O Professor Michel Schooyans é sem dúvida o mais importante
estudioso da ideologia que está por trás do controle populacional e os grupos
favoráveis ao aborto. Esta é uma síntese de uma larga conversação que ACI
IMPRENSA sustentou com o sacerdote e intelectual belga.
Por que a Santa Sé se opõe a alguns supostos "direitos"
que promove a ONU?
A ONU há 30 ou 40 anos através de algumas de suas agências
especializadas como o UNFPA, a OMS ou o CNUD (Programa das Nações Unidas para
o desenvolvimento) lançou um programa internacional de controle da natalidade,
nitidamente maltusiano. Isto significa que a ONU quer propor o controle da
natalidade como um meio, uma condição prévia para o desenvolvimento dos povos.
Esta postura merece algumas considerações. O primeiro que
terá que ser enfático é que cientificamente nunca foi demonstrado que exista
uma relação entre a densidade da população de um país e o desenvolvimento.
Há países pouco povoados que são desenvolvidos, como a Austrália, e outros
pouco povoados que são subdesenvolvidos; como é o caso dos países da África
Central. Inversamente há países muito povoados que são desenvolvidos, como
a Holanda que tem mais de 400 pessoas por quilômetro quadrado, e há países
muito povoados subdesenvolvidos como o Paquistão. Quer dizer que não há relação
entre as duas coisas, depende de cada caso.
Entretanto, a ONU se comporta como se houvesse uma relação
determinante entre as duas coisas e diz aos países: "controlem sua população
e vão se desenvolver". Mas os países pobres precisam de remédios, escolas,
saneamento das águas, hospitais etc. Recursos que realmente favoreçam seu
desenvolvimento e não um controle da população. A Igreja não pode e não quer
promover uma política de desenvolvimento apoiada em uma mentira científica;
em uma hipótese que nunca foi demonstrada...
Poderíamos dizer que é uma ideologia?
Sim, certamente é a ideologia maltusiana, e é muito importante
destacar sua persistência. É uma ideologia discriminatória, eugenista, segregacionista.
O centro de sua temática poderíamos expressá-lo dizendo: "nós os ricos
do hemisfério norte precisamos controlar o crescimento da população dos países
do sul porque temos medo desta população".
A Santa Sé é muito consciente de que já desde antes da queda
do muro de Berlim houve uma reinterpretação da famosa guerra fria: já não
era a guerra Leste x Oeste mas sim a guerra Norte x Sul, opondo os países
ricos aos países pobres. Evidentemente a Igreja não pode aceitar esta oposição
nem este diagnóstico tipicamente maltusiano. Ela procura uma autêntica solidariedade
internacional apoiada na cooperação internacional, em uma distribuição mais
eqüitativa dos recursos, na possibilidade concreta de que os países pobres
possam acessar ao saber e às técnicas das quais depende seu desenvolvimento.
Mas a ideologia maltusiana é muito útil aos países ricos porque apresenta
as coisas como demonstradas quando pelo contrário todas as profecias de Malthus
foram desmentidas; essa hipótese de que a população cresce mais rapidamente
que os recursos alimentícios é uma farsa científica.
Mas há outro motivo pelo que a Igreja não pode admitir as
posturas da ONU. Resulta óbvio que é pouco simpático e pouco plausível dizer:
"os ricos devem conter o crescimento das populações pobres", e portanto
se busca utilizar uma linguagem nova, mentirosa, ideológica: "a linguagem
dos direitos humanos": "vocês os pobres têm direito à contracepção,
ao aborto. Estes são os novos direitos humanos. Nós -os ricos- queremos ajudá-los
a exercer esse direito novo e vamos ajudá-los a desenvolverem-se enviando
métodos anticoncepcionais e dispositivos intra-uterinos e aparelhos para realizar
abortos com máquinas especializadas..." A Igreja não pode admitir este
tipo de política.
Queria mencionar aqui uma coisa que muitas vezes não está
sendo muito bem explicada ao público: além das considerações de ética privada,
pessoal, a Igreja se opõe a estas campanhas por motivos de ética social.
O que propõe a Igreja frente a esta ideologia?
Continua proclamando que embora o homem seja pequeno, fraco
e débil tem o mesmo valor intrínseco. A sociedade atual não faz isso, é uma
sociedade de violência, de exclusão. Para os ideólogos do marxismo como para
os do liberalismo a atitude cristã é inadmissível porque os que fazemos a
opção de Jesus fazemos ao mesmo tempo a opção pelos pobres, porque Jesus fez
esta revolução ao reconhecer os que não valiam nada na sociedade.
A crise que estamos vivendo é realmente uma crise de valores,
é a crise da Verdade. Nos ambientes da ONU ou na problemática atual em matéria
de democracia se diz: não é necessário querer descobrir a verdade, não somos
capazes de descobri-la porque cada um tem a sua; e ocorre que as necessidades
da prática nos fazem tomar decisões práticas e então terminamos fazendo o
que recomenda John Rose, político norte-americano: discutimos caso por caso
sem nos referir a princípios relativos à verdade (que é inacessível) e então
tomamos uma decisão. É o que se chama a ética processual, que não considera
o que é bom, justo, mau. Será justa a decisão que vamos tomar só porque vamos
tomá-la.
Mas com este relativismo integral o respeito devido a todo
ser humano desaparece, é condicionado, porque depende de uma decisão consensual
sempre re-negociável. Assim, terminamos em uma sociedade de violência onde
prevalece à vontade do mais forte.
Como se vincula a este problema o tema da globalização?
Quando se fala de "globalização" esta tocando dois
temas. o da "mundialização" e o da "globalização".
Quando alguém fala de "mundialização" se insinua
que estamos caminhando para um governo mundial, para uma sociedade sonhada
por alguns autores ou políticos famosos -poderia mencionar dois deles como
Willy Brandt, chanceler da Alemanha, e Jan Timberland, um holandês que ganhou
o Nobel de Economia-. Eles desenvolvem esta idéia da mundialização em que
a época das nações soberanas já passou. Convém que pouco a pouco a ONU se
torne em um governo mundial e as agências da ONU nos ministérios deste governo.
Nesta mundialização vejo uma nova tentativa de instaurar a famosa "Internacional"
sonhada pelos marxistas do século passado.
A globalização é algo similar mas em uma perspectiva de ideologia
liberal. O mundo é visto como um imenso mercado que devemos integrar. O problema
se dá quando através do controle das coisas, das matérias primas, das indústrias,
etc., chega-se ao controle dos homens.
No núcleo da ideologia moderna -tanto da de inspiração marxista
como da neoliberal- o homem é interpretado de uma perspectiva monística, panteística
e neste caso a única ética que se impõe ao homem é fatalista: se formos uma
partícula no meio devemos admitir esta situação e se esta o exigir, vamos
sacrificar homens à sobrevivência do meio ambiente. É a temática já desenvolvida
no Rio do Janeiro em 1992 na reunião "Cume da Terra". Mas é uma
ideologia que segue desenvolvendo-se e que submete ao homem ao meio ambiente.
A ética aparece como uma submissão à mãe Gaia, a terra. Com este tipo de determinismo
ético o homem deve admitir sua situação de mortalidade total e integral. Não
há outra perspectiva da vida tal como a conhecemos na terra. Estamos encerrados
neste mundo que nos oprime e devemos aceitar o que dizem e pensam os que supostamente
entendem este meio ambiente. Por isso há pessoas como Jack Cousteau, que era
um farsante de primeira, que junto com vários ideólogos deste tipo recomendavam
a eliminação de 3 ou 4 milhões de habitantes da terra justamente para que
não haja contaminação porque o homem é o maior contaminador.
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