sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O Papa propõe nova síntese humanista para superar desafios da globalização



.- Na nova encíclica social que se apresentou esta manhã na Sala de Imprensa da Santa Sede, titulada "Caritas in veritate" (Caridade na verdade) o Papa Bento XVI expõe uma nova síntese humanista que permita superar os desafios da globalização e explica como a caridade é o pilar sobre o qual se deve reedificar a sociedade.

Ao referir aos desafios que expõe a situação global atual, o Pontífice indica que "os aspectos da crise e das suas soluções bem como de um possível novo desenvolvimento futuro estão cada vez mais interdependentes, implicam-se reciprocamente, requerem novos esforços de enquadramento global e uma nova síntese humanista".

"Continua « o escândalo de desproporções revoltantes »[56]. Infelizmente a corrupção e a ilegalidade estão presentes tanto no comportamento de sujeitos econômicos e políticos dos países ricos, antigos e novos, como nos próprios países pobres. No número de quantos não respeitam os direitos humanos dos trabalhadores, contam-se às vezes grandes empresas transnacionais e também grupos de produção local. As ajudas internacionais foram muitas vezes desviadas das suas finalidades, por irresponsabilidades que se escondem tanto na cadeia dos sujeitos doadores como na dos beneficiários.".

O Papa recorda que "Contudo há que sublinhar que não é suficiente progredir do ponto de vista econômico e tecnológico; é preciso que o desenvolvimento seja, antes de mais nada, verdadeiro e integral. A saída do atraso econômico — um dado em si mesmo positivo — não resolve a complexa problemática da promoção do homem nem nos países protagonistas de tais avanços, nem nos países economicamente já desenvolvidos, nem nos países ainda pobres que, além das antigas formas de exploração, podem vir a sofrer também as conseqüências negativas derivadas de um crescimento marcado por desvios e desequilíbrios".

O Santo Padre ressalta deste modo que "Do ponto de vista social, os sistemas de segurança e previdência — já presentes em muitos países nos tempos de Paulo VI — sentem dificuldade, e poderão senti-la ainda mais no futuro, em alcançar os seus objetivos de verdadeira justiça social dentro de um quadro de forças profundamente alterado ".

"O convite feito pela doutrina social da Igreja, a começar da Rerum novarum, para se criarem associações de trabalhadores em defesa dos seus direitos há-de ser honrado, hoje ainda mais do que ontem, dando antes de mais nada uma resposta pronta e clarividente à urgência de instaurar novas sinergias a nível internacional, sem descurar o nível local".

O Papa Bento XVI assinala logo que "a mobilidade laboral, associada à generalizada desregulamentação, constituiu um fenômeno importante, não desprovido de aspectos positivos porque capaz de estimular a produção de nova riqueza e o intercâmbio entre culturas diversas. Todavia, quando se torna endêmica a incerteza sobre as condições de trabalho, resultante dos processos de mobilidade e desregulamentação, geram-se formas de instabilidade psicológica, com dificuldade a construir percursos coerentes na própria vida, incluindo o percurso rumo ao matrimônio".

Por isso, recalca o Santo Padre dirigindo-se especialmente aos governantes, "o primeiro capital a preservar e valorizar é o homem, a pessoa, na sua integridade: «com efeito, o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida econômico-social»".

Ao falar depois do desafio da fome no mundo, o Pontífice precisa que se requere um sistema de instituições capazes de assegurar o alimento, assim como a maturação de uma " duma consciência solidária que considere a alimentação e o acesso à água como direitos universais de todos os seres humanos, sem distinções nem discriminações. Além disso, é importante pôr em evidência que o caminho da solidariedade com o desenvolvimento dos países pobres pode constituir um projeto de solução para a presente crise global, como homens políticos e responsáveis de instituições internacionais ".

O Papa precisa também que existe “outro aspecto da vida atual, intimamente relacionado com o desenvolvimento, é a negação do direito à liberdade religiosa". "As violências refreiam o desenvolvimento autêntico e impedem a evolução dos povos para um bem-estar sócio-económico e espiritual maior. Isto aplica-se de modo especial ao terrorismo de índole fundamentalista, que gera sofrimento, devastação e morte, bloqueia o diálogo entre as nações e desvia grandes recursos do seu uso pacífico e civil".

Ante estes desafios urgentes, o Santo Padre explica que "o saber humano é insuficiente e as conclusões das ciências não poderão sozinhas indicar o caminho para o desenvolvimento integral do homem. Sempre é preciso lançar-se mais além: exige-o a caridade na verdade. Todavia ir mais além nunca significa prescindir das conclusões da razão, nem contradizer os seus resultados. Não aparece a inteligência e depois o amor: há o amor rico de inteligência e a inteligência cheia de amor".

Novas soluções

"As grandes novidades, que o quadro atual do desenvolvimento dos povos apresenta, exigem em muitos casos novas soluções. Estas hão-de ser procuradas conjuntamente no respeito das leis próprias de cada realidade e à luz duma visão integral do homem, que espelhe os vários aspectos da pessoa humana, contemplada com o olhar purificado pela caridade", diz Bento XVI na Caritas in veritate.

O Papa sublinha também a "Também neste ponto se verifica uma convergência entre ciência econômica e ponderação moral. Os custos humanos são sempre também custos econômicos, e as disfunções econômicas acarretam sempre também custos humanos" e explica que "A diminuição do nível de tutela dos direitos dos trabalhadores ou a renúncia a mecanismos de redistribuição do rendimento, para fazer o país ganhar maior competitividade internacional, impede a afirmação de um desenvolvimento de longa duração".

"mais de quarenta anos depois da Populorum progressio, seu argumento de fundo, o progresso, segue sendo ainda um problema aberto, que se tem feito mais agudo e peremptório pela crise econômico-financeira que se está produzindo. (?) Temos que reconhecer quão difícil foi este percorrido, tanto por novas formas de colonialismo e dependência de antigos e novos países hegemônicos, como por graves irresponsabilidades internas nos próprios países que se hão independizado".

Passados mais de quarenta anos da publicação da Populorum progressio, o seu tema de fundo — precisamente o progresso — permanece ainda um problema em aberto, que se tornou mais agudo e premente com a crise económico-financeira em curso. (...) Temos de reconhecer como foi difícil tal percurso, tanto por causa de novas formas de colonialismo e dependência de antigos e novos países hegemónicos, como por graves irresponsabilidades internas aos próprios países que se tornaram independentes.


"A novidade principal foi o estalo da interdependência planetária, já usualmente chamada globalização", ressalta o Papa e expressa que "uma das pobrezas mais fundas que o homem pode experimentar é a solidão. Certamente, também as outras pobrezas, incluídas as materiais, nascem do isolamento, do não ser amados ou da dificuldade de amar".

Logo depois de precisar que o desenvolvimento dos povos depende sobre tudo de que se reconheçam como parte de uma só família, que colabora com verdadeira comunhão e está integrada por seres que não vivem simplesmente um junto ao outro, Bento XVI afirma que o "desenvolvimento coincide com o da inclusão relacional de todas as pessoas e de todos os povos na única comunidade da família humana, que se constrói na solidariedade tendo por base os valores fundamentais da justiça e da paz".

Ao falar então do papel das religiões para o desenvolvimento integral, o Pontífice reitera que "religião cristã e as outras religiões só podem dar o seu contributo para o desenvolvimento, se Deus encontrar lugar também na esfera pública, nomeadamente nas dimensões cultural, social, econômica e articularmente política. A doutrina social da Igreja nasceu para reivindicar este « estatuto de cidadania» da religião cristã".

Bento XVI se refere logo à necessidade de que o princípio de subsidiariedade se mantenha intimamente unido ao princípio da solidariedade e vice-versa, porque "subsidiariedade sem a solidariedade decai no particularismo social, a solidariedade sem a subsidiariedade decai no assistencialismo que humilha o sujeito necessitado. Esta regra de carácter geral deve ser tida em grande consideração também quando se enfrentam as temáticas referentes às ajudas internacionais destinadas ao desenvolvimento".

Ao falar sobre as migrações e sua relação com o desenvolvimento, o Papa considera que a política que sirva da melhor maneira a responder a este desafio "há-de ser desenvolvida a partir de uma estreita colaboração entre os países donde partem os emigrantes e os países de chegada; há-de ser acompanhada por adequadas normativas internacionais capazes de harmonizar os diversos sistemas legislativos (...) Nenhum país se pode considerar capaz de enfrentar, sozinho, os problemas migratórios do nosso tempo".

O Papa também expõe, em términos econômicos, uma regulação "do sector capaz de assegurar os sujeitos mais débeis e impedir escandalosas especulações, como a experimentação de novas formas de financiamento destinadas a favorecer projetos de desenvolvimento, são experiências positivas que hão-de ser aprofundadas e encorajadas, invocando a responsabilidade própria do aforrador".

"Perante o crescimento incessante da interdependência mundial, sente-se imenso — mesmo no meio de uma recessão igualmente mundial — a urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitetura econômica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações. De igual modo sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para atuar o princípio da responsabilidade de proteger [146] e para atribuir também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns.".

"O tema do desenvolvimento dos povos está intimamente ligado com o do desenvolvimento de cada indivíduo", prossegue o Papa; e assinala que " A técnica — é bom sublinhá-lo — é um dado profundamente humano, ligado à autonomia e à liberdade do homem. Nela exprime-se e confirma-se o domínio do espírito sobre a matéria(...) a técnica insere-se no mandato de « cultivar e guardar a terra » (Gn 2, 15) que Deus confiou ao homem, e há-de ser orientada para reforçar aquela aliança entre ser humano e ambiente em que se deve refletir o amor criador de Deus".

"O verdadeiro desenvolvimento não consiste primariamente no fazer; a chave do desenvolvimento é uma inteligência capaz de pensar a técnica e de individualizar o sentido plenamente humano do agir do homem, no horizonte de sentido da pessoa vista na globalidade do seu ser", alerta logo o Santo Padre.

A técnica nunca é suficiente para obter o desenvolvimento, precisa Bento XVI, e assegura que "o desenvolvimento é impossível sem homens retos, sem operadores econômicos e homens políticos que sintam intensamente em suas consciências o apelo do bem comum".

O Pontífice também fala do lugar dos meios de comunicação ante o desenvolvimento e explica que estes devem estar "centrados na promoção da dignidade das pessoas e dos povos, animados expressamente pela caridade e colocados ao serviço da verdade, do bem e da fraternidade natural e sobrenatural".

Conclusão

Logo depois de indicar que "a maior força ao serviço do desenvolvimento é um humanismo cristão [157] que reavive a caridade e que se deixe guiar pela verdade, acolhendo uma e outra como dom permanente de Deus", Bento XVI adverte que, ao contrário, "a reclusão ideológica a Deus e o ateísmo da indiferença, que esquecem o Criador e correm o risco de esquecer também os valores humanos, contam-se hoje entre os maiores obstáculos ao desenvolvimento".

"O humanismo que exclui Deus é um humanismo desumano. Só um humanismo aberto ao Absoluto pode guiar-nos na promoção e realização de formas de vida social e civil — no âmbito das estruturas, das instituições, da cultura, do ethos — preservando-nos do risco de cairmos prisioneiros das modas do momento", prossegue.

Por isso, explica, "O desenvolvimento tem necessidade de cristãos com os braços levantados para Deus em atitude de oração, cristãos movidos pela consciência de que o amor cheio de verdade — caritas in veritate –, do qual procede o desenvolvimento autêntico, não o produzimos nós, mas é-nos dado. Por isso, inclusive nos momentos mais difíceis e complexos, além de reagir conscientemente devemos sobretudo referir-nos ao seu amor.".

"O desenvolvimento implica atenção à vida espiritual, uma séria consideração das experiências de confiança em Deus, de fraternidade espiritual em Cristo, de entrega à providência e à misericórdia divina, de amor e de perdão, de renúncia a si mesmos, de acolhimento do próximo, de justiça e de paz.", adiciona.

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