Estrutura: Direito Canônico: o primeiro sistema jurídico ocidental moderno. A relação do Direito Canônico com o Direito Romano. Fundamentos constitutivos do sistema de Direito Canônico. Direito das corporações como Direito Constitucional da Igreja. Limitações à jurisdição eclesiástica.
Resumo:
Afirmar que o sistema de
Direito Canônico foi criado no século e meio entre 1050 e 1200 não
significa negar que uma ordem jurídica já existisse na Igreja desde os
seus primórdios. Havia normas eclesiásticas, uma ordem jurídica no
âmbito da Igreja; porém não havia um sistema jurídico de Direito
Eclesiástico, ou seja, nenhum conjunto de princípios e procedimentos
jurídicos eclesiásticos independente, integrado e em desenvolvimento,
claramente desligado da liturgia e da teologia.
A
sistematização das normas jurídicas da Igreja estava intimamente
relacionada à Revolução Papal em todos os seus aspectos, estreitamente
relacionado à proclamação, pelo papado, do seu direito de legislação.
Uma periodização revolucionária foi introduzida na história do direito
Eclesiástico e tornou-se possível fazer uma síntese das normas tomando-a
como base. Este movimento culminou em 1140 como grande Tratado de
Traciano. O sistema de Direito Canônico, concebido por Traciano,
baseava-se na premissa de que um conjunto de normas e princípios de
direito não é um corpo morto, mas sim um corpus vivente, enraizado no
passado, porém crescendo em direção ao futuro. Essas compilações foram
glosadas, comentadas e resumidas por cientistas do Direito; e o novo
sistema do Direito Canônico em desenvolvimento influenciou a formação
dos conceitos ocidentais sobre a natureza de um sistema jurídico. As
tensões entre o antigo e o novo, entre o todo e as partes ou entre a
teoria e a prática não poderiam ter sido harmonizadas somente por livros
e sermões.
Os canonistas utilizavam o Direito
Romano da forma que era compreendido na época abundantemente, assim
como usavam o Direito bíblico e também o Direito germânico. Os
canonistas também compartilhavam com os romanistas de sua época as
mesmas teorias em relação à natureza e às funções do Direito e os mesmos
métodos de análise e síntese de opostos, teorias e métodos que eram
tanto emprestados por eles aos romanistas como pelos romanistas a eles.
Também muitas instituições e conceitos jurídicos específicos foram
transportados da nova ciência do Direito Canônico para a ciência
jurídica romana contemporânea. Mas o Direito Canônico era o direito
positivo da Igreja, enquanto o Direito Romano não era Direito positivo
de nenhum ente político específico do ocidente. O Direito Romano era
tratado como acabado, imutável, passível de reinterpretação, mas não de
mudança. O Direito Canônico, ao contrário, não estava acabado, estava
sendo continuamente reconstruído. A existência de tal dimensão temporal é
um atributo essencial dos sistemas jurídicos modernos.
Os
elementos harmonizadores ou estruturais do Direito Canônico, que o
auxiliaram a tornar-se um sistema independente, integrado e em
desenvolvimento, derivam em parte da constituição da Igreja, como
compreendida no final do século XI e no século XII. Constituição no
sentido moderno, para fazer referência à localização e aos limites da
soberania, ao processo de seleção dos governantes, à situação dos
poderes legislativo, judiciário e executivo, à esfera de alcance da
autoridade governamental e aos direitos e deveres básicos dos
governados. Tais limites jurídicos estavam implícitos no modo de seleção
do papa, assim como dos bispos, abades e outros oficiais eclesiásticos a
ele subordinados. Não apenas o princípio eleitoral e a necessidade de
acomodar os cardeais, os bispos e o clero em geral, mas também a própria
complexidade do sistema de governo eclesiásticos serviram como
limitação substancial ao absolutismo papal. O papado desenvolveu uma
burocracia altamente eficiente de especialistas em várias áreas. O
governo papal também operava, em nível local e regional, por meio de
enviados papais, assim como por meio de outros indicados e subordinados.
Embora todos os poderes governamentais no
interior da Igreja se reunissem em última instância nas mãos do papado, a
autocracia papal era limitada pela divisão de funções, pela burocracia,
assim como pelo caráter hierárquico do governo eclesiástico como um
todo. Uma estrutura jurídica formal, burocrática, foi criada, e ela era
completamente inovadora para a Europa germânica. Nela, o governo estava
separado da lealdade pessoal de um homem para com seu senhor. Complexas
relações institucionais foram desenvolvidas, em contraste evidente não
apenas com as instituições tribais, mas também com as feudais e mesmo
com as antigas instituições imperiais, francas ou bizantinas. A Igreja
era um Estado apoiado no Direito, algo como o que os ingleses mais tarde
denominaram de rule of law.
O princípio de
limitações jurisdicionais sobre o poder e a autoridade era um princípio
constitutivo fundamental, subjacente ao novo sistema de Direito
Canônico. Contudo, uma análise das maneiras pelas quais o princípio
constitucional era aplicado requer que o Direito Constitucional seja
considerado não como tal, mas sim como Direito das Corporações. Os
canonistas do século XII
Utilizaram antigos conceitos romanos, conceitos germânicos e cristãos das entidades corporativas para desenvolver um novo sistema de Direito das Corporações aplicável à Igreja. Até certo ponto, eles harmonizaram os três diferentes conjuntos de conceitos. Não como um exercício abstrato de raciocínio jurídico, mas a fim de alcançar soluções práticas para conflitos jurídicos reais, exteriores e interiores à Igreja. Tais questões jurídicas práticas surgiram uma vez que a Igreja no Ocidente declarou ser uma entidade jurídica corporativa, independente de imperadores, reis e senhores feudais. Ele diferia substancialmente do Direito das Corporações dos romanos, encontrado nos textos de Justiniano.
Utilizaram antigos conceitos romanos, conceitos germânicos e cristãos das entidades corporativas para desenvolver um novo sistema de Direito das Corporações aplicável à Igreja. Até certo ponto, eles harmonizaram os três diferentes conjuntos de conceitos. Não como um exercício abstrato de raciocínio jurídico, mas a fim de alcançar soluções práticas para conflitos jurídicos reais, exteriores e interiores à Igreja. Tais questões jurídicas práticas surgiram uma vez que a Igreja no Ocidente declarou ser uma entidade jurídica corporativa, independente de imperadores, reis e senhores feudais. Ele diferia substancialmente do Direito das Corporações dos romanos, encontrado nos textos de Justiniano.
A
jurisdição eclesiástica do período anterior ao século XI – no sentido
amplo das competências legislativa, administrativa e judicial – carecia
de limites precisos. Havia uma superposição considerável entre a
competência das autoridades eclesiásticas e das autoridades seculares.
Foi a Revolução Papal, com a liberação do clero dos leigos, e sua ênfase
na separação entre o espiritual e o secular que tornou tanto necessário
como possível estabelecer limites claros da jurisdição eclesiástica,
sistematizando-a.
A competição e a cooperação
de jurisdições rivais não apenas tornaram possível e necessária a
sistematização do Direito, como também levou à formulação e resolução
jurídica de alguns dos mais agudos problemas morais e políticos da
época. A tendência de converter questões morais e políticas em questões
jurídicas. Isso contribuiu para o legalismo excessivo do Ocidente em
comparação com muitas outras civilizações; também contribuiu para seu
relativo sucesso no alcance da liberdade da tirania política e moral.
Marcos Katsumi Kay – N1
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