francesa do livro tornou-se fiel a seu título original, Outono da Idade Média, antes, como em português o título era Declínio da Idade Média, Le Declin Du Moyen Age.
Posto que ela continua surpreendentemente viva e traz um olhar deveras profético, a obra maior de Johan Huizinga representa um território que cada geração descobre mediante um olhar diferente. No seu primeiro encontro com o público francês, ela surgiu sob a luz agônica que evidenciava em seu título inicial. O séc. XV era então visto como a noite escura que precede a aurora da Renascença. Totalmente outra é a visão de Huizinga, como demonstra aqui Jacques Le Goff nesta entrevista a Claude Mettra.
CM- O gde livro de J. Huizinga, “L`Automne du Moyen Age”, publicado nos Países Baixos em 1919, foi traduzido na França em 1932 e apareceu sob o título “Le déclin du Moyen Age”. A escolha de tal título é significativa, uma vez que se refere a uma visão cara a historiografia do séc. XIX: a Renascença nascida como um mundo novo, teria de surgir das cinzas do mundo antigo, um mundo velho, decrépito, precisamente no séc. XV que é o período privilegiado de J. Huizinga. E is que regressamos a “L`Automne du Moyen Age”. Mas qual Outono?
JLG- Sem dúvida Huizinga foi influenciado pelo livro de Spengler: “Le déclin de L`Occident” que foi muito mais criticado do que elogiado por ele. Contudo a tradução francesa do livro é uma traição. À primeira vista, “O Outono da Idade Média”, longe de ser uma desvalorização moral que porta a palavra declínio, nos instrui a beleza e a dimensão poética do livro. E esta poesia em última instância está refletida na tradução em toda a sua amplitude, pois toda a grandeza que J. Huizinga tem da história perpassa a palavra Outono.
O Outono é esta estação em que aparentemente toda a fecundidade e todas a contradições da natureza parecem exasperar-se. É nela que, na arte, Eugenio d`Ors chama de fase barroca, onde a natureza se manifesta nua, sem máscara, a exaltação das tendências profundas de uma época. Essa exaltação em si é fascinante. Pois, como canta Agrippa d`Aubigné:
“uma rosa outonal e mais que deliciosa”
Num tal momento da história, os contrastes surgem com extraordinária clareza, quando se pode compreender melhor o que é uma civilização, quando se tem em plena luz as tensões que lhe são implícitas.
CM- E seria no outono que se elabora a fermentação para a primavera que está para chegar.
JLG- Penso que se deveria perguntar a J. Huizinga qual seria a questão fundamental de seu livro, ele teria de falar sobre a imbricação íntima da Idade Média nisso que chamamos Renascimento. Pois a Idade Média do século XV é um autônomo exasperado, que traz ao lado de toda morte o seu contrário: uma extraordinária pujança de tal modo viva que continuará presente em pleno séc. XVI, como bem o mostra Lucien Febvre no seu Rabelais. Da mesma forma no séc. XV é o século seguinte que se faz perceber.
Em realidade, sabe-se o quanto Huizinga esteve no gene das periodizações imperativas que tiveram curso na pesquisa historiográfica. Os conceitos de Idade Média e Renascença são para ele formas vazias. Ele sabia muito bem que o problema estava além da repartição abstrata do tempo. Quando se atinge as camadas profundas da história, se percebe que há continuidades.
Há as camadas que insistem em se exasperar, outras em serem afáveis. Outras nascem lentamente; mal se enxerga a fonte. Em tal nível de profundidade, a periodização se torna impossível.
CM- E esta poderia ser a explosão implícita nos quadros temporais presentes no “Outono da Idade Média”, essa liberdade, essa atitude algo oceânica, mais em acordo com a sensibilidade de 1975 que à de 1920?...
JLG- De fato, o livro parece ser um pouco moderno em demasia para o momento em que apareceu, ainda que não tenha produzido o mesmo choque. Ou, tal finalidade da visão de J. Huzinga, e creio que a oportunidade de se obtê-la a partir de quaisquer palavras-chave que põem nua a natureza desta descoberta do passado.
E a bordo a palavra “vida”. Como testemunham os próprios títulos dos capítulos do livro: “O sabor acre da vida”, “A aspiração por uma vida mais bela”, “A arte e a vida”...É um dos temas que nos reporta a Lucien Febvre.
Mas o que significa essa fome de vida? Que em 1919 os historiadores que não eram marxistas e tampouco se julgaram herdeiros do positivismo puderam enfileirar-se diante de um certo vitalismo. Mediante a vida, eles tentaram incorporar a biologia à história, eles buscaram a presença do corpo vivo, dentro de um ambiente ele mesmo vivo. Na primeira página do livro, esta constatação, fundamental: “A doença e a saúde apresentavam um grande contraste”, e um pouco mais além, “A oposição entre a luz e as trevas, o silêncio e o barulho era ainda maior que hoje em dia”.
Em primeiro plano, a palavra “vida”: o uso do corpo, e dos sentidos.
CM- E em relação a esta relevância do cotidiano define-se por outro lado isto que está além do corpo, além dos sentidos. J. Huizinga vai fazer do sonho um personagem ativo da história.
JLG- A palavra mesmo de sonho se reencontra como aquela de visão, todas as vezes que J. Huizinga vem nos livrar da visão global dos homens da Idade Média. Há o sonho de heroísmo e de amor, herança da cavalaria; há a visão da morte, a presença constante das emoções, quer reveladas ou escondidas, e dos fantasmas. Há uma bifurcação psicanalítica que se encontra, na terceira palavra chave, após vida e sonho no Outono da Idade Média, a palavra Imagem.
Pois aqui tudo aquilo que é imagem é posto em primeiro plano. J. Huizinga se esforça por enfatizar a imagem e todo o campo imaginário em detrimento do que os marxistas chamam de infra-estruturas econômicas, por assim dizer. Para os marxistas tradicionais toda a representação do mundo pertencem ás superestruturas.
E aqueles que hoje nos confirmam as intuições de Huizinga não são os historiadores, são os etnólogos, feito Maurice Godelier por exemplo, que descobriu nas sociedades arcaicas um pensamento simbólico e as representações profundamente inscritas no desenvolvimento humano, que eles definem como infra-estruturas. E não é sem razão que com um pressentimento genial Huizinga se refere frequentemente à etnologia e às comunidades primitivas, ainda que seu conhecimento pareça confuso e seu comparatismo seja pouco crítico.
CM- A este olhar sobre o sonho está ligado um olhar sobre as quimeras e sobre o que hoje aprendemos a chamar de loucura. Sob certos aspectos a descrição que Huizinga faz da relação medieval entre os indivíduos e o sonho parece ir de encontro com o descontentamento das correntes anti-psiquiátricas atuais, representadas por Ronald Laing. Para ele o séc. XV deu ao individuo uma identidade pessoal inalienável. E a rispidez do Outono Medieval seria quase um anti-loucura.
JLG- Por muito tempo fomos batidos por pelo conceito de uma Idade Média desconhecedora do indivíduo. Esta é uma das falhas do belo livro de Eric Erikson sobre Lutero, pois ele vê o indivíduo tendo sua identidade formada a partir da reforma. Na verdade, no séc. XV, a relação entre indivíduo e grupo é singular.
A pessoa se constitui a partir da afetividade, sensibilidade e emoção, e é isto que estamos em via de redescobrir. Resta saber de que material dispõe um historiador para descrever tal afetividade. J. Huizinga se apoiou na literatura e na arte....Evidentemente, se houve alguma mudança depois de 1919, foi essa aproximação da literatura. Depois desse período a sociologia da literatura nos trouxe grandes luzes para a relação entre as obras e o real (?), como testemunha temos por exemplo o belo livro de Erich Kohler, “A Aventura cavaleiresca : ilusão e realidade no romance cortês”. Globalmente, J. Huizinga considerava a literatura como expressão da sociedade, até mesmo seu espelho conquanto com algumas dúvidas. Ele alega que a literatura é uma realidade entre outras, ainda que traga relações fortes de sentido com estas outras realidades.
No mínimo as obras fornecem o inventário de um certo número de fenômenos que hoje em dia a História considera fundamentais: o modo como as pessoas comiam, se vestiam, divertiam, brigavam, amavam. Desde então, os historiadores tentam fundar um “corpus” da realidade do tempo, o que Huizinga não pôde suspeitar. É necessário reconstituir, por exemplo, a partir de textos e da iconografia, o sistema gestual da Idade Média ou de um período da Idade Média. Mas esta é a questão. Em se buscando ajuda nos trabalhos dos etnólogos, seria possível uma aproximação das intuições de J. Huizinga: o fato de que deve-se ir longe em busca dos sentidos de representação de uma sociedade e do lugar que este sistema ocupa na estrutura da sociedade e na “realidade”.
CM- Na busca por representações J. Huizinga considera fundamentais a inteligência do corpo e do princípio sensorial. A vida se dava mediante o uso que o homem fazia da orelha, do olho, boca, mão, nariz. O Outono da Idade Média está repleto de sons, perfumes, e mesmo de carícias.
JLG- Como pode um historiador abarcar tal uso dos sentidos? Tarefas consideráveis estão em curso, em particular nas pesquisas sobre a representação do corpo feminino na literatura, nos tratados de medicina, em todas as fontes que são testemunhas.
Grosso modo, temos uma documentação profundamente mais vasta que a de que dispunha Huizinga. Resta lê-la. Um grande progresso esta sendo feito, graças aos historiadores e aos filósofos da história como Paul Zumthor e Michel Foucault adeptos da noção de documento-momento. Contrariamente ao que cria a história positivista, o documento não é um material que se encontra ao acaso: ele detém o segredo de uma época, as razões precisas, voluntárias e involuntárias, e não podemos utilizar deles sem antes analisarmos seu lugar e função no sistema social em seu conjunto.
Resta que não sabemos como encontrar o documento-momento. Em seguida, há os silêncios da história, pois uma sociedade funciona silenciando-se sobre uma parte de si mesma.
CM- E as pessoas também funcionam da mesma maneira.
JLG- A relação do historiador com os silêncios é extremamente significativa.
O silêncio, essa foi uma das grandes descobertas de Michelet. Mas ele a interpretou à sua moda: ele o via sobretudo como o espelho da opressão. O silêncio, este seria a palavra totalmente reduzida, e com uma visão por sua vez passional e perigosa da História como ressurreição integral do passado, ele quis, intuitivamente, preencher os silêncios. Mas ele os preencheu consigo mesmo, pois ele tinha uma personalidade devoradora. Sendo assim, se se conhece Michelet, seus delírios, sua obsessões, vê-se os silêncios preenchidos por sua própria paixão, eis o que o historiador deve render à obra de Michelet. De onde a importância do ensaio de Barthes, para nós, leitores críticos da história da França.
Todavia por trás de todos os silêncios esconde-se o psiquismo profundo de uma sociedade. Como decifrá-lo? Aqui o historiador fatalmente penetra nos territórios da psicanálise. E é fato que J Huizinga, particularmente, logo que dá a melancolia um papel privilegiado, pois a partir da melancolia ele escreve (<<>>), e desnuda um conceito intelectual e artístico solidamente ancorado na sensibilidade intra-biológica da época.
É isto o que conduz Huizinga a bordo da psicanálise, este erotismo. É isto que é assaz assustador em 1919, e explica largamente o fato de J. Huzinga pertencer a uma cultura, aquela dos antigos Países Baixos (que é também a mesma de outro grande historiador dessa geração, Henri Pirenne, viva nas paisagens, nas imagens de Bosh e de Breughel), de uma terra tradicionalmente aberta a esse tipo de curiosidade.
É isso que permite a J. Huizinga descobrir o fundamento erótico no espírito de coragem da Cavalaria. Ele compreende assim como a ética coletiva pode ter por fundamento seu próprio recalque. E qual seria o do séc. XV? As pessoas tinham uma noção muito viva do corpo, viviam sua sensualidade. Se houve recalque, foi num outro nível.
Por compreendê-los, ele pode buscar ajuda de certas análises weberianas. Uma das idéias fundamentais de Max Weber, que estuda a relação entre capitalismo e protestantismo, é a seguinte: em se tolhendo as energias de se desdobrarem no campo do prazer, através da sensualidade, o protestantismo as canaliza para o trabalho, ao crescimento econômico, para o desejo do ganho.
Durante muito tempo, a Idade Média obteve êxito em integrar o recalque a uma certa liberdade dos sentidos. Esse êxito se deve ao fato de que o Cristianismo medieval se ter revelado capaz de unir duas modalidades de religião: a religião popular e a dos clérigos que por sua vez tendia a ser uma religião racionalizada.
Ou, no final da Idade Média, essa união areja-se(briser). Eis o triunfo da religião institucionalizada, racionalizada. Isso será ainda mais verdadeiro no século XVI, tanto para o catolicismo quanto para o protestantismo. Por conseqüência a religião popular não mais está integrada, é oprimida, não mais um modo de se exprimir a magia.
CM- E se volta assim para a feitiçaria.
JLG- Sim, a relação entre a nova religião racionalizada e outra popular tornou-se demente, condenada à loucura, exprimiu-se através da feitiçaria e de sua repressão, uma vez que a feitiçaria só existe se houver repressão.
Nesse sentido o séc. XVI é um período limítrofe e J. Huizinga tem uma visão muito clara das tensões extremas e de seus contrastes que irão provocar as grandes revoluções. É mediante essa ruptura entre as duas formas de religião que J. Huizinga toma consciência das duas formas de sublimação que habitam a Idade Média ao seu final: de um lado a fachada religiosa dos clérigos e se há uma fachada somos reenviados ao crivo psicanalítico; e do outro lado a aspiração a uma vida mais sublime através do erotismo.
É isso o que desconcerta num olhar sobre a sociedade medieval, é isso que J. Huizinga, no seu intuito de chegar às profundezas, de se lançar ao outro, descobre o séc. XV como o etnólogo descobre a sociedade arcaica, com o sentimento de quem é estranho ao seu objeto, de quem não o compreende. Trata-se de uma humildade absolutamente nova na pesquisa histórica.
CM- Um dos aspectos mais desconcertantes e controversos da paisagem medieval descrita por J. Huizinga, é por em questão o simbolismo medieval. Ele percebe, mediante um deslizamento do simbolismo à alegoria, um sistema de decadência, como se as imagens tivessem perdido sua significação dinâmica, e não passassem de formas frias, sem enlace algum com a sensibilidade da época.
JLG- O horizonte do simbolismo medieval é encontrado, desde então convulsionado, renovado, em particular pelos historiadores da literatura, como em Jollès e seu estudo sobre as formas simples e Paul Zumthor em seus ensaios sobre poética medieval. Em pouco tempo apareceram cinco livros sobre o romance da rosa, e todos propõem uma reabilitação da parte propriamente alegórica de Guillaume de Loris, que, em relação àquela de Jean de Meung, era considerada muito formalista e desprovida tanto de poesia como de conteúdo.
Tem se dado conta de que o universo alegórico, longe de ser um espelho do gratuito, corresponde a uma verdade estética. Certamente, esta cultura livresca é uma cultura de clérigos, resta saber como ela foi recebida, consumida, e como um sistema de representações elaborado em meio aos melhores e mais privilegiados pôde, ao nível do povo, servir de fonte de nutrição no plano imaginário.
CM- Não me parece que o simbolismo tenha se tornado agonizante ou gratuito em momento algum no séc. XV, pois ele se manifesta com esplendor durante toda a primeira Renascença, e teve sem dúvida um papel muito forte nas ressurgências do mundo antigo.
JLG- É o que sublinha J. Huizinga ao final de seu livro: <<É da alma da Idade Média em si que surgiram os novos tempos, e apenas agora isso é reconhecido. A Antiguidade não teve papel um papel representativo em seu início- o da IM. A Antiguidade não teve, ao um papel, tão >>. Em verdade a referência à Antiguidade feita pelos homens da Renascença não passou de um estratagema para que exprimissem um certo número de descobertas e descontentamento contra a rotina. Eles se serviam do passado para testemunhar sua própria novidade, e estavam bem presos nessa armadilha. É dentro deste contexto que se pode medir o quão abusivo é nomear a esta época de Renascença, e quanto de efetivo se opera em tal termo, tanto que Jacob Burckhardt, que tanto admirava Huizinga, deveria ser revisado.
Pois a originalidade de uma época não pode ser definida pelo retorno que se obtém de um grupo de intelectuais debruçado sobre uma época antiga: há as continuidades históricas. E a chave de um período não pode jamais estar presa há dez séculos antes, obliterando-se tudo o que há no intervalo. Naturalmente, para se compreender o que é esta nossa civilização, há que se remontar desde o neolítico, mas remontando continuamente, sem saltar séculos inteiros.
Para se compreender o que se deu no momento da Renascença, não é necessário procurar em Roma ou na Atenas de antanho, mas observar o que se encontra imediatamente antes.
Há um exemplo particularmente alarmante. Atribui-se à Renascença o nascimento do capitalismo, a consideração pelo trabalho. Essa sacralização do trabalho exprime-se com força na maldição que pesa sobre a mendicância regulamentar, daquele que poderia trabalhar e prefere viver como parasita do trabalho alheio. O mendigo regulamentar está pregado ao pelourinho, não só nos países protestantes, mas também nos países católicos.
Ou o momento em que esta figura social em particular é rotulada é o séc. XV, mas ela nasce no XIII. Estudos recentes sobre os amantes vagabundos e os mendigos hereges, aqueles de Jean-Claude Schmidt, o demonstram claramente. Entre esses marginais, ainda mais perigosos eram os religiosos, a igreja do séc. XIV os qualifica como hereges. Esta era a etiqueta de exclusão da sociedade, no séc. XV eles se tornam igualmente exclusos, ainda que qualificados desta feita de mendigos oficiais. É no coração do Outono da Idade Média que se forja o estereótipo que conhecerá um grande renome nos tempos modernos.
CM- J. Huizinga fala da Idade Média no seu conjunto. Não se poderia sendo assim perguntar se a Idade Média de seu interesse não seria aquela dos Países Baixos, e mais amplamente a atmosfera territorial flamenga ou borgonhesa?
JLG- Não há um subtítulo na obra de J. Huizinga do tipo cidade Neerlandesa, França e Países Baixos, o livro é sobre a unidade cultural da época, a saber, a cristandade. Neste mesmo período na Itália ou em Languedoc, encontra-se basicamente a mesma ideologia dominante, aquela representada pela Igreja, e as mesmas estruturas sociais. Mas a paisagem cultural e mental é todavia totalmente diferente. E nessa busca por uma história das profundezas, faz-se mister perceber como uma mesma cultura, com todos seus sofrimentos, revela uma extraordinária diversidade.
É isto o que nos faz perceber em meio a esta diversidade o raio comum que as fundamenta em todos os movimentos regionalistas. Percebe-se bem hoje em dia que as entidades sociais são as herdeiras de um longo passado enraizado em um país particular, um passado de natureza regional, que escondem mais ou menos, e sob períodos mais ou menos longos, uma história unificante.
De um outro golpe, alhures, percebe-se melhor os limites da reivindicação regionalista. Se não se tem em conta que a raiz regional, que foi golpeada, reduzida ao silêncio, ignora-se todo o peso da história unificante. Aquela que Michelet põe em cena quando empreende a descrição da França como uma personagem geográfico-histórica nascida da aglomeração sucessiva de diversas províncias. Aqui, há um pouco o movimento contrário: J. Huizinga pôs em cena uma certa experiência histórica da Cristandade como um todo.

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