Embora
muitos acreditem que a história seja a ciência dos fatos relativos à
vida de um povo, é fenômeno relativamente comum que, de um mesmo evento,
dois historiadores extraiam teses diametralmente opostos. Livros
didáticos de história, como mostrou reportagem publicada pela Folha na
semana passada, não escapam a essa tendência.
Atualmente,
um livro brasileiro pode ser criticado seja por tratar Francisco Solano
López como líder paraguaio que desejava construir um país forte e
soberano seja por tratar todos os grupos étnicos de negros que aqui
chegaram apenas com "africanos".
São
críticas que, diga-se, fazem algum sentido. Quando se comenta a história
da Guerra do Paraguai, é sem sombra de dúvida importante indicar que
Solano López se opunha ao imperialismo inglês, mas não dá para deixar de
mencionar que o homem era um caudilho.
Analogamente,
é simplificação preconceituosa tratar como iguais todos os tipos de
negros que vieram ao Brasil sem nem tentar mencionar que havia
principalmente bantos e sudaneses, que, por sua vez, se subdividem em
várias dezenas de etnias. É realmente desconcertante que o Brasil, a
segunda maior nação negra do planeta, menor apenas do que a Nigéria,
insista em ignorar tão olimpicamente a história africana.
Reparos à
parte, convém registra que houve uma evolução importante. Não muitos
anos atrás, os livros escolares ainda enalteciam o duque de Caxias como
grande herói nacional. Embora o patrono do Exército brasileiro tenha
cumprido a missão que lhe foi dada e possa ainda hoje ser considerado um
herói, atualmente questiona-se o papel do Brasil num conflito com
contornos genocidas como foi a Guerra do Paraguai.
Toda
"verdade" histórica é antes de mais nada um versão para um conjunto de
fatos. Essa é uma concepção de história bastante disseminada hoje, no
que representou significativo avanço em relação aos tempos em que se
acreditava numa história neutra, objetiva e baseada unicamente em fatos
indisputáveis.
O risco da
interpretação mais moderna é desembocar no desprezo pelo fato. Se tudo é
uma questão de juízos, de ideologia, então por que o autor não fica
apenas com sua tese e adapta os fatos a ela? De certo modo, isso ocorre.
E não se pode afirmar que os historiadores que seguiram exclusivamente
essa linha tenham trazido uma grande contribuição para a ciência
histórica. O que trouxeram foi falsificação, às vezes consciente, às
vezes não. Às vezes evidente, às vezes não.
Existe,
obviamente, uma grande e interminável discussão teórica, que deveria, em
algum grau, estar presente nos próprios livros didáticos. O fato ( se
ainda é lícito falar em fato ) é que, pela diversidade de interpretação
hoje à disposição de alunos e de professores, ficou mais fácil começar a
entender história. Existe aqui um pouco do que Hegel chamou de
dialética.
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